Década de 1970 em Belo Jardim, interior de Pernambuco. O garoto Otto se encantava com Paulo, um amigo de seu pai, o promotor Marconi Ferreira. Todo ano ele voltava à cidade natal. Paulo era moderno, morava em Brasília, tinha um carro incrível, usava óculos escuros.
“Um dia, meu pai, em um porre com o Paulo, o abraçou e disse: ‘Otto, ele é igual a você. Nunca gostou de estudar, mas sempre leu.’” O garoto pensou: ‘Meu Deus, para me tornar o Paulo eu vou ter que ler muito’.
Otto Maximiliano Pereira de Cordeiro Ferreira está com 54 anos. Cantor, compositor, percussionista e um dos principais nomes da geração mangue, tem nove álbuns solo, o mais recente deles, “Canicule sauvage”, lançado em abril passado. Mas são os livros, mais do que a música, que o têm emocionado mais.
“(Jorge Luis) Borges dizia que tudo que o homem inventou é extensão do corpo: o arado é extensão do braço, o microscópio, dos olhos. A única exceção é o livro, uma extensão da nossa mente. Quando vou ler meu livro, vejo tanta coisa que tem dentro de mim. Não é para dançar, não é só rima, é um silêncio bonito”, diz Otto, que está neste fim de semana em Belo Horizonte para uma dupla missão.
"Meu sonho é um romance, mas ainda não consigo. É bom ver que as pessoas se interessam pelo que escrevo, um grande incentivo para que eu não pare e sempre me desafie. É diferente da música, mas é lindo"
Otto, cantor, compositor, percussionista e escritor
Sarau
Nesta sexta (15/7), lança na Livraria Quixote, com um sarau, “Meu livro vermelho” (Impressões de Minas, 188 páginas), sua primeira obra publicada. No sábado (16/7), lança “Canicule sauvage” com show n’A Autêntica, em noite que será aberta por Marcelo Veronez (um dos participantes do sarau desta noite, inclusive).
“Depois de tudo que passamos com a pandemia, fazer este lançamento em combo é muito realizador. Mas estou nervoso, ainda mais porque é na terra da minha editora e no estado que, para mim, representa a literatura”, comenta.
Seguindo o exemplo de Paulo, o amigo de seu pai, Otto leu muito. Mas não estudou. Era péssimo aluno e concluiu apenas o Ensino Médio. Chegou a entrar para uma graduação em história, mas não seguiu em frente. Menino ainda, leu a “Coleção Vagalume” e as obras de Monteiro Lobato.
O primeiro romance foi “Feliz ano velho”, de seu hoje amigo Marcelo Rubens Paiva. Foi passando para os “pesos pesados”, como ele diz, aos poucos. Machado de Assis, Guimarães Rosa, entre os brasileiros. “Dá para ter uma ideia de como estou feliz de fazer o primeiro lançamento em Minas Gerais.”
O Otto escritor é obra da dupla Elza Silveira e Wallison Gontijo, da editora Impressões de Minas. A partir de 2014, Otto passou a publicar, cotidianamente em sua conta no Instagram (@ottomatopeia), “meus delírios, poesias, pensamentos de consciência política”. Ele tinha noção de que havia ali uma produção poética, mas nunca imaginou que alguém poderia se interessar em publicá-la.
Elza e Wallison fizeram contato com ele falando do interesse em fazer um livro. Eles editaram o material, produzido até 2019. Na sequência, houve o convite para que Paulo Bispo, seu ex-professor, fizesse a revisão e a quarta capa do livro. A ideia partiu do próprio Otto.
“Que honra! Eu achava que tinha grandes deficiências de aprendizado e meu professor estava lendo minhas coisas e curtindo. Vou trazer ele para o projeto. Pedi para ele me decodificar, pois para escrever, precisava que as pessoas entendessem meu caos.”
Otto gosta de escrever ao amanhecer. “Do silêncio, como se eu pensasse pelas palavras enquanto o mundo ainda não acordou.” Com o processo de edição de “Meu livro vermelho”, passou a se esmerar mais na escrita e a ter ambições maiores.
O próximo será de contos, três ou quatro. “Meu sonho é um romance, mas ainda não consigo. É bom ver que as pessoas se interessam pelo que escrevo, um grande incentivo para que eu não pare e sempre me desafie. É diferente da música, mas é lindo”, conclui.
“MEU LIVRO VERMELHO”
Sarau de lançamento e noite de autógrafos do livro de Otto. Nesta sexta (15/7), a partir das 19h, na Livraria Quixote, Rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi. Entrada franca. O livro será vendido a R$ 70.
OTTO E MARCELO VERONEZ
Show neste sábado (16/7), a partir das 23h, n’A Autêntica, Rua Álvares Maciel, 312, Santa Efigênia. Ingressos: R$ 50 (estudante e entrada social, com doação de 1kg de alimento) e R$ 80 (inteira). À venda no site da casa de shows.