Entre 1985 e 1986, Marisa Orth estava ensaiando um monólogo escrito pelo alemão Franz Xaver Kroetz e traduzido especialmente para ela por um colega, quando deixou a montagem de lado para integrar o grupo musical Luni. De lá pra cá, a atriz cantou, atuou em filmes, novelas, sitcoms e inúmeras peças de teatro, mas nunca retomou a ideia de montar um solo.
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Com enorme repercussão na época do lançamento, em 2018, o livro fez com que a jornalista e colunista da Folha de S.Paulo se tornasse uma espécie de porta-voz dos movimentos de reabilitação e saísse Brasil afora realizando palestras sobre o tema.
O espetáculo estrelado por Marisa, por sua vez, embora concebido a partir da obra autobiográfica, não se limita a transpor para o palco o livro da jornalista. Ele parte da dependência do álcool para falar dos vícios em geral.
“A peça é construída de pedaços do livro mais a ficcionalização da Michelle e algumas histórias pessoais minhas que foram roteirizadas. Ali é abordada a dependência. Desde a dependência do álcool, do cigarro, de um relacionamento tóxico, até mesmo de um brigadeiro que a pessoa não consegue deixar de comer”, comenta a atriz.
Das histórias pessoais ao stand up
Para alcançar esse objetivo, a estratégia adotada por Bruno Guido foi fazer com que o espetáculo se valesse de diferentes elementos cênicos, como quando intercala as histórias pessoais de Marisa com as que Barbara narrou no livro; ou quando, no centro do palco e com as luzes acesas, a atriz interage com a plateia, lançando mão de comentários cômicos, em formato muito semelhante ao do stand up comedy.
“Eu estava muito resistente em montar esse espetáculo, porque eu já conhecia a Barbara e acompanho o trabalho dela. Vejo que ela sempre está dando palestras sobre reabilitação. Então achei que montar uma peça justamente com o material que ela já leva ao público não seria algo muito legal. Só mudei de ideia quando o Bruno me fez entender que o solo seria concebido a partir do livro e com todos esses recursos cênicos, de modo que não seria uma adaptação propriamente dita do livro”, afirma.
A temática séria do enredo, contudo, não fez com que o resultado final fosse um drama sombrio e melancólico. “A Barbara acompanhou os ensaios e sempre dizia que era preciso ter alegria; afinal, o álcool, na grande maioria das vezes, está associado à alegria. O cuidado que tivemos foi o de mostrar que o perigo vem justamente do consumo desenfreado e em mostrar que existe a possibilidade de reabilitação”, aponta.
Desse modo, explica a atriz, a peça se fia no segundo passo dos 12 para a reabilitação, que é justamente a esperança. Não seria spoiler, portanto, afirmar que, mesmo flertando com o drama, “Bárbara” traz um alento ao espectador e conta com a redenção da personagem no final.
Pandemia e alcoolismo
Formada em psicologia, embora nunca tenha atuado na área, Marisa tem uma sensibilidade maior ao lidar com a temática da peça. “Pouco se fala sobre isso, mas, nos hospitais psiquiátricos públicos, o alcoolismo é a causa de cerca de 70% das internações”, afirma.
Ela ainda reforça o que muitos institutos e centros de pesquisa já alertavam no início da pandemia: esse período registrou um aumento de consumo de álcool por parte dos brasileiros.
Ela ainda reforça o que muitos institutos e centros de pesquisa já alertavam no início da pandemia: esse período registrou um aumento de consumo de álcool por parte dos brasileiros.
Em um cenário no qual músicas do mainstreaming exaltam o consumo excessivo, sobretudo de bebidas alcoólicas, “Bárbara” segue na contramão ao apostar em uma mensagem de reabilitação.
“É um tema extremamente relevante e que deve ser discutido, principalmente nos dias de hoje, porque as pessoas ainda não sabem lidar com a dependência. Quem, em sã consciência, vai comprar um produto como o cigarro, por exemplo, que já alerta que é nocivo e ainda traz fotos das doenças causadas por ele?”, questiona a atriz. “As pessoas compram e consomem justamente por causa da dependência. Não é uma escolha”, complementa.
“É um tema extremamente relevante e que deve ser discutido, principalmente nos dias de hoje, porque as pessoas ainda não sabem lidar com a dependência. Quem, em sã consciência, vai comprar um produto como o cigarro, por exemplo, que já alerta que é nocivo e ainda traz fotos das doenças causadas por ele?”, questiona a atriz. “As pessoas compram e consomem justamente por causa da dependência. Não é uma escolha”, complementa.
Timidez convexa
Conhecida por personagens cômicas – e, em alguns casos, extravagantes –, Marisa se diz tímida. “Posso dizer que tenho uma timidez convexa, que me faz ter a necessidade de ocupar um espaço no palco e aí, sim, saber como lidar com isso”, afirma.
No palco, de acordo com a atriz, tudo é combinado e as coisas ocorrem de maneira natural. “Se você abrir uma porta, já tem ali outra pessoa para entrar, que está com o figurino certinho e com as falas ensaiadas. A vida, não. Tem imprevistos que a gente não consegue controlar. A vida é uma esculhambação”, comenta.
Marisa, no entanto, soube lidar bem com essa esculhambação chamada vida. Neste ano, além de realizar a turnê de “Bárbara”, ela está no elenco de “Além da ilusão”, novela das 6 da TV Globo, e em cartaz em São Paulo com o musical “A família Addams”.
Na última terça-feira (16/8), a atriz recebeu duas indicações para o Prêmio Bibi Ferreira. Ela concorre na categoria de melhor atriz em peça de teatro, por “Bárbara”; e na de melhor atriz em musicais pela Mortícia em “A família Addams”. Bruno Guido também foi indicado como melhor diretor. Os vencedores serão anunciados em 21 de setembro.
“BÁRBARA”
Direção: Bruno Guido. Texto: Michelle Ferreira. Com Marisa Orth. No Teatro Sesiminas. Rua Padre Marinho, 60, Santa Efigênia, (31) 3241-7181. Nesta sexta (19/8), às 21h; sábado (20/8), às 20h; e domingo (21/8), às 19h. Ingressos a R$ 100 (plateia 1/inteira) e R$ 50 (plateia 2/inteira). Meia-entrada na forma da lei.