O longa-metragem “O debate”, que chega nesta quinta-feira (25/8) às salas de exibição, é caso raro, praticamente único, na cinematografia brasileira contemporânea. Foi rodado entre junho e julho para ser lançado em agosto sobre um evento em outubro. A estreia de Caio Blat, de 42 anos, na direção não poderia ser diferente.
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Recém-separados depois de 17 anos de casamento, os dois, em meio à transmissão, passam a limpo a relação no fumódromo da emissora. Amor e política, dois temas universais, vêm à tona na longa conversa do ex-casal no tempo presente e também no passado, por meio de flashbacks que acompanham a relação nos últimos dois anos e meio, desde o início da pandemia.
As opiniões divergem o tempo todo – não só sobre o casamento, mas também sobre ética profissional e ideologia. A despeito das diferenças e da dor da separação, conseguem manter o diálogo. Que é, no fundo, o que Blat deseja.
“Se o filme tiver o poder de mudar a cabeça de alguém, vai ser mágico. Mas a proposta é mesmo de que as pessoas retomem o diálogo afetuoso, respeitoso e baseado na verdade. É uma utopia no Brasil. A gente tem que discordar de quem ama sem romper ou agredir ninguém. Isso porque vamos continuar sendo vizinhos dos nossos vizinhos, parentes dos nossos familiares (após as eleições)”, afirma Blat.
Sem Lula e Bolsonaro
Em nenhum momento o filme cita Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), os dois principais adversários nas eleições deste ano. Mas não precisa. No embate na tela, o atual presidente, de direita, está quase empatado com seu oponente, de esquerda. Com grande número de eleitores indecisos às vésperas do segundo turno, o encontro dos adversários pode definir os rumos do pleito.
Todos os temas do país discutidos por Paula e Marcos fizeram parte da vida recente dos brasileiros, com ênfase para a pandemia. Lockdown, tratamento precoce, abertura das atividades econômicas, os dois divergem em muitas questões.
Marcos tende a ser mais pragmático, enquanto Paula é mais inflamada. Além da crise sanitária, os dois conversam sobre fatos de cunho social, como porte de armas e direito ao aborto. O recente caso da juíza que proibiu a menina estuprada de abortar é citado na história.
Em dado momento, mesmo que o viés da ficção seja mantido, “O debate” leva o espectador a uma espécie de espelho de tudo o que vivemos (ou assistimos) nos últimos tempos. “Há vários anos, estou tentando dirigir e, neste filme, política e amor estão completamente amarrados. A separação do casal reflete a separação do país”, continua Blat.
Leitura dramática em BH
“O debate” nasceu como texto para teatro. Amigos e parceiros há décadas, Jorge Furtado e Guel Arraes sempre criaram roteiros conjuntos a distância – “A comédia da vida privada”, “Caramuru – A invenção do Brasil”, “Lisbela e o prisioneiro”, entre outros. O gaúcho Furtado vive em Porto Alegre; o pernambucano Guel mora no Rio de Janeiro.
Dos encontros virtuais diários nasceu o texto, publicado há um ano em livro da editora Cobogó. Em fevereiro, “O debate” ganhou sua primeira montagem, com leitura dramática dirigida por Adyr Assumpção, no Galpão Cine Horto, em BH. Eduardo Moreira e Ângela Mourão interpretaram Marcos e Paula.
Caio Blat, na época, já estava envolvido com a adaptação cinematográfica. Logo no início do projeto ficou acertado que o filme estrearia em 25 de agosto. “O objetivo do Guel e do Jorge sempre foi exibir o filme durante a campanha. Houve até uma proposta de orçamento maior para o projeto, mas para lançá-lo depois das eleições. Eles recusaram”, conta o diretor.
Para colocar o filme nas salas de cinema em tempo recorde, houve esforço coletivo de todos os envolvidos para que o projeto fosse viável – eram pouco tempo e dinheiro. “O debate” tem apenas três locações: a emissora onde os personagens trabalham, o apartamento em que vivem e o fumódromo da redação.
VEJA trailer de "O debate":
As filmagens foram divididas entre o Rio de Janeiro e Juiz de Fora, onde fica a TV Diversa, emissora educativa onde estão os estúdios e a redação retratados no longa. “Filmamos em uma redação funcionando, transmitindo o jornal local. Dessa maneira, é um filme totalmente jornalístico, ‘raspando’ na realidade, tentando interferir nos fatos”, diz Blat.
O apartamento de Marcos e Paula é o próprio apartamento em que Blat vive com a mulher, a atriz Luisa Arraes, filha de Guel e Virginia Cavendish. Já o fumódromo é o terraço de um prédio no Centro do Rio, com vista para a Praia de Botafogo e o Aeroporto Santos Dumont.
Todo o processo de realização do longa teve grande senso de urgência. “Desde o momento em que recebi o convite para dirigir, fiquei alucinado, comecei a estudar e infernizar o Guel e o Jorge. Houve uma pesquisa grande, pois não se podia errar. Todos os monitores da TV que exibem notícias de outros canais e países foram matérias (fictícias) que tive de produzir antes de filmar. As vinhetas do jornal também foram criadas antes. Normalmente, a gente filmaria em cima da tela verde e depois incluiria as matérias. Não tinha como. O filme foi um exercício de coordenação de departamentos para que tudo ficasse pronto em 60 dias”, acrescenta Blat.
Debora Bloch e Paulo Betti: guerreiros
Obviamente, houve percalços no período. A começar pelos protagonistas. Paulo Betti e Debora Bloch não foram as primeiras opções. A uma semana do início das filmagens, os atores que fariam os dois jornalistas foram diagnosticados com COVID-19.
“E eles estavam com a agenda presa com outros trabalhos. Não dava para esperar que melhorassem”, conta Blat. Dessa maneira, Debora e Betti entraram para o filme, que é baseado, quase exclusivamente, nos diálogos, a poucos dias do início das filmagens.
“Eles foram extremamente guerreiros, confiaram em mim e fizeram um trabalho de superação. O Paulo estava fazendo novela ao mesmo tempo e teve COVID no meio das filmagens. Ou seja, estava refletindo a realidade o tempo todo. Apesar do susto, a presença dos dois acabou sendo um grande acerto”, conta Blat.
Ainda que “O debate” seja um filme que reflita sobre o presente,o diretor acredita que a conversa que a história propõe pode ir além do pleito.
“Mesmo depois das eleições, os assuntos vão permanecer no país. O movimento de extrema-direita acontece no mundo inteiro, reflete o que já aconteceu nos Estados Unidos, na Rússia. O filme tem potencial para promover novos encontros e diálogos”, finaliza Caio Blat.
"O DEBATE"
(Brasil, 2022, 80min., de Caio Blat, com Paulo Betti e Debora Bloch) – Estreia nesta quinta-feira (25/8), no BH 9, às 19h15 e 21h40; Cidade 7, às 13h50 (somente dom) e 14h50 (exceto dom); Cidade 8, às 19h55 (somente dom) e 20h45 (exceto dom); Del Rey 1, às 13h50; Del Rey 6, às 21h; Pátio 2, às 13h (sab), 15h15 (quin, seg e qua); Pátio 3, às 15h15 (sex e ter); Pátio 7, às 13h20 (dom) e 18h15.