Os bastidores da cobertura da pandemia da COVID-19 pela imprensa brasileira é tema do livro “Nós também estivemos na linha de frente”, do jornalista Marcelo Freitas, que será lançado nesta quarta-feira (17/8), no Sindicato dos Jornalistas, em Belo Horizonte. Na obra, é apresentada não somente a mudança na rotina de trabalho, com o home office, mas também o medo e a insegurança dos profissionais de comunicação durante o período.
Com vários relatos de jornalistas de Minas Gerais e de outros estados que fizeram parte da linha de frente, o autor, que também está na diretoria do sindicato, aborda os desafios de tratar sobre a doença que trouxe sequelas, por causa das mortes e efeitos colaterais dos infectados, e evidenciou problemas sociais, políticos, sanitários e econômicos no Brasil. Para isso, é apresentado a reorganização imediata das redações e a rotina de jornalistas que foram para coletivas ou hospitais.
Além disso, é contado a história de profissionais que, nas ruas, enquanto trabalhavam, foram agredidos por defender o isolamento. Segundo Freitas, o objetivo do livro é servir como um registro histórico de um momento tão importante da humanidade e da cobertura jornalística, que foi extenuante e cumpriu o papel de informar.
“Na diretoria do sindicato, recebíamos as informações sobre como estava o trabalho nas redações. Então, sabíamos que o ritmo estava muito pesado e cansativo. O teletrabalho e a produção de matérias só sobre a pandemia gerou desgaste emocional. Ao mesmo tempo, apesar do jornalista falar sobre todas as categorias, pessoas e o mundo em geral, normalmente, não é dito sobre a realidade dele”, afirmou o escritor.
Sem deixar a peteca cair
Assim como enfermeiros, médicos e demais profissionais da saúde, jornalistas e redações do Brasil inteiro tiveram que se adaptar a nova realidade. Além da implementação do home office, alguns profissionais, mesmo com o risco de se contaminar, em um momento sem perspectiva da vacina, tiveram que ir em entrevistas coletivas e hospitais para cumprir a função do trabalho.
“Nem um site saiu do ar para poder ser feito a migração do presencial para o online. Nenhuma televisão deixou de noticiar a pandemia todos os dias. O teletrabalho foi implementado, podemos dizer, com o carro andando, foi algo da noite para o dia, a partir da terceira semana de março de 2020. A disposição dos editores em montar uma logística sem que a produção de conteúdo fosse interrompida é um dos fatores que chama atenção”, disse Freitas.
Para ele, repórteres exerceram realmente a missão do jornalismo de informar. “Não deixaram a peteca cair. Falei com vários jornalistas durante a pandemia e, ainda que tivessem dificuldades, prevaleceu a ideia de que eles estavam num momento muito importante da história e do jornalismo. Por isso, estavam prestando um serviço de utilidade pública e que não podia ser abandonado”, completou.
Ao contrário do que muitas pessoas acreditam, o escritor explica que todos que tiveram na linha de frente do novo coronavírus não foram heróis, mas sim profissionais honrados. “Médicos, enfermeiros, cientistas e jornalistas cumpriram o juramento que fizeram durante a graduação. Na pandemia, eles cumpriram com honradez a função dada nesta história trágica”, destacou.
Ressignificação do exercício jornalístico
Ao todo, na obra, foram entrevistadas mais de 60 profissionais, incluindo repórteres, fotógrafos, editores, cientistas e assessores de comunicação de instituições de saúde e ciência, como o Instituto Butantan, UFMG e, até mesmo, o Ministério da Saúde. Além disso, o ex-ministro da saúde Nelson Teich prestou depoimento para falar sobre a relação com jornalistas na pandemia do novo coronavírus.
“Foi uma parceria estratégica e muito bem-sucedida entre comunicadores e cientistas. Enquanto havia discursos negacionistas contra o isolamento, as vacinas e o uso de máscara, veículos de comunicação cooperaram com as informações sanitárias divulgadas pela ciência, divulgaram os cuidados e a importância da vacinação. Penso que, se não fosse o jornalismo, o número de mortes teria sido maior, pois ele cumpriu a função que deveria ser do governo”, disse o jornalista.
Mesmo sendo uma profissão importante para a manutenção da democracia, o jornalismo, ao longo dos últimos anos, se tornou desacreditado e desvalorizado por variados setores sociais. Freitas afirma que a pandemia amenizou o quadro, diferente de outros períodos no Brasil, como a Ditadura Militar e a cobertura da Operação Lava-Jato.
“No primeiro caso, a imprensa ajudou na deposição de João Goulart. Em 1968, com as torturas e instauração da censura nas redações, houve uma mea-culpa e a mídia passou a defender a volta da democracia. Já na Lava-Jato, em 2015 e 2016, o jornalismo defendeu os métodos utilizados pela operação, que mais tarde o STF considerou imparcial e não condizente com as boas normas do direito. Nesses dois momentos, a profissão se aliou ao lado errado”, explicou.
Além disso, surgiram, rotineiramente, outros desafios que tornou a atividade jornalística desafiante, como o pânico instaurado, a disseminação de Fake News e adaptação de novas tecnologias. “Era de opinião geral que as atividades jornalísticas precisariam ser feitas na redação, pois é onde colegas de trabalho se comunicam e, claro, surgem pautas. Embora pessoalmente acredite que o ideal é o presencial, no momento de emergência, foi uma prática que funcionou e deu certo”, contou.
A maior cobertura da história da imprensa brasileira
Com diversas formas de transmitir a notícia, seja pela televisão, rádio, site, impresso ou redes sociais, a internet permitiu que a informação de variados veículos de mídia fosse passada em tempo real ao público. Todos esses dispositivos, segundo Freitas, tornou a pandemia a maior operação da imprensa brasileira durante toda a sua história.
Ainda que tenham momentos importantes, como a II Guerra Mundial e a Gripe Espanhola, eles tiveram algumas características diferentes da cobertura da COVID-19. “Por exemplo, a II Guerra estava acontecendo na Europa e, por isso, brasileiros não viam pessoas próximas morrerem por causa do conflito e não tinha cidades do país sendo bombardeadas. No caso da gripe espanhola, no início do século XX, a produção de conteúdo era muito inferior, só havia o jornal impresso”, contou o jornalista.
Outro impacto, conforme a obra, foi a mudança na produção da notícia. Se antes, na televisão, era necessário imagens de alta definição e o entrevistado estar ambientado no cenário, com a pandemia, esses requisitos se tornaram menos criteriosos. “Era possível ver entrevistas feitas por meio de celulares e computadores, com imagens borradas. Apesar da baixa qualidade, muitas vezes, o que o convidado tinha para informar não poderia deixar de ser passada. Caiu a ideia de que sem imagem boa não tem reportagem de TV”, disse.
Serviço
Livro "Nós também estivemos na linha de frente", Editora Comunicação de Fato
Lançamento: 17 de agosto, quarta-feira, às 19h
Local: Sindicato dos Jornalistas - Avenida Álvares Cabral, 400, Centro
Além do lançamento, interessados poderão comprar o livro no site da editora responsável pela publicação.