“O fenômeno mais marcante dos novos tempos é a interpretação de textos. (As pessoas) Não sabem interpretar o que leem. Todo mundo acaba vitimado”, afirma Djavan, ele próprio vítima do que chama de “anomalia”. Aos 73 anos, o cantor e compositor alagoano está lançando seu 25º álbum, “D”, a partir desta quinta (11/8), nas plataformas digitais.
E algumas das 12 canções são uma resposta ao ocorrido com ele. Recentemente, uma postagem voltou a circular nas redes sociais sugerindo que Djavan era apoiador do governo de Jair Bolsonaro (PL) e que reprovava a Lei Rouanet (mecanismo que nunca utilizou, mas cuja existência aprova).
A postagem, baseada em trechos de entrevistas concedidas pelo artista no fim de 2018, logo após a eleição do atual presidente, distorcia suas palavras. Na época, ele disse que tinha esperança de que o Brasil daria certo, “em algum momento”. O post incluiu “governo Bolsonaro” em uma das frases ditas por Djavan, que não citou o nome do mandatário em nenhum trecho.
“Ser acusado do que não se fez é, no mínimo, desconfortável”, diz hoje Djavan. A resposta para o ocorrido está na forma de canção. Os versos de “Cabeça vazia”, por exemplo, dizem: “Bem maior que um escândalo/Não tem pra tsunami/Não é coisa de vândalo/Ou juízo final/É cabeça vazia”.
Gravado por ele em 2014 e lançado na época por Alcione, o samba “Êh! Êh!”, composto por Djavan com Zeca Pagodinho, também cala fundo: “Assim está meu coração/Atolado em lodo e lama/Soterrado nesse drama/Mas respirando a esperança”.
"O futuro pode ser bom. O que eu quero é ver o Brasil nos trilhos de novo, evoluindo com educação, saúde, meio ambiente. Quero tudo isso funcionando em favor do povo. O Brasil tem vocação para ser uma nação grande, mas tudo tem que voltar ao normal"
Djavan, cantor e compositor
Lula
Hoje, reafirmando seu voto em Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na próxima eleição presidencial – “Vou votar no Lula, em quem sempre votei” –, Djavan se diz otimista. “O futuro pode ser bom. O que eu quero é ver o Brasil nos trilhos de novo, evoluindo com educação, saúde, meio ambiente. Quero tudo isso funcionando em favor do povo. O Brasil tem vocação para ser uma nação grande, mas tudo tem que voltar ao normal.”
E quer “seguir adiante”. “D” é, acima de tudo, um álbum colorido, diverso, que coloca o músico dialogando com o mundo de hoje. “Depois que você grava um disco, inconscientemente começa a receber material para o próximo em viagens, encontro com pessoas, coisas que vê e ouve. Então, na hora do disco, isso vem naturalmente associado com o fato do que está acontecendo”, diz.
“D”, disco que substitui “Vesúvio” (2018), começou a ser gestado em junho de 2021. Sozinho, Djavan passou a conceber as canções. “O começo do processo é sempre difícil. Eu só componho quando tenho necessidade, fico geralmente dois anos sem compor.” Necessidade, ele diz, física. “É orgânico, biológico, uma coisa incrível. Mas realmente não posso ficar muito tempo sem compor, faz parte da minha subsistência como músico.”
Em outubro passado, em seu próprio estúdio, começou as gravações. “Desta vez foi diferente. Em geral, eu monto banda, vou para o estúdio, gravo e saio em turnê. Agora, resolvi convidar os músicos que gravaram comigo durante a vida inteira. Estão quase todos aí, reuni o quanto pude.”
Neste time estão o guitarrista Torcuato Mariano, o trompetista Jessé Sadoc, o tecladista Paulo Calasans, o baixista Marcelo Mariano, os bateristas Carlos Bala e Felipe Alves, o percussionista Marcos Suzano. Cada faixa traz uma composição diferente de instrumentistas.
Feliz em ter revisto muitos músicos com quem não tocava havia muito, Djavan diz que o que mais o influenciou na escolha foi “dar uma diversificada na sonoridade; então, chamei aqueles que considerava mais adequados para cada faixa”.
No palco, “D” será visto somente em 2023 – o primeiro show está marcado para 31 de março. Depois de ter encerrado a turnê de “Vesúvio”, interrompida em decorrência da pandemia, Djavan só fará mais dois shows neste ano, ambos em setembro: no Rock in Rio e no Coala Festival, em São Paulo.
Milton Nascimento
E uma delas é motivo de muita alegria. Amigos há muitos anos, Djavan e Milton Nascimento nunca haviam gravado nada juntos. A falta foi corrigida em “Beleza destruída”, já com clipe disponível (dirigido pelo designer Giovanni Bianco, também responsável pela capa do álbum). O tema da canção, de autoria de Djavan, é a crise ambiental, um assunto também caro ao cantor e compositor mineiro.
“Eu estava com a intenção de gravar com o Milton. A ideia inicial era fazermos uma música juntos, mas como não deu, fiz uma letra com um tema que nós dois sempre defendemos”, diz ele, comentando da alegria que foi receber Milton em seu estúdio para a gravação. “Foi emocionante, inclusive porque fazia muitos anos que a gente não se via. Foram uma tarde e uma noite que passamos bem felizes.”
Outra canção com convidados é a última do álbum, “Iluminado”, de acento pop e com letra que permanece na cabeça. Foi ainda a última a ser composta e a ser gravada. Pela primeira vez, Djavan reuniu a prole para uma gravação conjunta. Além dos filhos músicos, que já gravaram em outras ocasiões com o pai (o guitarrista Max Viana, o baterista João Viana, aqui no violão e na percussão, respectivamente) e da cantora Flávia Virgínia, a canção dá voz aos caçulas, Sofia e Inácio, e aos netos, Thomas Boljover e Lui Viana.
“De vez em quando, a gente canta em casa e no sítio, mas nunca havíamos feito isso em disco. Achei que era adequado agora, pois a canção tem uma mensagem de otimismo com a família”, diz Djavan. Gravada com violão e percussão, a música começa desta maneira: “Fazer o bem/É sempre uma coisa dada/Sem esperar nada/Sem olhar a quem/Vamos sorrir/Pra não cair em cilada/Quem não ri de nada/Não sabe o que tem.” Aos “cabeças vazias”, essa é a melhor resposta que Djavan poderia dar.
“D”
.Djavan
.Luanda Records/Sony Music (12 faixas)
.Lançamento nesta quinta (11/8), nas plataformas digitais
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