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Estado de Minas CINEMA

Filme 'Marte Um' defende o sonho de família preta da periferia de BH

Longa dirigido por Gabriel Martins, da produtora Filmes de Plástico, de Contagem, chega às salas esta semana e briga pela chance de disputar o Oscar


22/08/2022 04:00 - atualizado 22/08/2022 08:35

Pai, mãe e dois filhos de família negra olham para o céu, diante de um telescópio, em cena do filme Marte Um
De sua casa humilde em Contagem, a família Martins se encanta com o universo e com o planeta Marte que se tornou a obsessão do garoto Deivinho (foto: Embaúba/divulgação)


Deivinho quer ser astrofísico, mas seu pai, o porteiro Wellington, ambiciona ver o garoto, craque de um time de várzea juvenil, vestindo a camisa celeste do Cruzeiro. Com lançamento nesta quinta-feira (25/8) nos cinemas, “Marte Um”, longa-metragem mineiro de Gabriel Martins, celebra o sonho e a esperança.

Celebração esta de uma família preta, pobre, periférica, que vive seus dias como tantas outras no Brasil – a chegada de Jair Bolsonaro à Presidência, pano de fundo da narrativa, acontece ao mesmo tempo em que uma série de problemas atinge os Martins pai, mãe, filha e filho.

Rodado entre Belo Horizonte e Contagem, com muitas cores locais para quem vive na Grande BH, “Marte Um” não por isso deixa de ser universal. A recepção que recebeu no Festival de Gramado, por público e crítica, na última semana, é sinal do que poderá vir.

De óculos, o jovem ator negro Cícero Lucas, sentado em cadeira de praia, olha intrigado para o céu, em cena do filme Marte Um
Deivinho (Cícero Lucas) sonha se mudar para Marte, mas não revela o segredo para ninguém (foto: Embaúba/divulgação)


Mesmo não levando os Kikitos principais – o grande vencedor da 50ª edição do tradicional festival gaúcho, encerrado no sábado (20/8),  foi o longa acriano “Noites alienígenas”, de Sérgio de Carvalho –, “Marte Um” saiu com quatro troféus: prêmio especial do júri, melhor roteiro (também escrito por Gabriel Martins), trilha (para Daniel Simitan) e filme pelo júri popular. É justamente este último prêmio que o realizador considera o mais especial.


“É a confirmação de que as pessoas estão vivendo o filme, se interessando pelo que a gente tem a dizer. Deu a sensação boa de que o nosso projeto tem tudo para dar certo e de que teremos um caminho bonito”, disse Martins ao Estado de Minas.

 
 
Ao subir ao palco do Palácio dos Festivais para receber seu Kikito de melhor roteirista, ele falou aos colegas realizadores na plateia: “Minorias que não foram ouvidas historicamente, a voz de vocês é importante. E nada que este governo vacilão fez vai tirar a nossa importância e (possibilitar) que a gente conte as nossas histórias, consiga superar e viver dias melhores.”

É sobre dias melhores, e o que podemos fazer para alcançá-los, que “Marte Um” trata, de forma simples (apenas aparentemente) e direta. O filme terá duas pré-estreias com a presença do diretor e do elenco: nesta quarta-feira (24/8), no Cine Contagem, cidade onde a produtora Filmes de Plástico nasceu, e na quinta (25/8), no UNA Cine Belas Artes.
 
Atriz Camilla Damião, sentada em cadeira de praia, olha para o lado em tem o braço atrás da cabeça, em cena do filme Marte Um
Eunice (Camilla Damião) planeja sair de casa para morar com a namorada, mas não tem coragem de contar aos pais (foto: Embaúba/divulgação)
 
Os Martins são Wellington (Carlos Francisco, ator de “Bacurau” e “Rua Guaicurus”, este em cartaz em BH), porteiro de  edifício de luxo na Zona Sul de BH, fanático pelo Cruzeiro e que carrega, com orgulho, a moeda recebida nos Alcoólicos Anônimos por quatro anos sobriedade; Tércia (Rejane Faria, do grupo teatro Quatroloscinco), diarista e mãezona de Eunice (Camilla Damião), estudante de direito; e Deivinho (Cícero Lucas), pré-adolescente que sonha, sozinho no quarto, embarcar na missão Marte Um, que planeja povoar o planeta vermelho.
Ator Carlos Francisco olha para a câmera, sentado em cadeira de praia e com o braço atrás da cabeça, em cena do filme Marte Um
Wellington (Carlos Francisco) quer ver o Cruzeiro campeão e se orgulha de carregar a moeda de aprovação do Alcoólicos Anônimos (foto: Embaúba/divulgação)


Eleição de 2018

A narrativa começa no dia da eleição presencial de 2018. A partir deste momento, problemas se abaterão sobre os Martins, a tal ponto que Tércia começa a acreditar que sofreu alguma maldição. Isso teria ocorrido após ela ser vítima da pegadinha de um programa de TV.

 Wellington tem sua posição questionada no emprego; Eunice, dificuldade em comunicar aos pais que pretende sair de casa para morar com a namorada; Deivinho esconde a vocação para olhar para outros mundos que não a Terra.

“Marte Um” é o primeiro longa em que Martins assina sozinho a direção. Um dos quatro fundadores da produtora Filmes de Plástico, desde 2009 a empresa traça seu caminho na cinematografia contemporânea brasileira com curtas e longas sobre histórias e personagens da periferia, pouco vistos no cinema. As produções, de maneira geral, são rodadas em Contagem, onde três dos sócios – Gabriel Martins, Maurílio Martins e André Novais Oliveira – nasceram.

Outra marca da produtora, que hoje tem sede no bairro Cruzeiro, em BH, é o reconhecimento em festivais, tanto aqui quanto de fora.

A trajetória de “Marte Um” começou em janeiro, no prestigioso Sundance, nos EUA. Até chegar a Gramado e ao lançamento comercial  (a distribuição é da Embaúba Filmes, empresa de cinema autoral de Minas Gerais), foram cerca de três dúzias de eventos internacionais.
 
O filme, como realização, é muito seguro, tanto na condução da narrativa quanto na direção de atores. Carlos Francisco e Rejane Faria são intérpretes experientes, ainda que pouco conhecidos do grande público. Camilla e Cícero estrearam no cinema junto com “Marte Um”.

 “Comecei a escrever o filme por volta de 2014. Então, foi muito tempo trabalhando o roteiro e testando o que desejava para o filme. Parte da segurança com as decisões que tomei veio do amadurecimento que o tempo traz. Mesmo sendo o primeiro solo, já filmei muita coisa e errei muito”, diz Martins, de 34 anos, que começou a estudar na Escola Livre de Cinema e depois se graduou no curso de cinema e audiovisual da UNA.

Colocar a chegada de um governo de direita no poder como pano de fundo do drama foi quase circunstancial, ele explica. “Desde o início, o projeto era de que ‘Marte Um’ seria contextualizado na época em que fosse filmado, no mesmo tempo histórico dos personagens. Que fossem campanha, eleições, ou evento esportivo de grande porte, eu adaptaria (o roteiro) para o momento”, continua Martins.

O longa foi rodado em 2018, então Martins resolveu iniciar a narrativa no dia das eleições. “(Naquele momento) Eu não esperava que (o governo) seria uma coisa tão difícil. Mas acabou que o roteiro ganhou mais potência. E seu lançamento em 2022 ganha uma importância forte, mas nada disso foi planejado. Quando começamos, não sabíamos que haveria pandemia, por exemplo”, comenta o cineasta.

O título foi tirado do programa Mars One, criado há uma década pela empresa holandesa que selecionaria pessoas que viajariam para povoar Marte a partir de 2030. A “passagem” seria só de ida. Em 2019, o projeto decretou falência.

Usando brinco de argola com contas coloridas, atriz Rejane Faria dorme, com os braços atrás da cabeça, em cadeira de praia, no filme Marte Um
Tércia (Rejane Faria) acha que é vítima de maldição depois de cair em pegadinha de programa de TV (foto: Embaúba/divulgação)

Locações, pesadelo de quem decide filmar em BH

É um filme exclusivamente de locações – e muitas, tanto em BH quanto em Contagem. “Foi um pesadelo achar as locações. Conseguir aprovação para filmar é a parte mais desgastante”, revela Martins.

A vida da família é ambientada no bairro Milanez, em Contagem, onde Gabriel nasceu e cresceu. BH pode ser vista na rodoviária, no Parque Ecológico da Pampulha e na boate Gis, no Barro Preto.

O prédio onde Wellington trabalha fica na região de Nova Lima. Ali, ele encontra o personagem real que vai ser a ponte para seus sonhos de ver Deivinho craque de futebol. O ex-jogador Juan Pablo Sorín, ídolo da torcida cruzeirense (e do próprio Gabriel Martins, cruzeirense fanático), aparece como ele próprio, novo morador do condomínio de luxo onde o pai de família é porteiro.
Outro personagem real é o humorista Tokinho, muito popular no Tik Tok, em cujo apartamento Tércia é diarista.

De olho no Oscar

Assim como a família Martins, que vai realizando sonhos, na medida do possível, “Marte Um”, depois da trajetória em festivais, dá novo passo, nesta semana. A chegada ao circuito comercial ocorre quase simultaneamente à inscrição para tentar a vaga brasileira ao Oscar de 2023.

A produção entrou na disputa para tentar representar o Brasil na categoria melhor filme internacional. O prazo para inscrições terminou ontem e a previsão é de que o escolhido seja anunciado em 9 de setembro.

“Se ganharmos, seremos candidatos a candidatos ao Oscar. Agora não estou pensando tão na frente, mas vivendo um dia de cada vez”, garante Martins. Mas como Deivinho, Wellington, Tércia e Eunice, é um direito de todos olhar para cima e sonhar grande.

"MARTE UM"

• (Brasil, 2022, 114min., de Gabriel Martins, com Rejane Faria, Carlos Francisco, Camilla Damião, Cícero Lucas) – O filme estreia nesta quinta-feira (25/8) nos cinemas. Haverá duas sessões com presença do diretor e do elenco. Quarta (24/6), às 20h50, no Cine Contagem; e quinta (25/8), às 20h, no UNA Cine Belas Artes, em BH.


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