Diz a letra de “Caverna moderna”, sexta faixa do álbum “Estado de choque”, novo trabalho (o oitavo) do Anvil FX: “Caverna moderna/caverna moderna/Vivendo com as sobras das redes sociais/Vivendo os mitos das fake news eleitorais”. A atualidade dos versos de Bibiana Graeff impressiona, remetendo às casas e apartamentos que se tornaram verdadeiras cavernas durante a pandemia.
Chama a atenção que não só ela, mas todas as nove canções deste trabalho foram registradas no período pré-crise sanitária. Finalizado em 2019, mas lançado somente na semana passada, o trabalho traz a nova formação do projeto de música eletrônica idealizado há 25 anos por Paulo Beto, produtor e instrumentista juiz-forano radicado em São Paulo.
Hoje, o Anvil FX é um quinteto, contando com Bibiana Graeff (vocal principal, efeitos eletrônicos), Apolônia Alexandrina (vocais, percussão eletrônica, sintetizador), Livia Maria (vocais, sax tenor) e Tatiana Meyer (vocais, sintetizador). Nome de referência no cenário da produção experimental, Paulo Beto faz eletrônica com ecos de new wave, pós-punk, industrial, música brasileira.
O trabalho, basicamente um álbum de rock eletrônico, começou a ser gestado em 2016. Bibiana, a principal letrista, logo se apegou ao título “Estado de choque”. “Com o cenário tenso do pré-golpe que estávamos vivendo, veio o tema, que remete tanto ao estado da pessoa, daquilo que nos toca como indivíduos, quanto ao estado de choque das instituições. E a partir disso vieram várias músicas do disco, falando sobre nossos afetos hoje delegados à máquina (“Robô cuidador”), do que nos resta hoje da condição de seres vivos”, diz ela.
Um norte para o álbum foi a produção poética de Marcelo Dolabela, morto em janeiro de 2020, aos 62 anos. “Eu me encontrei com ele por acaso, em São Paulo, e falei que a gente estava tocando uma música do Divergência (Socialista, banda seminal do underground belo-horizontino, fundada por Dolabela em 1983 e ativa por três décadas). Ele adorou, e o convidei para fazer um poema inspirado na Bibiana”, conta Paulo Beto.
Foi assim que o Anvil FX ganhou a letra “As lágrimas vermelhas de Olga B.”, que fala sobre bestas, pestes e vícios, mostrando que a cultura e a loucura são o que resta às pessoas. Além dessa, a banda gravou uma música do Divergência, “Aqui & aqui” (outro poema de Dolabela, que conta com um trecho com a voz do próprio).
Estado de choque
A presença de quatro mulheres – Bibiana está com o Anvil FX desde 2013; Apolônia chegou um pouco depois e Lívia e Tatiana se tornaram integrantes quando “Estado de choque” estava sendo gravado – impactou a produção. “A música que a gente produz não é de musicista técnico. Trazemos a possibilidade de que qualquer pessoa possa se expressar artisticamente. E a banda tem um trabalho de conscientização das minorias”, afirma Bibiana.
“Eu não tenho formação em música, nunca toquei nada e não sou cantora, mas sou amante da música que é o universo do Anvil. Usamos os instrumentos como ferramentas de expressão de linguagem. Aqui, ninguém tem a intenção de ser um virtuose, e acho que é isso também que nos torna tão peculiares”, diz Tatiana. A partir desta liberdade criativa, Apolônia se aventurou a escrever também. Divide com Tatiana a autoria de “Original sound” e com Bibiana, “Robô cuidador”.
“Estado de choque” está disponível nas plataformas digitais e, em breve, terá sua versão em vinil – 300 cópias estão sendo produzidas pela fábrica Rocinante. O trabalho traz acompanhado um livreto com texto de Fausto Fawcett. O jornalista, escritor e compositor descreveu o disco como um “ensaio filosófico em forma de música dançante. Sombrio e irônico ensaio dançante” .
"ESTADO DE CHOQUE"
Anvil FX
Nada Nada Discos/Noite Democracy Records (9 faixas)
Disponível nas plataformas digitais