Jornal Estado de Minas

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Série sobre o assassinato de Daniella Perez reconstiui o crime com rigor


Primeiro presidente brasileiro eleito pelo voto direto após a ditadura militar (1964-1985), Fernando Collor de Mello renunciou ao cargo, após sofrer impeachment, em 29 de dezembro de 1992. Mas o país não quis saber, pois vivia outro impacto. 





Na noite de 28 de dezembro daquele ano, o corpo de Daniella Perez, de 22 anos, a nova “namoradinha do Brasil”, havia sido encontrado em um lugar ermo da Barra da Tijuca – com  duas dezenas de perfurações, a maior parte delas concentrada na região do coração.

O Brasil também não demorou a saber que os assassinos eram o ator Guilherme de Pádua, de 23, e sua mulher, Paula Thomaz (hoje Nogueira Peixoto), de 19, grávida de quatro meses. Daniella e Guilherme faziam par romântico na novela “De corpo e alma”, primeira trama de Glória Perez, mãe da atriz, em horário nobre na Globo.

Qualquer brasileiro, fã ou não de novelas, com idade suficiente, acompanhou intensamente o caso, que se desdobrou até 1997 – Pádua foi sentenciado a 19 anos de prisão em janeiro daquele ano e Paula, a 18 anos e meio, em maio. 





É precisamente este o período que a série documental “Pacto brutal: O assassinato de Daniella Perez” percorre. Com estreia nesta quinta-feira  (21/7) na HBO Max, a produção, em cinco episódios, é dirigida pela dupla Tatiana Issa e Guto Barra.


Reconstituição 

Os dois primeiros episódios foram disponibilizados à imprensa. Chama a atenção a reconstituição do crime. Passo a passo, tudo o que ocorreu naquela noite, a partir do momento em que Daniela e Guilherme deixaram os estúdios da Tycoon, onde a novela era gravada, está nos capítulos iniciais. 

Desde documentos, como o registro do estacionamento do estúdio que mostrava as placas do Escort de Daniella e do Santana do ator, até depoimentos – do viúvo da atriz, Raul Gazolla, dos delegados, promotores a até dos moradores do condomínio na Barra que viram os carros estacionados em um lugar suspeito. Traz ainda muitas imagens pessoais da vida em família de Daniella. 







A maior parte do material veio do arquivo de Glória Perez, cuja presença domina a produção. “Tivemos a sorte de ter acesso ao acervo da Glória. Ela não se envolveu no conteúdo, mas cedeu tudo o que tem, tanto de arquivo de imprensa quanto de documentos jurídicos e gravações que fez com testemunhas”, comenta Barra. O terceiro episódio, que será lançado no dia 28, junto com os dois últimos, mostra a investigação que a novelista fez, por conta própria, do caso. 

A ideia da série foi de Barra e Tatiana, dupla que já assinou vários projetos documentais. Este, no entanto, é o primeiro do segmento true crime. Tatiana, que antes de ir para trás das câmeras atuou como atriz, era próxima de Gazolla e esteve com ele no velório, uma comoção absurda que a série mostra por meio de imagens dos telejornais da época.

Raul Gazolla é um dos entrevistados pelos diretores Guto Barra e Tatiana Issa; ele soube quem era o assassino durante o enterro da mulher (foto: HBO/Divulgação)


“True crime é um gênero importante, e o Brasil tem memória curta. Às vezes, crimes muito bárbaros somem do imaginário ou versões fantasiosas acabam permanecendo. É importante que se faça uma análise da sociedade. Este documentário critica o machismo, a culpabilização da vítima, o papel da imprensa”, diz ela.





Além dos acervos pessoais e dos documentos jurídicos, os diretores entrevistaram mais de 60 pessoas para a série. Há uma boa parte da geração 90 da televisão na série, como Claudia Raia, Fábio Assunção, Maurício Mattar, Cristiana Oliveira, Alexandre Frota e Eri Johnson. 


Assassino

Há sequências fortes que são recuperadas por meio destes depoimentos, como no momento em que Gazolla, durante o velório, foi avisado por Frota de que a polícia já sabia que Pádua (que havia ido à delegacia prestar sua solidariedade durante a madrugada) era o assassino. O viúvo destruiu a capela ao receber a notícia.

“Todo mundo que a gente procurou se prontificou a falar, não tivemos uma negativa. Mais importante do que todos os famosos são as pessoas-chave da história, testemunhas, delegados, promotores, familiares”, comenta Tatiana. A Globo cedeu todas as imagens que foram pedidas, assim como liberou seus contratados para falar para a série.





A fotografia do corpo sem vida de Daniella é exibida várias vezes. “No início, a gente tinha dúvida (sobre a exposição da imagem), mas isto veio da Glória. Ela sempre expressou o quanto acha necessário mostrar a violência em torno deste crime. Acha que, sem as imagens, é difícil fazer as pessoas entenderem a dimensão do que foi feito com a Daniella naquela noite. E a Glória é muito prática. Para ela, a violência maior é a publicação das imagens dos dois juntos (Daniella e Guilherme em cenas românticas na novela) em revistas”, afirma Barra.

Glória Perez defende a divulgação da imagem da filha morta, para que o público tenha dimensão da monstruosidade do crime (foto: HBO/Divulgação)


De acordo com o documentarista, a ideia da série nunca foi tentar achar fatos novos. “É um caso julgado e concluído. Não tivemos intenção de gerar dúvidas, mas procuramos detalhar o máximo de questões possíveis, coisas esquecidas, mal explicadas.” 

Um exemplo está no primeiro episódio. O Escort que Daniella dirigia era de Gazolla. Ela, que dirigia uma moto na época, pediu à mãe dinheiro emprestado para comprar seu próprio carro. Naquela noite, a atriz estava com uma bolsa com os US$ 6 mil emprestados por Glória que ela usaria para comprar, no dia seguinte, o veículo. O dinheiro desapareceu. 

A série também mostra que nunca houve um romance entre a atriz e seu assassino – durante muito tempo, houve uma narrativa de que a motivação do crime seriam ciúmes. Na altura da trama da novela “De corpo e alma” que estava no ar na época do assassinato, a personagem de Daniella, Yasmin, estava terminando seu romance com Bira, o personagem de Guilherme. 





Assédio

O ator, que fazia seu primeiro personagem de destaque na TV, estava atrás da atriz (o que é reiterado por profissionais de bastidores que trabalhavam na novela), insistindo para que ela intercedesse junto à Glória para que aumentasse o papel dele na novela. Daniella, dizem alguns dos entrevistados, estava cansada do assédio de Guilherme.

Guilherme e Paula, hoje divorciados e casados com outras pessoas, não foram procurados pela série. “A decisão foi nossa, como documentaristas. A Glória não teve nada a ver com a decisão. Criticamos muito o papel que a imprensa sensacionalista teve na época, do quanto veículos deram espaço para que versões mentirosas, errôneas, fossem sendo perpetuadas ao longo desses 30 anos. A gente não poderia criticar isso e fazer a mesma coisa. Este foi o crime de uma geração, abalou o Brasil de maneira potente. Espero que a série tenha uma repercussão para que a verdade possa prevalecer”, diz Tatiana.

“PACTO BRUTAL: O ASSASSINATO DE DANIELLA PEREZ”

Série em cinco episódios. Os dois primeiros estreiam nesta quinta (21/7), na HBO Max. Os demais entram no ar na próxima quinta (28/7).





Guilherme de Pádua faz “esclarecimento” em rede social

Pela legislação brasileira, Guilherme de Pádua e Paula Thomaz tiveram direito a liberdade condicional após cumprirem um terço da sentença. Deixaram a prisão, com a diferença de meses, em 1999. Pádua, nascido em Belo Horizonte, vive na capital mineira desde então. Em seu terceiro casamento, o ex-ator é, desde 2017, pastor da Igreja Batista da Lagoinha. 

Esteve ativo nas redes sociais até maio de 2020, quando publicou um vídeo com a mulher em uma manifestação pró-Bolsonaro em Brasília. Há duas semanas, voltou às redes para publicar um vídeo no YouTube com o título “Sobre série da HBO”. Na imagem, Pádua afirma que voltou às redes para dar “esclarecimentos” de que teria bloqueado suas redes por causa de um “seriado de TV”. 

Teria saído das redes há dois anos seguindo o pedido de um pastor que o “aconselha e orienta”. “No auge da pandemia, parece que o debate estava interditado e tinha muita animosidade nas redes.” Não cita o nome de ninguém no vídeo, só diz que a imprensa nunca lhe deu voz e que, “com toda razão me persegue”. Acrescenta que nada vai apagar ou corrigir o passado.