Uma grande celebração pelos 50 anos do Clube da Esquina é o mote da 10ª edição do Festival Cold Hot, que ocupa a Praça José Mendes Júnior, na Savassi, neste sábado (30/7), com uma série de shows, espaço gastronômico e entrada mediante retirada de convite e doação de um quilo de alimento não perecível.
A programação começa às 14h, se estende ao longo do dia e culmina com uma apresentação da banda Allunar – projeto criado por Rodrigo Borges e Ian Guedes, herdeiros de sangue do Clube –, que recebe como convidados Beto Guedes, Toninho Horta e a cantora e compositora carioca Mart’nália.
A primeira atração do festival é a banda Ciana, formada por jovens alunos da School of Rock de Belo Horizonte. Na sequência, a praça será tomada por um cortejo do Tambor Mineiro conduzido por Maurício Tizumba, celebrando vida e obra de Milton Nascimento. O músico Marcos Catarina ocupa o palco em seguida com um show em homenagem a seu irmão, Vander Lee, cuja obra também reflete as influências do Clube.
A programação segue com show da banda Glasgow9, executando repertório dos Beatles, e chega ao final com a Allunar. O panorama do festival se completa com a presença de bares e restaurantes de Santa Tereza servindo petiscos específicos. “Como estamos falando do Clube da Esquina, não tinha como deixar de referenciar o bairro onde o movimento nasceu. Resolvemos fazer isso por meio da gastronomia”, diz Fred Barros, organizador do evento.
Ele explica que a programação musical foi montada a partir de conversas com Ian e Rodrigo, que foi quem sugeriu a homenagem ao Clube da Esquina como eixo estruturador desta 10ª edição do festival, que tradicionalmente é realizado em torno de um tema ou de um artista. “Rodrigo propôs esse show da Allunar e conseguimos convidar o Beto, o Toninho e a Mart’nália, de quem ele é muito amigo”, aponta.
Relação de admiração
Sobre a presença da cantora, Barros diz que era um desejo comum ter alguém de fora, que não tivesse uma ligação direta com o Clube, mas uma relação de admiração. “O Rodrigo tem esse diálogo antigo com ela, já trabalharam juntos, então Mart’nália vem para essa participação especial, mostrando de sete a 10 músicas acompanhada pela Allunar”, diz.
A cantora assente que é devedora, em boa medida, da obra do Clube da Esquina. Ela ressalta que ficou muito feliz com o convite para participar da homenagem por conta do cinquentenário de lançamento do álbum emblemático do movimento. “Vai ser uma alegria para mim cantar junto com os herdeiros do Clube da Esquina, eu que também sou uma herdeira da história da MPB, por causa de meu pai”, diz a filha de Martinho da Vila.
Ela destaca que a música de Milton Nascimento, Lô Borges, Beto Guedes e companhia foi um importante estímulo para que aprendesse a tocar violão e seguir na carreira artística. “Sou fã até hoje, ouço muito até hoje, então quando veio esse convite do Rodrigo, fiquei muito feliz pela possibilidade de estar em Belo Horizonte, que é um lugar que eu adoro, participando desse aniversário maravilhoso junto com esses caras maneiros”, salienta.
Convite a Mart’nália
Rodrigo Borges conta que sua relação com Mart’nália remonta a 2017, quando foi convidado pela Belotur para se apresentar no aniversário de 120 anos de Belo Horizonte, tendo a possibilidade de chamar um convidado de fora. Ele diz que sempre foi muito fã de Martinho da Vila e de toda sua família e, por isso, não hesitou em propor o nome da cantora e compositora.
O músico recorda que, na passagem de som, descobriram que tinham em comum uma amizade estreita com Vander Lee, que havia morrido no ano anterior. “Resolvemos fazer uma homenagem a ele e cantamos ‘Onde Deus possa me ouvir’. Nós e o público nos emocionamos juntos. Acabei gravando a música no meu segundo disco com a participação da Mart’nália. Desde então temos trocado figurinhas”, diz.
Ele aponta que essa convergência na figura de Vander Lee é também o que explica a presença de Marcos Catarina na programação do festival. Com relação às atrações musicais do festival, de um modo geral, ele destaca que estão presentes por laços de amizade que mantêm consigo e com Fred Barros. “Elaborar essa programação foi um trabalho conjunto”, diz.
Divina Banda
“Com o Tizumba, que também é muito próximo do Fred, eu tenho a Divina Banda, que sai desfilando pelas ruas do Santa Tereza desde o carnaval de 2017; a gente vem fazendo muita coisa juntos desde então. O Glasgow9 é uma banda formada por amigos do Fred, e a Ciana é uma iniciativa dele no sentido de dar uma força para um grupo de adolescentes que estuda na School of Rock”, pontua.
Ele ressalta que Beto Guedes, que é pai do Ian, e Toninho Horta comparecem como convidados no show da Allunar por razões óbvias. “São mestres que a gente tem desde a infância, então passa pela relação familiar e também de aprendizado. O Toninho, então, nem se fala, é um embaixador da nossa música. Já tocamos juntos e já dirigi show dele”, justifica.
A dinâmica do show da Allunar prevê que os convidados se revezem no palco e se juntem todos ao final da apresentação. Além das músicas do Clube da Esquina – tanto do álbum quanto outras criadas pelos artífices do movimento –, as participações especiais também vão mostrar temas de lavra própria. Mart’nália, por exemplo, vai executar entre sete e dez temas que dizem respeito a sua carreira e prestar o tributo ao Clube no encerramento, se juntando a Toninho e Beto, que será o último a subir ao palco.
Composições próprias
Entre um convidado, a Allunar vai passear pelo repertório identificado com o Clube e também mostrar composições próprias. Rodrigo observa que a banda é um projeto surgido durante a pandemia e que sequer foi “lançada” oficialmente.
“Temos gravado material autoral e acho importante aproveitar essa oportunidade para mostrar um pouco do que temos feito. Tem uma música chamada ‘Escapulário’ que é parceria do Ian com Nando Reis; tem outra, que se chama ‘Doces mágicos’, que é parceria nossa com Ronaldo Bastos. A gente quer pontuar essa homenagem ao Clube mostrando que esse espírito de fazer música movido pela amizade continua vivo”, diz.
Ele explica que a Allunar surgiu como forma de manter a prática composicional em movimento, já que, na impossibilidade de fazer shows, durante o período de isolamento mais severo da pandemia, era o que restava. “Na nossa vida de artista, a gente faz música para gravar disco para celebrar o repertório junto com o público, nos shows. Durante a pandemia isso foi arrancado da gente. A solução foi nos aproximarmos dos amigos para continuar produzindo”, aponta.
Período de criação
Ele disse que a aproximação com Ian e com o baixista Adriano Campagnani, que completa a formação da banda (mas não estará presente na apresentação de amanhã, porque está viajando), resultou num período de muita criação. “Inicialmente começamos a gravar, cada um na sua casa, de forma remota, músicas que o Ian tinha guardadas. Depois partimos para compor conjuntamente coisas novas com a cabeça no futuro, que era incerto naquele momento. Era material para apresentar quando a gente pudesse sair da toca”, diz.
Também foi o desejo de se manter em movimento que resultou em outro projeto capitaneado por Rodrigo – a banda Trilho Elétrico, que ele divide com Lelo Zaneti, do Skank, e com os baianos Lutte, ligado à cena reggae de Salvador, e Manno Góes, um dos fundadores do grupo Jammil e Uma Noites.
“Essa era uma ideia despretensiosa que foi tomando força. Conseguimos uma parceria com o selo Pacific, que é distribuído pela Sony Music, e começamos a compor durante a pandemia, o Lutte fazendo músicas, eu criando também junto com Manno e com Lelo. De repente a gente já tinha mais do que um álbum em mãos, daí começamos a gravar”, diz, acrescentando que a partir de setembro o trabalho do Trilho Elétrico começa a chegar às plataformas.
Legado do Clube
Essa disposição gregária que carrega em si é justamente o que Rodrigo considera o principal legado do Clube da Esquina. Ele diz que o ensinamento que ficou de toda a movimentação que gerou o mítico álbum lançado em 1972 e os trabalhos que se seguiram, de cada um dos seus participantes, é a possibilidade de fazer música baseada na amizade, sem pretensões que não o desejo de conseguir se expressar por meio da canção, da forma mais livre possível.
“Acho que o grande emblema do Clube é esse: ter na paixão pela música um meio de vida, um ofício, e tanto melhor quando você alcança isso com pessoas que estão ao seu lado, porque aí a criação ganha muito em forma, estética, tamanho e expressão. Não dá para pensar no ‘Clube da Esquina’ sem falar do núcleo todo envolvido. O principal legado é fazer da música um encontro que tem um potencial de transformação grande”, salienta.
Fred Barros acredita que a escolha do tema para o Festival Cold Hot deste ano não poderia ter sido mais feliz e apropriada para marcar esta 10ª edição. Ele destaca que a celebração em torno de um artista ou evento musical é uma marca registrada do evento desde sua criação, e que a grandeza do Clube da Esquina coroa muito apropriadamente a trajetória até este momento.
“O Festival Cold Hot nasceu por um convite do Auder Júnior, que queria fazer a festa de dez anos da banda dele, a Audergang, e me chamou para produzir. Eu topei, mas pensando que aquilo podia virar um projeto. A primeira edição, então, foi uma celebração do blues, e a ideia de trabalhar com um eixo estruturador passou a ser uma constante. Sendo um festival mineiro, não consigo pensar em um mais potente do que o Clube da Esquina”, aponta.
FESTIVAL COLD HOT
10ª edição, em homenagem ao Clube da Esquina, neste sábado (30/7), a partir das 12h, na Praça José Mendes Jr., na Savassi. Atrações: Banda Ciana,Cortejo do Tambor Mineiro com Maurício Tizumba, Marcos Catarina com show em tributo a Vander Lee, Banda Glasgow9, Banda Allunar e convidados: Toninho Horta, Beto Guedes e Mart’nália. Ingressos: retirada gratuita via Sympla + 1 kg de alimento não perecível.