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Estado de Minas Música

Letícia Coelho une resistência política e poesia em 'Brota'

Cantora, compositora e percussionista manda para plataformas digitais disco que mistura tradições populares ao universo rock e do funk


29/08/2022 04:00 - atualizado 29/08/2022 18:36

Letícia Coelho
Letícia Coelho assina as 15 faixas autorais de 'Brota', que é um mergulho da artista em mundos possíveis. Trabalho inspirou curta-metragem homônimo, que está dispoíÍvel no canal da cantora no YouTube (foto: Bruna Brunu/Divulgação)


Gravado em 2018, o álbum visual “Brota”, da cantora, compositora e percussionista Letícia Coelho está sendo lançado agora nas plataformas digitais. O disco traz 15 faixas autorais e é um mergulho da artista em mundos possíveis, em brechas que podem ser abertas, onde menos se espera. A obra inspirou um curta-metragem homônimo, que já está em exibição no canal de Letícia no YouTube.
A artista explica que esse trabalho é bem diferente do anterior, “No passo da rabeca”. “A gente circulou bastante com essas músicas, experimentou muitos arranjos e ele é muito mais experimental do que o outro. ‘Brota’ tem um som forte de guitarras, percussões e samples (sampler é um equipamento que consegue armazenar sons chamados de samples em diferentes formatos). É um disco que tem bastante conceito envolvido nele e essa coisa da minha pesquisa com as tradições populares, porém misturada com o universo do rock e do funk.”
 
Letícia ressalta que cada música é um mergulho diferente no universo. “Esse trabalho não é, necessariamente, linear. As minhas músicas têm alguma coisa do inesperado, nos arranjos. Às vezes, a gente mergulha em uma música e está em um cortejo de maracatu rural. De repente, vira uma música brega, depois volta ao maracatu rural de novo e depois vira uma balada romântica. ‘Brota’ tem essa coisa da brincadeira do inesperado dos arranjos.”
 

"O disco é uma proposta de álbum, de ser ouvido de cabo a rabo, e tem ao longo dele uma poesia a qual transformamos em vinhetas de 20 segundos que costuram as músicas" "É uma poesia que traz essa coisa da resistência, De a gente brotar onde der, para brotar e permanecer nesse lugar, essa investida da existência, da vida, de a gente continuar vivo"

Letícia Coelho, cantora e compositora

 
 
Ela ressalta que algumas músicas são voltadas mais para as tradições. “‘O apontador’ é uma canção que está bem mergulhada no maracatu, nos tambores, nos Ilús do Nordeste, de Pernambuco. Mas, ao mesmo tempo, tem uma guitarra tocando um rif funkeado. Fui misturando o que achei parecido desses universos e fomos fazendo os arranjos das músicas. O disco é uma proposta de álbum, de ser ouvido de cabo a rabo, e tem ao longo dele uma poesia a qual transformamos em vinhetas de 20 segundos que costuram as músicas. Se ouvimos o disco inteiro, ouvimos também a poesia toda, costurando as músicas.”
 
Letícia justifica: “É uma poesia que traz essa coisa da resistência, da ideia do brotar”. “De a gente brotar onde der, para brotar e permanecer nesse lugar, essa investida da existência, da vida, de a gente continuar vivo. O disco traz também a referência da sempre-viva, enquanto uma planta que está nos intempéries do mundo e continua no lugar. E, ao mesmo tempo, traz esse diálogo de uma poesia bem popular, mas com guitarra, samples e uma experimentação em algumas músicas.”

EXPERIMENTAÇÕES

A artista ressalta a canção “Lei de Murphy". “Nela, a música inteira está trazendo todas as situações que a gente vive, graças à lei de Murphy. Essa música é um carimbó que vira uma ciranda da Zona da Mata Norte. E, ao mesmo tempo, vai, no final, modulando os acordes e virando uma coisa muito louca e descontrolada que, na verdade, é a própria lei de Murphy."
 
A cantora garante que “Brota” é um disco rico no sentido de tentar misturar esses mundos. “Tem outra canção que mistura o ska com o funk carioca. Daria até para fazer um disco de cada canção, de tão diferente que elas são.” No trabalho, Letícia ressalta que também foi autora, produtora, arranjadora e que tocou percussão em todas as músicas, além de fazer os samples. “São mais de 70 pessoas que participaram desse disco. Tem um grupo de maracatu, o Baque Mulher Floripa, formado por várias mulheres de Florianópolis. A última vinheta do disco foi feita com áudios de várias mulheres, amigas, da família e pessoas com quem trabalhei, que mandaram áudios, falando a poesia e a gente colocou na última faixa. São 40 mulheres ao todo.”
 
Ela lembra que vários músicos participaram da gravação do álbum. “Foi um processo de gravação bem colaborativo. Tem a participação da Marisol Moabá, que é uma cantora, compositora e multi-instrumentista, uma grande artista que fez arranjos de voz e cantou também no disco.” Letícia lembra que foi na faixa “Cais” que Marisol gravou e que foi composta quando estava na Amazônia. “Todas as músicas têm histórias por trás. Nessa há a presença da rabeca e sanfona, dois instrumentos da nossa tradição e universo medieval. A gente fez uma coisa meio modal. Aliás, esse disco tem muitas músicas modais e uma influência grande de Minas Gerais, afinal, morei aqui na minha infância e adolescência.”

FILME

Segundo Letícia, o disco tem também uma pegada cinematográfica. “Não foi à toa que a gente fez o filme, porque, realmente, as composições são ótimas trilhas. Então, fizemos um filme para o disco. Normalmente, a gente faz uma trilha para um filme. O filme conta outra história, diferente do disco, mas ao mesmo faz sentido dentro dele, porque traz essa coisa da sobrevivência, da relação da música rural, com a da cidade, do concreto, da guitarra.”
 
Para Letícia, o filme “Brota” traz a narrativa de uma viajante, como se pousasse aqui neste mundo. “Ela não é desse planeta e, de repente, entra em contato com todas as incoerências do mundo. Da relação do ser humano com a natureza, da relação violenta com os povos tradicionais, com o conhecimento tradicional.”  A artista ainda destaca uma cena: “Gravamos no espaço Luiz Estrela, no qual estou toda vestida de lama, dançando nesse local, que é um prédio abandonado pela prefeitura e ocupado por alguns coletivos de arte.” 

OPRESSÃO

Letícia ressalta que ao dançar maracatu, congada e frevo vestida de lama faz uma referência aos crimes ambientais que aconteceram em Minas Gerais com a mineração. “É um filme que traz um questionamento também, não é só festa e experimentação, tem uma intenção política nas músicas também. Nele, a gente traz isso para as imagens. A gente gravou em Brumadinho, no espaço Luiz Estrela e no Centro de BH, perto da Praça da Estação. Há bastante referência à cidade que tem belo no nome, mas que também oprime as pessoas. O filme tem 13 minutos.”
 
A artista conta que usou no filme muito crochê. “Essa coisa da linha, do fio da vida, que costura que tece a gente e tal. Tem referência àqueles mitos gregos, das moiras, que são as tecelãs da vida, do tempo. Essa foi uma das inspirações para criar o roteiro, feito por mim.”
 
Capa do disco brota de letícia coelho
(foto: Reprodução)
 
 

“BROTA”


De Letícia Coelho
15 faixas
Disponível nas plataformas digitais 


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