Jornal Estado de Minas

MÚSICA

'Não tem muito mais o que pensar: é votar no Lula', diz Rodrigo Amarante



Rodrigo Amarante descobriu recentemente que são os Estados Unidos o país que mais ouve sua música. Também é mais ouvido na Cidade do México do que em São Paulo, e em Istambul mais do que no Rio de Janeiro. “Apesar de qualquer coisa, é no Brasil que me sinto mais compreendido. Não é só a questão da língua, mas da estética, dos temas. É o meu público. Poder tocar no meu país é fundamental para eu seguir adiante.”




 
Ele está fora há um terço de seus 46 anos, que serão completados em 6 de setembro. Desde 2007 vivendo nos EUA, acabou de trocar Los Angeles por Nova York. Em meio à mudança, passa o próximo mês no Brasil, onde lança seu segundo álbum solo, “Drama” (2021), em oito shows. Belo Horizonte assistirá ao segundo deles, em 10 de setembro, no Cine Theatro Brasil Vallourec.
 
No palco, Amarante estará acompanhado de alguns velhos companheiros, como o baterista Rodrigo Barba, com quem fundou o Los Hermanos, mais o guitarrista Pedro Sá, o baixista Alberto Continentino, o percussionista Daniel Castanheira e a violoncelista Nana Carneiro da Cunha, no show também comandando os teclados. A banda foi formada para a temporada brasileira. Que vem depois de ele ter lançado “Drama” nos EUA e na Europa. A intenção inicial era lançá-lo primeiramente no Brasil, mas a pandemia, como em tudo, mudou os planos. Inclusive do próprio álbum.
 
 
 
O disco, que reúne 11 faixas, começou a ser gravado no estúdio de Mário Caldato Jr., produtor brasileiro radicado há anos nos EUA. “Começamos gravando ao vivo, todo mundo se via na sala, sem nem olhar computador, como se fazia nos tempos áureos. E era como eu queria ter feito o disco inteiro.”




 
A crise sanitária interrompeu tudo, incluindo o modus operandi. “Acabei tendo que fazer várias músicas, inclusive gravando tudo sozinho no meu estúdio, em casa. Houve um lado interessante, pois (o processo) me forçou a perguntar por que eu queria fazer de determinada forma. Acabei me rebelando contra minhas próprias ideias”, diz Amarante.
 
A despeito do momento de isolamento em que parte do álbum foi concebida, “Drama” é menos melancólico do que “Cavalo” (2013), primeiro disco de Amarante fora do Los Hermanos e do Little Joy. “Mais barroco”, ele define.

REVELAÇÕES 

“No começo, eu queria fazer um disco menos elaborado harmonicamente, mais seco, percussivo e melódico. À medida que o tempo foi passando, me deu vontade de escrever coisas mais doces e de- licadas. No disco anterior, me senti forçado a definir uma voz. Com este, percebi que conclusões são coisas temporárias. A busca de uma voz genuína, de expressão pura, é uma coisa bastante risível e um pouco ridícula. Em vez de buscar uma voz, resolvi me fantasiar, colocar as máscaras que quis.”




 
Diante disso, chegou ao título do álbum. “Drama” é também o nome da primeira faixa, uma música curta que bem poderia ser a abertura de um musical antigo. “Drama não tem a ver só com a coisa do masculino, do menino que tem que virar homem e que, numa sociedade machocêntrica, tem que engolir o choro. Tem mais a ver com eu me montar, me travestir em personagens.”
 
Não é um disco fácil – como “Cavalo” tampouco o foi –, daqueles trabalhos que vão se revelando a cada audição. “Maré” é uma das canções mais acessíveis do álbum (e a mais próxima do Los Hermanos), com uma gostosa levada percussiva colorida por metais; “Tango” não tem nada a ver com o estilo musical argentino, uma canção etérea cantada em inglês, assim como “I can’t wait” e “Sky beneath”. Esta última, um dos grandes momentos do álbum, é iniciada por forte percussão e tem uma interpretação vocal mais grave.

SURPRESAS

Boa parte do disco estará no show, assim como canções de “Cavalo”. “Haverá algumas surpresas”, anuncia Amarante, que desde o início da pandemia só veio ao Brasil para visitar a família. Os últimos shows que ele fez no país foram em 2019, em uma turnê do Los Hermanos.
 
“A gente não tem plano fixo. Pode ser que (uma turnê com o quarteto) nunca mais aconteça, não tem compromisso. A gente se fala, cada um tem seu lance, está tudo certo fazer (show) de quando em quando. Eu, de coração, espero que a gente faça, pois é uma espécie de volta no tempo. A gente não quer reinventar a roda, botar convidado, é só cantar do jeito que era, o que acho um barato.”




Viver fora nunca foi planejado – aconteceu. “A experiência de ser estrangeiro é muito válida. Já tinha sentido isso no Brasil. Quando moleque, morei no Ceará, em São Paulo e no Rio. Com a mudança de sotaque, me sentia um estrangeiro”, conta ele, antes de acrescentar: “Não é só aprender outras línguas, francês, italiano, espanhol, inglês, mas também de achar semelhanças de espírito, ver que o brasileiro também está em outros lugares. O italiano do Sul é meio carioca, por exemplo. Ainda (vivendo fora) mudei a perspectiva, do papel do Brasil e da cultura brasileira.” 

RETORNO AO CAOS

Chegar a Nova York significa, para Amarante, um retorno ao caos. “Los Angeles não tem a cultura da calçada, você não encontra ninguém na rua. Nesse sentido, é uma enorme cidade pequena. Em Nova York, estou muito mais misturado. E não é só a coisa das raças e das culturas, mas você anda de transporte público, os músicos sabem o que cada um está fazendo. Está sendo uma troca bem interessante.”
 
A despeito da distância, a ligação com o Brasil não arrefece. “Claro, eu leio a imprensa brasileira e o que a imprensa internacional está falando sobre o Brasil. Estamos em um momento sem precedentes”, diz.
 
A turnê de “Drama” termina em 23 de setembro, em Fortaleza. Logo depois, Amarante estará de volta a Nova York. Mas vai votar lá. “Não tem condição de o Bolsonaro se reeleger. E também acho que não vai ter esse papo de rodar a baiana, imitar o Trump e tentar um golpe. Não vejo espaço para isso. Não tem muito mais o que pensar: é votar no Lula e tentar ver se o Brasil retoma um pouco o caminho de antes, diminuindo a distância entre o rico e o pobre. Não vejo a hora de o Bolsonaro não ser mais notícia”, finaliza Amarante.