Um tesouro documental perdido na década de 1980 e resgatado na terça-feira (9/8) revela que, além da textura e do cheiro de papel antigo das páginas de cor sépia, há uma necessidade de preservar a memória musical de Minas Gerais. Um professor da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) conseguiu evitar que grande parte da história da Banda Euterpe Cachoeirense ficasse no esquecimento.
Foram reintegrados ao acervo da banda, com sede no distrito de Cachoeira do Campo, em Ouro Preto, três pastas contendo arquivos com fotos, partituras, relatos de festividades, livros de contabilidade das últimas duas décadas do século 19 e até a primeira versão de seu estatuto, datada de 1890.
Em uma leitura rápida da documentação, o professor de história e vice-presidente da Banda Euterpe, José Augusto Conceição, conta que descobriu que os músicos do século 19 recebiam um tipo de ‘cachê’ por meio de apresentações em Congonhas e Ouro Branco.
A banda se apresentava em eventos que iam do carnaval até em velórios e foi em um documento de 1883 que o professor viu que, com o dinheiro do ‘cachê’, a banda comprou um lampião, posteriormente usado para iluminar a sala de aula de música dada aos moradores do distrito.
“Ficamos surpresos e felizes, sabíamos da existência dos documentos mas não sabíamos onde estavam porque o antigo presidente da banda emprestou esta parte do nosso acervo e logo em seguida começou a sofrer lapsos de memória e não soube mais informar onde estava.”
O professor da Ufop José Benedito Donadon Leal, responsável pela entrega, acredita que o possível itinerário dos documentos restituídos à banda iniciou na década de 1980, quando uma pesquisadora chamada Mônica Vitorino solicitou a documentação ao antigo presidente para escrever um livro sobre a história da banda, publicado pela Ufop. Em 2005, os documentos foram entregues ao Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS) para que servissem como fonte de pesquisa.
“Em 2008, saí do ICHS e um professor do Departamento de História da Arte estava incumbido de trabalhar com a documentação, mas, antes, ele deveria concluir o trabalho de acervo das 15 bandas musicais de Mariana. Durante esse tempo, o historiador José Arnaldo faleceu e, quando retornei ao ICHS, solicitei a guarda da documentação, que agora está sendo reintegrada ao acervo”, conta Leal.
Guarda do Patrimônio
José Augusto relata que a banda foi fundada em 1856 e que ainda faltam ser encontradas três outras peças do acervo. Duas delas fazem parte dos anos iniciais de fundação segunda banda de música mais antiga em funcionamento ininterrupto no Brasil.
“Estamos à procura do diário do músico chamado Chiquinho Murta, das atas que não estavam presentes nessa atual arremessa e um dossiê que conta a história da construção, em 1922, do coreto da banda”, explica.
Ele acredita que esse fato revela a vulnerabilidade na conservação da memória musical de Ouro Preto e que há urgente necessidade de um trabalho técnico de museologia, restauração e conservação do acervo da Banda Euterpe Cachoeirense.
Ao todo, são 800 peças sacras e cerca e 15 instrumentos musicais do século 19, como oficleide e serpentão, e uma árvore de campainhas - que só têm duas no Brasil.
Documentos terão de ser restaurados
Em relação à documentação resgatada, o vice-presidente afirma que boa parte dela está em estado de conservação bem ruins e que, assim como os instrumentos musicais, a documentação também precisará passar por processo de restauração.
“Ainda não sabemos o que vamos fazer com eles, já que fomos pegos de surpresa, mas o nosso acervo também precisa ser digitalizado. A intenção é entrar em contato com algum especialista ou instituições em Ouro Preto que queiram fazer a restauração.”
Outra importante demanda apontada pelo vice-presidente é que a Banda Euterpe Cachoeirense entre em processo de tombamento material e imaterial e encontre um imóvel adequado para alocar o acervo histórico onde as pessoas interessadas possam pesquisar sobre a história da música.
“A gente pensa na criação do espaço junto com a prefeitura, existe um casarão aqui em Cachoeira do Campo que está sendo restaurado, queremos que uma de suas salas abrigue o nosso museu.”