Rede Globo e SBT, as duas emissoras em que Jô Soares cumpriu a maior parte de sua trajetória na televisão, divulgaram, nesta sexta-feira (5/8), notas de pesar por sua morte. Apresentador, entrevistador, humorista, escritor, ator, diretor, ele morreu durante a madrugada, aos 84 anos, no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, onde estava internado desde o dia 28 de julho, para tratar de uma pneumonia.
"José Eugênio Soares, foi um carioca que veio ao mundo para, dentre outras missões, a nobre arte de fazer rir. Desde pequeno, tinha em seus pais - Mercedes e Orlando - uma agradável companhia e grande incentivo na descoberta de sua verve artística", diz o comunicado do SBT, que destaca, ainda, o que viria a ser um marco na trajetória de Jô: sua estreia como apresentador, nos moldes dos talk shows norte-americanos.
O texto da emissora lembra que foi em agosto de 1988 que uma revolução aconteceu na carreira do artista múltiplo, e na história da televisão brasileira. "Jô ganha de Silvio Santos a oportunidade de realizar seu sonho ao comandar um talk show que mesclasse entrevistas, música e humor, inovando os finais de noite da TV brasileira, criando uma fórmula inesgotável que até hoje reflete-se em sucesso absoluto", diz a nota, sobre o lançamento do programa "Jô Soares Onze e Meia".
O comunicado da Rede Globo também destaca o talento de Jô "para uma boa conversa" e recorda que o primeiro programa de entrevistas que apresentou foi o "Globo Gente", em 1973. Depois de sua passagem pelo SBT, onde ficou por 11 anos, entre 1988 e 1999, ele retornou à emissora carioca, conforme destaca a nota.
Sofá do Jô
"No ano 2000, Jô Soares voltou à Globo para o 'Programa do Jô', acompanhado do garçom Alex e de um quinteto musical. Pelo sofá passaram personalidades, políticos e figuras anônimas - nacionais e internacionais. Uma das primeiras entrevistas da estreia do programa foi com o jornalista Roberto Marinho, fundador da TV Globo, gravada nos jardins da sua residência", lembra o comunicado.
O texto rememora, ainda, que no dia 16 de dezembro de 2016, Jô Soares se emocionou em seu programa de despedida, após 16 anos no ar, em que entrevistou o cartunista Ziraldo: "Que alegria ver tantos amigos queridos aqui na plateia. O programa só durou esse tempo todo graças a essa equipe. Minha vida realmente mudou graças à plateia, sem vocês eu não existo. A todas essas pessoas, meu eterno beijo do Gordo".
Em entrevista ao site Metrópoles, o consultor e professor de televisão Fernando Morgado, autor dos livros "Silvio Santos - A trajetória do mito" e "Comunicadores S.A", ressalta que o sucesso de Jô teve uma contribuição importante do dono do SBT.
Principal entrevistador
"Jô Soares se tornou o principal entrevistador do Brasil graças ao Silvio Santo. A Globo, onde Jô trabalhava na época, não acreditava que o humorista fosse capaz de assumir um talk show de sucesso. E foi o Silvio que abriu as portas para lançar o 'Jô Soares Onze e Meia', cujo formato é claramente inspirado nos late shows dos Estados Unidos", lembra o biógrafo de Silvio.
Ele observa, ainda, que "Jô Soares Onze e Meia" não apenas deu audiência e faturamento para o SBT, como trouxe prestígio para a emissora, que ainda era encarada com certo preconceito pelo mercado. "O programa, por exemplo, se transformou no grande palco de debates e entrevistas na TV durante o processo de impeachment do Collor. Além disso, quebrou paradigmas por entrevistar figuras de todas as vertentes e falar de todas as emissoras, algo que a Globo, por exemplo, não permitia naquele tempo".
Morgado também comenta a volta de Jô Soares para a Globo, em 2000. "Na minha opinião, a primeira entrevista, feita com Roberto Marinho no jardim da mansão no Cosme Velho, foi uma demonstração de força que Jô deu para aqueles que, no passado, negaram a ele a chance de ter um talk show na emissora carioca", analisa o especialista.
Transação milionária
Em 1987, a transação milionária da TV Globo para o SBT fez com que Jô se tornasse o artista mais bem pago da televisão brasileira à época. De acordo com a revista "Veja", naquele ano Jô receberia cerca de 2 milhões de cruzados - o triplo do que recebia na Globo.
Mas os motivos para Jô aceitar a mudança não eram financeiros. De acordo com o que se noticiou à época, o apresentador trocou o canal líder de audiência pelo SBT para realizar o sonho antigo de apresentar um talk show noturno ao estilo norte-americano.
Sua chegada ao SBT foi anunciada com ares de grande evento. Os boatos da troca do apresentador começaram no início de outubro daquele ano, com pessoas ligadas à imprensa do SBT dando a ida como certa. A Globo chegou a negar a informação, que no entanto era correta.
Reviravolta na televisão
No dia 26 de outubro de 1987, Silvio Santos fazia história ao interromper o telejornal "Noticentro" para confirmar a negociação. "Quero anunciar uma reviravolta na televisão brasileira", declarou o homem do baú antes de anunciar a chegada de Jô ao canal. Além do "Jô Onze e Meia", ele estreou também no canal o humorístico "Veja o Gordo".
Ao longo desta década que passou no SBT, Jô apresentou 2.309 edições do programa e realizou 6.927 entrevistas. Ayrton Senna, Cazuza, Raul Seixas, Roberto Carlos, Pelé e Hebe Camargo foram alguns dos nomes que passaram pelo sofá do "Jô Soares Onze e Meia".
Nas redes sociais, diversas postagens recordam a entrevista em que Jô caiu na gargalhada com Hebe Camargo, Nair Bello e Lolita Rodrigues: "Eu já perdi as contas de quantas vezes vi", comentou um usuário do Twitter. Na conversa, os quatro brincam e não fogem de assuntos como sexo, envelhecimento e suas trajetórias profissionais.
Homenagem à amiga
A entrevista aconteceu em abril de 2000, na primeira semana do retorno de Jô Soares à Rede Globo. Em 2012, quando Hebe morreu, Jô exibiu novamente a conversa - foi a primeira reprise da história do programa. "É a melhor homenagem que eu podia prestar a esse grande símbolo da televisão brasileira", disse Jô sobre a amiga. "Espero que vocês se divirtam tanto quanto a gente se divertiu naquela época", acrescentou.
Mesmo voltando para a Globo no início dos anos 2000, Jô Soares sempre demonstrou ter muito carinho e gratidão pelos tempos que passou no SBT. Em 2017, o apresentador esteve presente no Troféu Imprensa e recebeu cinco prêmios, se emocionando assim que subiu ao palco e agradeceu a Silvio Santos.
"Estou emocionado e lembro quando assinei o contrato. Disse que ia fazer um programa semanal, mas você disse que tinha que ser diário, senão não colava. Você é responsável por grande parte da minha vida profissional. Você tem uma grande intuição de fera. Além disso, é um grande amigo real. Às vezes, o tempo afasta as pessoas, mas não afasta os amigos reais", declarou Jô.
Seduzir o mundo
O comunicado emitido pela Rede Globo destaca que Jô era vaidoso e chegou a dizer que já nasceu querendo seduzir o mundo. "E assim o fez, em mais de 60 anos de carreira, com momentos históricos na TV brasileira, mais de 200 personagens e 14 mil entrevistas", diz o texto.
A estreia na TV Globo aconteceu em 1970 com "Faça humor, não faça guerra", após 11 anos na antiga RecorTV, onde estreou na frente das câmeras, em 1956. Três anos depois, atuou como ator e redator ao lado de Max Nunes e Haroldo Barbosa em o "Planeta dos homens". Ganhou destaque com "Viva o Gordo" (1981), época em que criou o bordão "um beijo do Gordo!". O título veio da peça "Viva o gordo e abaixo o regime!", sucesso do teatro no qual o humorista fazia críticas veladas à ditadura.
Entre os tipos marcantes que viveu nesta época estão o Reizinho, personagem sempre às voltas com os problemas do reino, uma sátira à situação política do país; o Capitão Gay, super-herói homossexual que usava um uniforme cor-de-rosa e andava sempre acompanhado de seu ajudante Carlos Sueli (Eliezer Motta); e o Zé da Galera, que ligava para o técnico da Seleção Brasileira de futebol e pedia "Bota ponta, Telê!".
Escrita afiada
Como jornalista, escreveu para as revistas "Manchete" e "Veja" e para os jornais "O Globo" e "Folha de S.Paulo". Em 1983, lançou seu primeiro livro, "O astronauta sem regime". Com o romance "O Xangô de Baker Street" (1995), entrou para a lista dos mais vendidos. O livro, que virou filme em 2001, dirigido por Miguel Faria Jr., já foi traduzido para uma dezena de línguas.
Também é autor de "O homem que matou Getúlio Vargas" (1998), "Assassinatos na Academia de Letras" (2005) e "As esganadas" (2011). Em 2016, foi eleito para a Academia Paulista de Letras. Seu último lançamento foi "O livro de Jô - Uma autobiografia desautorizada", que veio à luz em dois volumes, o primeiro em 2017 e o segundo em 2018.
Jô por ele mesmo
Com verve afiada, Jô compartilha sua trajetória de astro midiático num livro escrito para fazer rir, chorar e, sobretudo, não esquecer, conforme a obra foi anunciada à época de seu lançamento. O primeiro volume resgata fatos, lugares e pessoas marcantes da juventude de Jô e reconstitui seus primeiros passos no mundo dos espetáculos, nas décadas de 1950 e 1960.
Entre a infância dourada no Copacabana Palace e a dura conquista do estrelato, o leitor acompanha o autor do nascimento até os 30 anos. Os antecedentes familiares, a meninice privilegiada nos palácios da elite carioca, a mudança para um internato na Suíça, os marcos da formação cultural do futuro showman na adolescência. A obra foca, ainda, a paixão pelo jazz, a estreia modesta em pontas no cinema e na televisão, o primeiro casamento e, finalmente, a conquista do sucesso numa São Paulo fervilhante.