Uma trajetória de 50 anos ainda comporta estreias: um dos mais celebrados fotógrafos do país, o paulistano Bob Wolfenson expõe seu trabalho pela primeira vez em Belo Horizonte, na Galeria de Arte do Centro Cultural Unimed-BH Minas, a partir desta quarta-feira (17/8). Intitulada “Desnorte”, a mostra reúne cerca de 120 imagens produzidas por ele, divididas em retratos, fotos de moda, polaroides, registros de viagens turísticas e de viagens em busca de locações, anotações fotográficas e álbum de família.
A exposição, batizada com o mesmo nome do livro que celebra as cinco décadas de carreira de Wolfenson, lançado no ano passado, tem como principal característica a desordem temática. Segundo o fotógrafo, isso é o que o define: um misto de todos os estilos. “Eu tento oferecer uma viagem pelos caminhos que percorri, mostrando por onde andei e as pessoas que conheci”, diz.
Ele observa que o livro do qual a mostra deriva também foi concebido de forma a não se prender a nenhuma temática, ou seja, sem um norte, mas com o desejo de que pudesse lançar uma panorâmica sobre toda a sua trajetória. Wolfenson diz que, ao longo desses 50 anos, passeou por muitas vertentes e muitas disciplinas da fotografia.
“Nesse sentido, penso que, se há alguma originalidade no meu trabalho, ela reside justamente nessa possibilidade de eu estar para lá e para cá, um tanto desnorteado. Alguém que perceba o conjunto da minha obra vai ver que eu sou vários”, diz. Ele ressalva, contudo, que tanto o livro quanto a exposição não se constituem apenas de imagens jogadas ao léu.
Seleção com nexo
“A seleção que fiz é subjetiva, mas não é uma caçada aleatória; há conexões formais, de conteúdo, de movimento, de assunto. Existe nexo”, aponta, destacando o trabalho de coedição do livro – que traz 128 imagens – feito pelo designer Eduardo Hirama, também responsável pelo projeto gráfico.
O fotógrafo diz que nem tudo o que está no livro está na exposição e vice-versa. “Algumas coisas saíram, outras entraram. O ponto de partida foi o livro, mas ele se modificou nas paredes. Tem fotografias que funcionam mais na impressão em papel, outras que ficam melhor expostas, e por aí fomos trabalhando”, aponta. Ele diz que, na mostra, o espaço para os retratos é ampliado, já que essa é a modalidade pela qual sua persona pública é mais reconhecida.
Do alto de seus 68 anos, Wolfenson pontua que a fotografia, presente em sua vida desde os 16, tornou-se mais do que um trabalho; passou a ser vocação e mesmo sua forma de ver o mundo. “No começo, foi o meu ofício, e ao longo dos anos foi entrando na minha vida de uma certa forma que eu passei a não conceber a minha existência sem fotografar, sem olhar para as coisas do ponto de vista de um fotógrafo”, comenta.
Abrangência da mostra
Ele diz que, sem pretender dar conta desses 50 anos de carreira, a exposição, que ocupa a galeria de arte do Centro Cultural Unimed-BH Minas, é uma “leitura desse tempo”. A imagem mais antiga, conforme aponta, data de meados dos anos 1970, e a mais recente de 10 dias atrás. “Fiz uma foto em Belo Horizonte, inclusive, para integrar a exposição à cidade e vice-versa”, destaca.
Não há prevalência de fotografias produzidas num determinado período, segundo Wolfenson, mas ele aponta a predominância, sim, dos retratos. Em uma mesa central, usada como vitrine, estão dispostos 82 deles.
“Os retratos são a coisa mais permanente na minha trajetória. Passei por fotos de moda, nus, fotos de família, e o que sempre esteve presente, como minha atividade principal, é o ofício de fotografar gente. Sou fotógrafo profissional, então, mesmo focando em outros projetos que não tinham a ver com retratos, sempre tinha alguém a ser retratado”, salienta.
Ele aponta que, curiosamente, sua predileção recai sobre os trabalhos que surgem de forma mais espontânea, orbitando as demandas prioritárias. São séries que o fotógrafo inventou, conforme diz, a partir de observações cotidianas ou que derivaram de projetos que não tinham propriamente o tema explorado como foco.
Entre essas séries, Wolfenson destaca a de apreensões policiais – fruto de seus encontros com o número quase infinito de notícias do tipo mostradas diariamente na imprensa; a que registra a cidade de Cubatão – espécie de insubordinação paisagística, como destaca em seu site; e o trabalho que fez sobre a inundação de seu estúdio.
“São trabalhos que vêm meio que do nada e vão se engendrando, crescendo e se tornando fisicamente pertinentes. O retrato é algo previsível, que, claro, depende de um monte de fatores para que se realize bem, mas esses outros trabalhos despertam mais meu interesse pela forma como se materializam, então tenho uma conexão muito forte com eles”, afirma, acrescentando que esses trabalhos estão contemplados de forma generosa na exposição.
Ranking autoral
Instado a pensar um ranking de suas fotos autorais preferidas, ele opta por apontar aquelas que, por uma razão ou por outra, se tornaram mais célebres. “Posso falar daquelas que se firmaram como as mais icônicas, não necessariamente as que mais gosto. A foto do Caetano com uma das sobrancelhas mais elevada talvez seja minha fotografia mais conhecida”, diz.
O ranking reserva lugares, ainda, segundo o fotógrafo, para a imagem de Rita Lee segurando uma jaguatirica; os costados do edifício Copan, em São Paulo; Nina Simone sendo beijada nas bochechas por dois músicos amigos dela; Luiz Melodia improvisando uma coreografia própria; uma montagem que fez com os Titãs; e um grupo de pessoas atravessando uma rua no Harlem, em Nova York, durante a primavera.
Também entram neste rol o carrinho de supermercado cheio de armas da série “Apreensões”; a imagem de sua mulher vista pelo vidro do carro em um dia chuvoso; e Gisele Bündchen sentada em uma cama de madeira, em Paraty, com as pernas abertas. “Essas fotos são uma constante, permanecem em todas as retrospectivas que faço, embora eu já esteja um pouco intoxicado delas”, diz Wolfenson.
Referências e predileções
No que tange à produção alheia, ele não hesita em falar de suas predileções e suas referências. “Como sou esses vários fotógrafos, que transitam por linguagens e temáticas distintas, posso dizer que muitas imagens e muitos fotógrafos, de diferentes matizes, me influenciaram”, ressalta.
“A foto que Richard Avedon fez de Marilyn Monroe é uma imagem que não sai da minha cabeça”, aponta. Entre os colegas de profissão, no Brasil e no mundo, que, conforme diz, habitam seu repertório, estão Helmut Newton, Annie Leibovitz, Cartier-Bresson, Miguel Rio Branco, Claudia Andujar e Sebastião Salgado.
Wolfenson considera que, ao longo de 50 anos de ofício, muita coisa mudou no universo da fotografia. Ele diz que a virada mais radical e definitiva foi a do analógico para o digital. “Isso foi uma revolução sem precedentes, que eu acho que só encontra paralelo na própria invenção da fotografia. No caso, podemos dizer que foi uma reinvenção. Entendo o digital como um facilitador, porque as coisas ficaram mais baratas, você vê mais o que está fazendo, é mais fácil expor. Talvez não fosse viável fazer ‘Desnorte’ pelo processo analógico”, avalia.
Consideradas as mudanças, o que permanece, no entanto, é o olhar que está por detrás da câmera. Para Wolfenson, o que vai distinguir o profissional do amador é a capacidade de comunicar. “É necessário que o fotógrafo tenha ideias, tenha repertório e tenha técnica”, destaca.
“Fui a uma formatura um tempo atrás e o paraninfo perguntou quem ali falava inglês; todo mundo levantou a mão. Perguntou, depois, quem ali escrevia em inglês; todo mundo levantou a mão. Perguntou, por fim, quem ali era escritor, e ninguém se manifestou. Todo mundo fotografa, mas nem todo mundo é fotógrafo”, compara.
Sobre o que o motiva a seguir fotografando, o que estimula seu olhar, ele diz que, na verdade, não busca nada, apenas se permite seguir o fluxo da observação cotidiana. Os próprios acontecimentos do entorno é que lhe dão ideias para desenvolver projetos.
Possibilidade de ideias
“Eu não busco temas; eu espero que o tema venha a mim de alguma forma, no meu movimento, nas minhas andanças. Se você está cada dia em um lugar, com uma pessoa diferente, com um grupo, vivenciando uma situação, isso tudo amplia muito a sua possibilidade de ter ideias, então posso dizer que o que me move é estar vivo e estar ativo”, aponta.
No momento em que concedeu esta entrevista, Wolfenson conferia os últimos detalhes da mostra que abre amanhã e se pôs a refletir sobre o que estava diante de seus olhos: “Estou aqui, no ambiente da exposição, e me deparo com uma infinidade de temas, de lugares, de possibilidades, de olhares. Fico pensando se eu sou mesmo isso tudo, não num sentido cabotino, mas no que diz respeito a essa multiplicação de um ser”.
“DESNORTE”
Exposição fotográfica de Bob Wolfenson, a partir desta quarta-feira (17/8) até 23 de outubro, na galeria de arte do Centro Cultural Unimed-BH Minas (Rua da Bahia, 2.244, Lourdes, 31. 3516-1360). Entrada franca