"Agora, sim, o espetáculo está do jeito que eu queria"
Rodrigo Pederneiras, coreógrafo
Rodrigo Pederneiras é uma das poucas pessoas que podem afirmar categoricamente que dança conforme a música. Cofundador e coreógrafo do Grupo Corpo, ele só desenvolve cada trabalho depois da trilha sonora pronta.
Foi assim com Maria Maria, espetáculo de estreia com trilha de Milton Nascimento e Fernando Brant, Parabelo (com música de Tom Zé e José Miguel Wisnik), Triz (Lenine), Dança sinfônica (Marco Antônio Guimarães) e Onqotô (Caetano Veloso e José Miguel Wisnik), por exemplo.
Gil, o mais recente, é o único com trilha sonora composta para o Corpo pelo próprio homenageado, Gilberto Gil. Estreou em 2019, mas volta ao cartaz totalmente modificado a partir desta terça-feira (30/8), no Palácio das Artes.
Programa tem Gil e Caetano
Será a temporada dos baianos: o programa terá Onqotô. Trata-se de homenagem aos 80 anos de Gilberto Gil e Caetano Veloso, comemorados em 2022. Nesta terça-feira (30/8), o espetáculo tem entrada franca. Ingressos para as sessões de quarta a domingo (4/9) estão à venda.
“Na época da estreia (de Gil), tive uma interpretação muito equivocada da trilha sonora. Portanto, resolvi fazer um novo espetáculo. O Paulo preparou novo cenário e a Freusa desenvolveu outro figurino, completamente diferente. Agora, sim, o espetáculo está do jeito que eu queria”, diz o coreógrafo Rodrigo, referindo-se ao irmão, Paulo Pederneiras, diretor artístico do Corpo, e à arquiteta Freusa Zechmeister.
No lugar do amarelo chamativo e de figurinos coloridos, entraram cores em tons pastéis, além do vídeo que apresenta, de trás para a frente, o processo de florescimento de um girassol. Metáfora da reorganização do mundo depois de tanta destruição, explica Rodrigo Pederneiras.
Até o nome do espetáculo mudou. Agora se chama Gil refazendo, deixando em evidência a decisão de mudar.
“A única coisa que mantive da coreografia antiga foi o solo que a Mariana do Rosário faz ao som de Aquele abraço”, adianta Pederneiras, definindo o espetáculo como “um novo balé, completamente diferente, quase sem respiro”.
Gil refazendo se divide em quatro temáticas conectadas à trilha do baiano: choro instrumental, clássico (inspirado em Brahms e Eric Satie), liberdade improvisadora e construção abstrata, baseada em figuras geométricas. Nessa última, movimentos começam pelo círculo, seguem pelo triângulo, retângulo e pentágono, voltam ao círculo e terminam em linha reta.
Diferentemente de quando criou Onqotô, em 2005, Rodrigo não teve contato muito estreito com Gilberto Gil. “Devo ter me encontrado com o Gil duas vezes, talvez. E, mesmo assim, foram situações em que só jantei com ele e troquei algumas ideias sobre o espetáculo”, explica.
Relembre momentos de Onqotô:
Em 2005, os encontros de Rodrigo Pederneiras com Caetano Veloso e José Miguel Wisnik eram frequentes, o que permitiu ao coreógrafo acompanhar de perto a produção da trilha.
“O Zé já é um parceiro antigo. São dele as trilhas de Nazareth, Parabelo e Sem mim. Já o Caetano é grande amigo nosso. Os dois foram muito abertos às sugestões que eu fazia já pensando nos passos que seriam executados”, revela.
Rodrigo sugeriu mudanças de ritmo, alterações da ordem das músicas e até mesmo cortes de arranjos, que exigiriam preparo físico muito grande dos bailarinos e poderiam comprometer a qualidade do balé.
“Uma das coisas mais legais foi que eles fizeram uma dobradinha na hora de gravar. O Caetano cantou a música do Zé e vice-versa”, destaca o coreógrafo.
Mineirês, filosofia e Big-Bang
Onqotô partiu da brincadeira com as palavras – no “dialeto mineirês”, quer dizer onde que eu estou – para questionar onde cada um de nós e a própria humanidade estão. Tudo começou de uma bem-humorada discussão sobre a paternidade do universo. De um lado, a teoria do Big-Bang. De outro, a máxima futebolística de Nelson Rodrigues (1912-1980): “O Fla-Flu começou 40 minutos antes do nada”.
Nesse dilema filosófico-coreográfico-existencial, contrapõem-se movimentos ao mesmo tempo bruscos e suaves, horizontais e verticais.
A junção de Onqotô com Gil refazendo não estava nos planos do Corpo. O que inicialmente seria apenas uma reformulação se tornou dobradinha devido aos 80 anos de Gil e Caetano.
“Os dois, ao lado de outros nomes, como Milton Nascimento e Chico Buarque, só para citar alguns, são as principais alavancas da cultura brasileira, sobretudo na década de 1970. Assim, não poderia deixar de homenageá-los”, ressalta Rodrigo Pederneiras.
Antes da temporada mineira, o Grupo Corpo estreou a dobradinha na abertura da 19ª Temporada de Dança do Teatro Alfa, em São Paulo, com casa cheia todos os dias.
“As apresentações de dança no Brasil estavam fervendo antes da pandemia. Público muito interessado, companhias conseguindo esgotar os ingressos. Mas aí veio o coronavírus e atrapalhou tudo. Agora sinto que as coisas estão retomando e voltando a ficar fortes”, ressalta o coreógrafo do Gupo Corpo.
Filarmônica de Los Angeles: sonho possível
Em 47 anos de trajetória, a companhia mineira colecionou parceiros musicais de peso – Caetano, Gil, Lenine, João Bosco, Marco Antônio Guimarães, Uakti, Arnaldo Antunes e Philip Glass, entre muitos outros. Mas Rodrigo Pederneiras espera ainda concretizar um sonho: a apresentação do Corpo com a Orquestra Filarmônica de Los Angeles.
Antes da pandemia, o regente Gustavo Dudamel propôs à companhia dançar a trilha executada ao vivo pela orquestra americana.
“Chegou a pandemia e atrapalhou nossa comunicação. Aquilo que já estava um pouco encaminhado quase morreu. Ainda conversamos de vez em quando, mas não é do mesmo jeito de antes”, revela Rodrigo.
“GIL REFAZENDO E ONQOTÔ”
Com Grupo Corpo. Palácio das Artes, Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro. Terça-feira (30/8), às 20h, com entrada franca. De quarta-feira (31/8) a sábado (3/9), às 20h; domingo (4/7), às 18h. Inteira: R$ 200 (plateia 1 central), R$ 180 (plateia 2 central), R$ 150 (plateias 1 e 2 laterais), e R$ 50 (plateia superior). Meia-entrada na forma da lei. Ingressos à venda na bilheteria do teatro e no site Eventim. Informações: (31) 3236-7400.