Jornal Estado de Minas

MÚSICA

José Miguel Wisnik encara o Brasil a partir do 'Vão'


Um artista/criador sempre conversa com o seu próprio tempo. Com lançamento nesta sexta-feira (12/8), “Vão”, novo álbum de José Miguel Wisnik, não existiria como tal, não fossem a pandemia e o turbulento momento pelo qual o país passa.





“Grande parte das músicas vem de antes, mas, quando veio a pandemia e a situação do Brasil foi agravada por este estado de desgoverno, eu quis que o trabalho tivesse esta marca do tempo”, comenta o músico, compositor e ensaísta de 73 anos.

Segunda das 11 canções do álbum, que além das plataformas digitais também será vendido em CD e LP, “Chorou e riu” foi a última faixa a entrar no repertório. No samba em que divide os vocais com Mônica Salmaso, Wisnik traz como ponto de partida “Meditação”, de Tom Jobim e Newton Mendonça. 

“’Chorou e riu’ fala justamente sobre o impacto de você ver o inacreditável e inominável instalados no país. Quem acreditou no amor, no sorriso e na flor, como em ‘Meditação’, viu o encanto se quebrar e desbancar no vão do horror. A canção é sobre este sentimento mas, ao mesmo tempo, ela não se deixa abalar ou vencer, é afirmativa”, comenta ele.




Outra faixa que reflete sobre o presente é “Estranha religião”. Composta em parceria com o filho, Guilherme Wisnik, trata da mercantilização do mundo. “Mas ela não podia ser para baixo.” Já que estava falando da religião como mercadoria, Wisnik acreditou que ela só poderia ser “rebatida com uma reza forte”, fazendo uma referência à canção do grupo BaianaSystem.

Para a gravação, foram convidados três integrantes do sexteto baiano, Japa System, Seko Bass e Junix. Ao final da canção, a atriz e cantora indígena Zahy Guajajara faz um improviso em sua própria língua, como uma forma de rebater o “mundo em que estamos mergulhados”, aponta Wisnik.

Parcerias com Arnaldo Antunes e Carlos Rennó

Uma das filhas do músico, Marina Wisnik interpretou “Roma” e “Avesso vão”, canções em que divide a autoria com o pai. Parceiros habituais estão presentes no álbum, como Arnaldo Antunes, coautor de “Sereia”. Composta antes da crise sanitária, fala sobre a experiência de sobreviver a uma doença mortal. “É um tema pouco comum na música popular que, com a pandemia, ganhou outro sentido, pois fala de uma experiência que todo  mundo viveu.”





Ná Ozzetti divide com Wisnik a bela canção de abertura, “O jequitibá”. Com letra de Carlos Rennó, a música, com tom nostálgico, remete à árvore centenária que habita o Parque Trianon, em São Paulo, que vem de uma época em que “não havia Masp nem seu vão”. A letra, que cita outros lugares e eventos da metrópole, como a Avenida Paulista, as manifestações, a corrida de São Silvestre, acabou norteando o projeto gráfico do álbum.

O fotógrafo Bob Wolfenson registrou alguns desses lugares de São Paulo, que estão no encarte do disco, com projeto gráfico de Elaine Ramos. O clipe de “O jequitibá”, que será lançado em 19 deste mês no YouTube, reúne 700 fotos de Wolfenson desta região de São Paulo – a direção do vídeo é do coletivo Bijari.

Remetendo a um de seus discos mais conhecidos, “Pérolas aos poucos” (2003), Wisnik comenta que a gestação de “Vão” foi feita sem pressa. O álbum foi gravado ao longo de um ano. Finalizado em julho passado, traz em sua forma de produção também um diálogo com o tempo presente.





“O Alê Siqueira, que foi o produtor e parceiro de muitos trabalhos, inclusive das trilhas que fiz para o Corpo (“Parabelo” e “Onqotô”), atualmente mora em Portugal. E ele produziu o disco todo, mesmo estando lá. Hoje, por causa das novas tecnologias, é possível que ele esteja presente como se estivesse no estúdio com a gente.”

"Terra estrangeira": filme e canção

Falando em Portugal, “Vão” é encerrado com uma canção antiga, aqui em nova gravação. “Terra estrangeira” foi lançada em 1995, como música-tema do filme homônimo de Walter Salles e Daniela Thomas. A regravação foi feita com Wisnik ao piano, Celso Sim nos vocais e João Camarero nos violões.

“Em 2020, o filme fez 25 anos e ganhou uma cópia remasterizada. Houve uma sessão em São Paulo e foi uma das primeiras vezes que saí para ir ao cinema (em meio à pandemia). O filme se mostrou muito forte, resistiu muito bem ao tempo e ganhou uma atualidade mais profunda. Aí tive a vontade de gravar de novo, falando do agora, da busca de um lugar que a gente não sabe o que é, mas que é nosso.” O arranjo de Camarero cita a introdução das “Bachianas brasileiras no. 5”, de Villa-Lobos, remete, na opinião de Wisnik, “aos sonhos de um Brasil que continua por se fazer”.

(foto: Reprodução)

“VÃO”

• Álbum de José Miguel Wisnik
• Circus (11 faixas)
• Lançamento nesta sexta (12/8) nas plataformas digitais