A indústria cinematográfica indiana, muitas vezes erroneamente generalizada como “Bollywood”, tem ganhado cada vez mais destaque no circuito convencional, com grandes produções de alto orçamento. E merecidamente. Em 2022, uma das pérolas do cinema indiano, que pegou audiências ocidentais de surpresa e conquistou legiões de fãs ao redor do mundo é o filme “RRR: Revolta, rebelião, revolução”.
O longa é dirigido por S. S. Rajamouli e estrelado pela dupla N. T. Rama Rao Jr. e Ram Charan (os três “R” do título) e está disponível para streaming na Netflix. Com pouco mais de três horas de duração, a produção é a mais cara da história do mercado indiano e chegou a conquistar o posto de maior arrecadação cinematográfica no país apenas uma semana após sua estreia.
Para o público brasileiro em geral, cada vez mais acostumado com produções hollywoodianas e outros tipos de conteúdo estadunidense, “RRR” pode parecer exagerado. Na verdade, pode parecer exageradamente exagerado. A construção do roteiro, as cenas de ação e o excesso de dramaticidade nas atuações beiram o tosco. É preciso entrar no jogo e mergulhar na história com a mente limpa para aproveitar os 185 minutos do longa.
Uma vez a bordo, é impossível não se divertir da primeira à última cena. Superestetizado seria uma boa palavra para descrever cada frame do filme. Rajamouli usa close ups, câmeras lentas e trilha sonora de maneira excessiva, que fazem com que cada segundo pretenda ser épico. O mais impressionante é que tudo isso funciona: talvez pelo fato de o próprio filme não se levar muito a sério.
Bollywood
A trama se passa nos anos 1920, quando a Índia fazia parte do Império Britânico, e conta a história de dois revolucionários indianos que lutaram contra a dominação estrangeira no país. O enredo é, contudo, puramente ficção: até onde está registrado nos documentos históricos, ambos nunca se conheceram, muito menos se tornaram grandes amigos.
O diretor aproveita algumas lacunas na história de vida da dupla e da falta de relatos factuais acerca de seus paradeiros em certos momentos de suas vidas para imaginar um cenário onde os dois juntaram esforços na luta contra os imperialistas britânicos.
Ram Charan interpreta Alluri Sitarama Raju, um líder revolucionário que encabeçou uma campanha armada contra o Império Britânico no início dos anos 1920. Somos introduzidos ao personagem em uma das cenas mais épicas da história do cinema: nos arredores de Nova Deli, rebeldes amotinados tentam invadir uma delegacia imperial e, quando um deles atira uma pedra contra o prédio, o então oficial de polícia Raju é ordenado a capturar o homem no meio da multidão. O policial parte para uma furiosa investida contra os revoltosos, derrubando, literalmente, centenas de indianos de uma só vez.
Filme de ação
Os dois protagonistas conduzem a trama e a ação do filme: Raju é um policial sisudo e obstinado, secretamente em uma missão para se infiltrar entre os oficiais britânicos e armar a população indiana. Ele é incumbido pelo Império da captura de Bheem, que deixou sua tribo em busca de sua irmã caçula, capturada pelos britânicos na primeira cena do filme.
Ambos se encontram por acaso quando decidem trabalhar juntos para resgatar um garoto prestes a ser morto quando uma locomotiva descarrila e cai de uma ponte, ateando fogo em um rio, e se tornam melhores amigos, sem saber de suas verdadeiras identidades e intenções. Uma eficiente montagem mostra o nascimento do maior bromance desde Martin Riggs e Roger Murtaugh de “Máquina mortífera”.
O filme junta os grandes astros do cinema indiano N. T. Rama Rao Jr. e Ram Charan em sua primeira colaboração. Apesar de exageradamente dramáticas, todas as atuações no filme são sinceras e emocionantes, contribuindo para o desenvolvimento dos personagens e suas relações. Além da dupla, Ajay Devgn (Venkata Rama Raju, o pai de Rama Raju), Twinkle Sharma (Malli, a irmã de Komaram Bheem), Olivia Morris (Jenny) e Alison Doody e Ray Stevenson (respectivamente, o casal de vilões Catherine Buxton e o governador Scott Buxton) merecem destaque.
Musical
E, claro, como é de se esperar, no filme há música. Muita música. Ao contrário de produções estadunidenses do gênero ação e aventura, que dispensam e menosprezam números musicais, “RRR” embarca com tudo em canções melódicas e danças hipercoreografadas, que fazem o final de “Quem quer ser um milionário?” parecer uma peça de teatro da escola. O próprio diretor, Rajamouli, canta e dança em uma participação especial no final do longa.
“RRR” é, para nós, um longa diferente, mas apenas porque não estamos acostumados com o modo indiano de fazer cinema, que requer um pouco de paciência de espectadores ocidentais. Mas, depois que entendemos a premissa e abraçamos a galhofa, nos perdemos na trama, nos personagens e na cultura indiana.
Como brasileiros, acostumados sos rótulos de “subdesenvolvidos” e “terceiro mundo”, podemos não compartilhar a mesma língua, os mesmos traços culturais e a mesma história dos personagens do filme e do povo indiano, mas conseguimos entender muito bem os três Rs e seu significado de luta e superação.
“RRR: REVOLTA, REBELIÃO, REVOLUÇÃO”
(Índia, 2022, 185min). Direção: S. S. Rajamouli. Com N. T. Rama Rao Jr. e Ram Charan. Disponível na Netflix.
*Estagiário sob supervisão da editora Silvana Arantes