Novo título da coleção Teatro Contemporâneo, da Editora Javali, “Casa Breve: Uma atriz louca em três tempos”, da atriz e performer Viviane de Cassia Ferreira, traz os resultados de suas vivências no projeto, que dá título ao livro, desenvolvido desde 2010 pelo Núcleo de Criação e Pesquisa Sapos e Afogados, grupo formado por cidadãos em sofrimento mental, que ela integra.
Uma das idealizadoras do projeto Casa Breve, ela apresenta na obra caminhos para uma construção dramatúrgica e performática que aponta lugares para a criação a partir da experiência da loucura.
Viviane explica que o Casa Breve é uma iniciativa conjunta com o Sapos e Afogados que teve três edições, e que consistiu na ocupação de espaços arquitetônicos pelos integrantes do grupo, que, ao longo de um mês, desenvolviam suas criações para que, no último dia da residência, fossem apresentadas ao público.
Ela recorda que a ideia da primeira edição, realizada em 2010, veio na esteira da gravação de um curta, intitulado “Breve”, com direção de Ricardo Alves Jr., que acabou não acontecendo. “Tive um sonho, de que a gente deveria ocupar o imóvel onde o filme seria realizado para que cada ator do grupo escolhesse um cômodo para trabalhar pelo tempo que desejasse, uma espécie de residência terapêutica e artística”, conta.
Os trabalhos apresentados ao público naquela primeira edição incluíam performance, instalações e o experimento cênico “Hoje são mistérios gozosos meus surtos psicóticos”, escrito por Viviane. Ela diz que o local escolhido era o casarão onde morou Otacílio Negrão de Lima, no bairro Floresta, “um lugar pomposo, mas deteriorado, sem água nem luz nem nada”.
“Senhora Azul”
O segundo Casa Breve ocorreu em 2012, na casa onde a diretora do Sapos e Afogados, Juliana Barreto, tinha vivido, no bairro Santa Efigênia, e da qual estava se mudando, segundo a atriz. “Fiz uma performance, chamada ‘Sra. Azul, cores, nomes, sons, formas, silêncios’, que inspirou o espetáculo ‘Ensaio para a senhora Azul’, lindamente montado e dirigido pelo Robson Vieira e estrelado pela Kelly Crifer”, recorda.
A terceira edição do Casa Breve foi realizada durante a pandemia, em 2020, com cada ator criando cenas em sua própria residência. Fruto de cada um dos mergulhos de Viviane nos três tempos de cada edição do Casa Breve, o livro registra, além dos pensamentos que atravessaram a atriz durante estes períodos, os personagens criados por ela e as situações que se fizeram presentes nessas vivências.
“Casa Breve: Uma atriz louca em três tempos” reúne os textos “Hoje são mistérios gozosos meus surtos psicóticos”, “Sra. Azul”, “Presa em meu endereço”, “A natureza das coisas” e “Cabaret Vol Ter um toque de sonhar sozinha”. Eles são prefaciados por Ricardo Alves Jr., Juliana Barreto e o psicanalista e diretor de teatro Rafael Costa. O livro também traz registros fotográficos das apresentações e documentos dos processos de criação.
Escrita dramatúrgica
Viviane diz que não tinha noção de que seus escritos compunham uma dramaturgia. Ela diz que entendia os textos produzidos durante as residências do Casa Breve como estudos de personagens ou esquemas intelectuais de performance.
“Eu não tinha noção de que era uma escrita dramatúrgica. Escrevi toda minha vida, muitas pessoas gostavam, mas, para mim, ficava naquele lugar do ‘Ah, ela escreve bem’. Jamais imaginei que isso pudesse gerar um livro”, comenta.
Ela aponta que essa percepção veio quando o Sapos e Afogados foi contemplado na Lei Aldir Blanc, para a produção, a cargo de Juliana, de um livro sobre os 20 anos do grupo. “Comentei com ela que eu tinha todos os textos do Casa Breve e perguntei se ela não queria incluí-los nesse livro. Mandei o material para ela, que me disse que aqueles textos saltavam sozinhos, eram, em conjunto, uma obra independente, um livro pronto”, conta.
A diretora do Sapos e Afogados repassou o material para o ator e diretor Assis Benevenuto, criador da editora Javali, que tinha feito a dramaturgia de “Ensaio para a senhora Azul”. “Ele me falou que aqueles textos eram uma dramaturgia muito linda e potente e que ia lançar pela coleção Teatro Contemporâneo. Entrei na reunião com ele como a atriz que gostava de escrever e saí como atriz e dramaturga”, diz Viviane.
Síndrome bipolar
Sua chegada ao Sapos e Afogados se deu em 2009, por meio de Luiz Garrocho, depois de um período de cinco anos em que, conforme diz, ficou em depressão profunda, “querendo ficar embaixo da cama”. Diagnosticada com síndrome afetiva bipolar em 2003, quando, formada pelo Cefart em 2001, já desenvolvia seu trabalho como atriz, ela conta que foi apresentada a Juliana Barreto, que a convidou para participar do grupo.
“Surtei feio e só lá em 2009 é que eu tive vontade e coragem e condições de voltar ao teatro; pensei que eu queria trabalhar minhas próprias coisas, meus dramas, iluminar minha própria loucura em busca de descobertas. Procurei o Garrocho, com uns textos que eu tinha escrito, e ele me falou do Sapos e Afogados. Entrei em contato com a Juliana e nosso encontro foi muito legal desde o início”, conta.
Ela diz que agora, com o livro lançado, seu desejo é que ele chegue às pessoas, sobretudo o público ligado à saúde mental. “Quero promover encontros nas unidades do Cersam (Centro de Referência em Saúde Mental), nos centros de convivência em geral, mas esse é um livro que, claro, pode interessar a outras pessoas”,afirma.
“A pandemia deixou muito claro que a saúde mental não se refere só a quem é diagnosticado ou quem toma remédio controlado; ela é muito frágil, todo mundo está sujeito. Nesse livro faço uma exposição muito verdadeira, com profundidades do meu ser, que trago à flor da pele.”
“Casa Breve: uma atriz louca em três tempos”
• Viviane de Cassia Ferreira
• Viviane Editora Javali (128 págs.)
• Viviane R$ 36 (no site da editora: Viviane https://www.editorajavali.com/)