Em tempos difíceis, a música e a poesia devem aliviar o sofrimento e suprimir as agruras da vida. Essa é a percepção do sambista Martinho da Vila. Aos 84 anos, o artista garante que está em plena forma – tendo, inclusive, lançado neste ano o álbum “Mistura hegemônica”, contrariando a promessa que havia feito de não gravar mais discos. Neste fim de semana, ele desembarca em Belo Horizonte para se apresentar hoje (13/8) no Festival Novos Encontros, no Parque Municipal Américo Renné Giannetti, no Centro da cidade.
A proposta de Martinho é fazer com que o show seja um momento de catarse coletiva para o público, principalmente porque o festival marca o retorno dos eventos no Parque Municipal. Além dele, se apresentarão Mariana Aydar, Mestrinho, DJ Aída Lage, Babadan Banda de Rua, DJ Black Josie, Orquesta Atípica de Lhamas e os grupos infantis Palavra Cantada, Coração Palpita e Grupo Maria Cutia.
Atração principal do evento, Martinho da Vila sobe ao palco às 21h. No repertório, além de sucessos, estarão presentes canções que fortalecem a cultura negra e que fazem alusão a Minas Gerais.
“Uma das músicas que selecionei foi ‘Quando eu vim de Minas’, do Xangô da Mangueira, mas que fez sucesso na voz de Clara Nunes. Quero que, na hora em que terminar o show, as pessoas saiam felizes. Mais alegres do que chegaram”, antecipa o sambista.
“Uma das músicas que selecionei foi ‘Quando eu vim de Minas’, do Xangô da Mangueira, mas que fez sucesso na voz de Clara Nunes. Quero que, na hora em que terminar o show, as pessoas saiam felizes. Mais alegres do que chegaram”, antecipa o sambista.
Inevitavelmente, reconhece, vai ter quem reclame por ele não ter cantado algum hit específico de sua carreira. “Isso sempre acontece. Eu, graças a Deus, tenho muitos sucessos. E, infelizmente, não dá para colocar tudo no repertório. Então, depois de todo show que faço, sempre aparece alguém reclamando que eu não cantei determinada música que ele gostaria de ouvir”, conta, entre gargalhadas.
''O Djonga é um cara muito inteligente e talentoso. Então, tratei de convidá-lo para gravar comigo e dei total liberdade para ele fazer o que quisesse''
Martinho da Vila, cantor e compositor
'Era de Aquarius": samba e rap de Djonga
Além de “Quando eu vim de Minas”, Martinho diz que vai cantar “Era de Aquarius”, parceria dele com Djonga, lançada em “Mistura homogênea”. Ele ainda acrescenta que o rapper mineiro vai subir ao palco para dividir os vocais na interpretação da canção.
A parceria entre os dois começou no ano passado. Martinho havia composto “Era de Aquarius” e, na hora de gravar, recebeu como sugestão de seu produtor a inserção de um rap na música. “Meu produtor me deu alguns nomes, mas foi meu neto quem me apresentou o Djonga", revela.
O sambista não conhecia o trabalho do mineiro e conta que, quando ouviu algumas de suas obras, ficou maravilhado. “Vi ali que o Djonga é um cara muito inteligente e talentoso. Então, tratei de convidá-lo para gravar comigo e dei total liberdade para ele fazer o que quisesse”, conta.
Quando recebeu de volta o material com as sugestões de Djonga, Martinho não precisou mexer em nada, achou excepcional a intervenção do rapper.
A canção dos dois reflete o sentimento de esperança em meio ao caos em que os brasileiros têm vivido nos últimos anos, com crises política e econômica que tornaram árdua a vida das pessoas. “O futuro do país está bem próximo/Conservadores serão liberais/Os raivosos vão ficar dóceis/E as doces mais adocicadas/Quando a era de Aquarius chegar”, canta a dupla.
“Desde que me entendo por gente, ouço falar nesse negócio de ‘Era de Aquário’. Diziam que seria o início de um novo ciclo no qual avanços sociais ocorreriam. Resolvi, então, aproveitar isso para trazer uma mensagem positiva às pessoas nestes tempos difíceis que estamos vivendo”, diz Martinho.
Política, show e protesto
A mensagem positiva proposta por ele, no entanto, acabou fazendo coro a um fato marcante e relevante dos últimos dias: enquanto Martinho concedia entrevista ao Estado de Minas, estava sendo lida a “Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado democrático de direito!”, documento elaborado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) que faz menção ao manifesto de 1977 contra a ditadura militar, em diversas cidades do Brasil. Em Belo Horizonte, a leitura do texto foi feita na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Martinho da Vila, no entanto, não acredita que a gênese da criação musical deve ser pautada pela manifestação política. Para ele, a associação das músicas com movimentos sociais – e eventualmente às mudanças decorrentes desses movimentos – deve ocorrer de maneira orgânica e natural.
“O artista tem que pensar em arte, e não em engajamento. Se ele deixa de se preocupar com a estética, com o belo para focar no viés político, ele vai fazer um material panfletário, e não arte propriamente dita”, afirma.
Esse debate sobre manifestações políticas em obras e performances artísticas ganhou força desde que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) classificou como propaganda eleitoral as manifestações políticas feitas por Pabllo Vittar e Marina em suas apresentações no Lollapalooza, em março deste ano. Na ocasião, o ministro Raul Araújo proibiu que artistas se manifestassem “a favor ou contra qualquer candidato” no evento e determinou que a organização do festival pagasse multa no valor de R$ 50 mil.
Palavra Cantada convoca a criançada para cantar
Ainda neste sábado (13/8), haverá a apresentação da dupla Palavra Cantada na programação do Festival Novos Encontros. O duo, que completa 28 anos neste mês, composto por Sandra Peres e Paulo Tatit, traz para BH o show “Vem cantar com a gente” para a criançada.
“Fazer um show gratuito é o melhor dos mundos”, afirma Sandra. “Nossa ideia é justamente fazer o público cantar com a gente, proporcionando às pessoas um momento de comunhão e, sobretudo, gratidão à vida.”
A apresentação será o retorno do Palavra Cantada aos palcos, desde que tiveram que suspender as atividades presenciais devido à pandemia da COVID-19. Até então, todos os shows da dupla eram realizados em formato de lives.
"Não reclamo desse formato on-line, mas ele tem certa limitação na troca de experiência e de energia entre o artista e o público. Essa nossa apresentação em Belo Horizonte, portanto, vai ser muito importante para nós, porque vai nos possibilitar ter com o público essa troca humana", destaca a cantora.
No setlist, adianta Sandra, não vão faltar sucessos do Palavra Cantada, como “Sopa” e “Criança não trabalha”.
FESTIVAL NOVOS ENCONTROS 2022
Neste sábado (13/8) e domingo (14/8). Parque Municipal, Av. Afonso Pena, 1.377, Centro. Ingressos à venda por R$ 40, em www.novosencontros.com.br. Para a programação diurna, a partir das 10h, a entrada é franca. Programação noturna a partir das 18h. Informações: @novos.encontros, no Instagram