Gravado em 2018, o álbum visual “Brota”, da cantora, compositora e percussionista Letícia Coelho está sendo lançado agora nas plataformas digitais. O disco traz 15 faixas autorais e é um mergulho da artista em mundos possíveis, em brechas que podem ser abertas, onde menos se espera. A obra inspirou um curta-metragem homônimo, que já está em exibição no canal de Letícia no YouTube.
A artista explica que esse trabalho é bem diferente do anterior, “No passo da rabeca”. “A gente circulou bastante com essas músicas, experimentou muitos arranjos e ele é muito mais experimental do que o outro. ‘Brota’ tem um som forte de guitarras, percussões e samples (sampler é um equipamento que consegue armazenar sons chamados de samples em diferentes formatos). É um disco que tem bastante conceito envolvido nele e essa coisa da minha pesquisa com as tradições populares, porém misturada com o universo do rock e do funk.”
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Letícia justifica: “É uma poesia que traz essa coisa da resistência, da ideia do brotar”. “De a gente brotar onde der, para brotar e permanecer nesse lugar, essa investida da existência, da vida, de a gente continuar vivo. O disco traz também a referência da sempre-viva, enquanto uma planta que está nos intempéries do mundo e continua no lugar. E, ao mesmo tempo, traz esse diálogo de uma poesia bem popular, mas com guitarra, samples e uma experimentação em algumas músicas.”
EXPERIMENTAÇÕES
A artista ressalta a canção “Lei de Murphy". “Nela, a música inteira está trazendo todas as situações que a gente vive, graças à lei de Murphy. Essa música é um carimbó que vira uma ciranda da Zona da Mata Norte. E, ao mesmo tempo, vai, no final, modulando os acordes e virando uma coisa muito louca e descontrolada que, na verdade, é a própria lei de Murphy."A cantora garante que “Brota” é um disco rico no sentido de tentar misturar esses mundos. “Tem outra canção que mistura o ska com o funk carioca. Daria até para fazer um disco de cada canção, de tão diferente que elas são.” No trabalho, Letícia ressalta que também foi autora, produtora, arranjadora e que tocou percussão em todas as músicas, além de fazer os samples. “São mais de 70 pessoas que participaram desse disco. Tem um grupo de maracatu, o Baque Mulher Floripa, formado por várias mulheres de Florianópolis. A última vinheta do disco foi feita com áudios de várias mulheres, amigas, da família e pessoas com quem trabalhei, que mandaram áudios, falando a poesia e a gente colocou na última faixa. São 40 mulheres ao todo.”
Ela lembra que vários músicos participaram da gravação do álbum. “Foi um processo de gravação bem colaborativo. Tem a participação da Marisol Moabá, que é uma cantora, compositora e multi-instrumentista, uma grande artista que fez arranjos de voz e cantou também no disco.” Letícia lembra que foi na faixa “Cais” que Marisol gravou e que foi composta quando estava na Amazônia. “Todas as músicas têm histórias por trás. Nessa há a presença da rabeca e sanfona, dois instrumentos da nossa tradição e universo medieval. A gente fez uma coisa meio modal. Aliás, esse disco tem muitas músicas modais e uma influência grande de Minas Gerais, afinal, morei aqui na minha infância e adolescência.”
FILME
Segundo Letícia, o disco tem também uma pegada cinematográfica. “Não foi à toa que a gente fez o filme, porque, realmente, as composições são ótimas trilhas. Então, fizemos um filme para o disco. Normalmente, a gente faz uma trilha para um filme. O filme conta outra história, diferente do disco, mas ao mesmo faz sentido dentro dele, porque traz essa coisa da sobrevivência, da relação da música rural, com a da cidade, do concreto, da guitarra.”Para Letícia, o filme “Brota” traz a narrativa de uma viajante, como se pousasse aqui neste mundo. “Ela não é desse planeta e, de repente, entra em contato com todas as incoerências do mundo. Da relação do ser humano com a natureza, da relação violenta com os povos tradicionais, com o conhecimento tradicional.” A artista ainda destaca uma cena: “Gravamos no espaço Luiz Estrela, no qual estou toda vestida de lama, dançando nesse local, que é um prédio abandonado pela prefeitura e ocupado por alguns coletivos de arte.”
OPRESSÃO
Letícia ressalta que ao dançar maracatu, congada e frevo vestida de lama faz uma referência aos crimes ambientais que aconteceram em Minas Gerais com a mineração. “É um filme que traz um questionamento também, não é só festa e experimentação, tem uma intenção política nas músicas também. Nele, a gente traz isso para as imagens. A gente gravou em Brumadinho, no espaço Luiz Estrela e no Centro de BH, perto da Praça da Estação. Há bastante referência à cidade que tem belo no nome, mas que também oprime as pessoas. O filme tem 13 minutos.”“BROTA”
De Letícia Coelho
15 faixas
Disponível nas plataformas digitais