Jornal Estado de Minas

MÚSICA

Emicida: sucesso do músico negro é fruto 'do esforço de muitas gerações'


Tudo corria bem na edição do Palco Hip-Hop de 2012, realizado no Barreiro, até Emicida terminar sua apresentação. “Dedo na ferida”, cantada pelo rapper, não agradou aos policiais militares ali presentes. Resultado: o artista foi preso por desacato.





Corta para 2022. Um dos maiores nomes do rap e da música brasileira, Emicida acumula prêmios e elogios da crítica. Ao lado de Racionais MCs, Sabotage, Thaíde, MV Bill e Djonga, entre outros, ele redefiniu o lugar do negro na indústria cultural do país.

“É difícil esconder a participação dos negros nos festivais de hoje”, afirma o rapper, ao comentar a forte presença das estrelas da música negra em grandes palcos brasileiros.

Emicida deu entrevista ao "Estado de Minas" no intervalo do ensaio para o show que vai fazer no Festival Sarará, neste sábado (27/8). Ele é uma das principais atrações do evento, que também conta com Pabllo Vittar, Gloria Groove, Zeca Pagodinho, Margareth Menezes, Marina Sena e BaianaSystem.





Tributo a Elza Soares

Elza Soares, que morreu em janeiro, será a estrela do tributo que reunirá Tereza Cristina, Júlia Tizumba, Luedji Luna, Nath Rodrigues e Paula Lima.

Depois de suspender a turnê do disco “AmarElo” por causa da pandemia de COVID-19, Emicida adianta que o retorno aos palcos terá novidades.

“Vai ser algo diferente. Nós brincamos com os arranjos, fizemos mudanças numas músicas e ainda preparamos algumas surpresas para o pessoal. Sem contar que vamos ter as participações especiais do BK, Cynthia Luz e Orochi”, afirma.

Lançado em 2019 e destaque do show de hoje, “AmarElo” é um álbum necessário aos dias atuais. Além das letras incisivas e críticas, como é do feitio do rapper, o repertório traz inspiradas conexões entre passado e presente.





“Ismália”, poema do mineiro Alphonsus de Guimaraens (1870-1921), cuja protagonista é tida como louca por não conseguir fazer uma escolha entre seus desejos contraditórios, foi inspiração para a música que denuncia a conjuntura política e social do Brasil, em que machismo e racismo caminham juntos.

“O menino levou 111/ Quem disparou usava farda (Ismália)/ Quem te acusou nem lá num tava (Ismália)/ É a desunião dos preto junto à visão sagaz (Ismália)”, canta Emicida, fazendo referência aos 111 tiros disparados pela Polícia Militar que mataram cinco jovens negros em Costa Barros, no Rio de Janeiro.
 
VEJA clipe de 'Ismália', com Emicida e Fernanda Montenegro:

 

Escravos de Diamantina

Outras faixas denunciam o preconceito latente e a desigualdade social, como “A ordem natural das coisas” e “Eminência parda” – essa última traz o lamento de escravos na região de Diamantina diante do menino negro que escapa da fazenda, um dos cânticos recolhidos pelo intelectual mineiro Aires da Matta Machado Filho (1909-1985) em seu elogiado estudo.





Emicida, no entanto, não se furta de falar de amor e levar mensagem de esperança para o público. No palco, certamente, momentos de alento surgirão com versos como “Então eu vou bater de frente com tudo por ela/ Topar qualquer luta/ Pelas pequenas alegrias da vida adulta”.
 
VEJA 'É tudo pra ontem', clipe de Emicida com Gilberto Gil:


Neste ano, o Festival Sarará traz artistas negros, mulheres e LGBTQIA+, sobretudo ligados ao hip-hop. “É um movimento natural, que mostra o resultado do esforço de muitas gerações. Contudo, o que eu sempre digo é para os manos ficarem atentos à manutenção do gênero. É isso que faz a gente permanecer vivo, mesmo à margem do mainstream há mais de quarenta anos”, destaca Emicida.

Gloria Groove: pegada no rap

Se os artistas seguem o conselho do veterano, não se sabe. Mas fato é que há mudanças significativas no hip-hop. O grande número de rappers mulheres desta edição do Sarará é exemplo disso. Haverá shows de Paige, Iza Sabino, Karol Conká e Quebrada Queer, além de Cynthia Luz e Gloria Groove. “Ainda que tenha uma pegada pop, ela tem pé no rap”, diz Emicida, sobre Gloria.





O segundo plano a que as mulheres foram relegadas no hip-hop, durante muito tempo, não faz justiças a elas – artistas desvalorizadas pela indústria cultural.

“Sylvia Robinson foi a primeira mulher no hip-hop”, ressalta Emicida. “Ela é considerada a mãe do movimento”.

Ao lado de um pizzaiolo, um estudante e um aprendiz de barbeiro, Sylvia criou, no final da década de 1970, o The Sugarhill Gang, grupo americano que lançou “Rapper’s delight”, a primeira música do hip-hop a ingressar no mainstream.

“I said-a hip, hop, the hippie, the hippie/ To the hip hip hop-a you don't stop the rock”, cantava o Sugarhill, já sugerindo o nome que o movimento ganharia anos mais tarde. 

“É importante lembrar essas histórias”, afirma Emicida. “Além disso, é bom ver que a mentalidade está mudando. Tem muita mina com talento conquistando seu espaço e mostrando seu trabalho.”




Apoio a Lula

O cantor usou as redes sociais, na noite de quinta-feira (25/8), para manifestar seu posicionamento político.
Após a entrevista do candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Jornal Nacional, o rapper declarou seu voto no petista e afirmou que o ex-presidente é o "maior líder político da história do Brasil". 

FESTIVAL SARARÁ

Neste sábado (27/8), a partir das 13h. Mineirão, Avenida Antônio Abrahão Caram, 1.001, Pampulha. Shows de Emicida, Zeca Pagodinho, Marina Sena, Pabllo Vittar, Margareth Menezes, Karol Conká, Gloria Groove, BaianaSystem e Paige, entre outros. Ingressos: R$ 540 (open bar), R$ 500 (pista premium/inteira), R$ 300 (pista/inteira). À venda no site Sympla. Meia-entrada na forma da lei. Programação completa: festivalsarara.com.br.