Jornal Estado de Minas

TEATRO

Cenas Curtas volta ao palco e dá espaço para erros e acertos de artistas



A liberdade criativa é a única preocupação do diretor-geral do Centro Cultural Galpão Cine Horto, Chico Pelúcio, ao organizar as edições do Festival de Cenas Curtas. Dedicado ao fomento de produções autorais, o evento chega à 23ª edição nesta terça-feira (30/8) e fica em cartaz até domingo (4/9).





A agenda reúne “Cenas on-line”, “Cenas de palco”, “Cenas históricas”, “Rolês” (performances de dança), bate-papo com artistas e festa de encerramento, com discotecagem do Baile da Bôta.

“O objetivo do festival é proporcionar ao artista um espaço para o risco e para o erro”, afirma Pelúcio. “Ali é o momento em que ele terá a oportunidade de experimentar ideias que dificilmente conseguiria colocar em prática”. A única exigência é que as performances não ultrapassem 15 minutos. O artista é livre para fazer o que bem entender.

“Costumo dizer que o Festival de Cenas Curtas é uma radiografia do que está acontecendo em nossa sociedade. Por isso não definimos temas para as cenas. A ideia é fazer com que, lá na frente, as pessoas olhem o que foi apresentado em cada edição e compreendam quais eram os debates no Brasil naquela época”, destaca.




 
Na cena 'Ensaio VII - O canto da boca', Amora Tito critica o fanatismo religioso (foto: Amora Tito/divulgação)
 

Palco aberto para as minorias

Baseado no material selecionado, percebe-se que o zeitgeist do momento são as discussões sobre racismo, feminismo e afirmações LGBTQIA+. Isso pode ser visto, por exemplo, na cena “Aquilombamento digital”, de Felipe Oládélè.

Premiado pelo espetáculo “Preto”, no qual contracenou com Grace Passô e Renata Sorrah, entre outros atores, Oládélè é veterano do Cenas Curtas. Participa pela terceira vez do festival.

“Essa participação tem um gostinho especial, porque é a primeira vez que estou apresentando uma proposta minha. Nas outras, fui ator convidado, interpretando textos dos outros”, conta.

“Aquilombamento digital” é parte de trilogia de pequenas cenas que se propõem a despertar no público a vontade de agir em favor de negros e negras.De acordo com o ator, “Aquilombamento digital” reúne uma cena homônima, “A partir daqui” e “Evoco”. Todas escritas, encenadas e dirigidas por ele.





“É uma cena performática que transporta as pessoas através da música. Junto com Abraão Kimberley, toco vários instrumentos e canto músicas autorais, cujas letras e melodias têm referências afrobrasileiras, como o samba, o funk, entre outros estilos”, explica.

A afirmação das minorias representativas está presente nas cenas “Ensaio VII – O canto da boca” e “Ekè”. Ambas são dirigidas por Amora Tito. Assim como Oládélè, ela participou outras duas vezes do festival como atriz convidada. Agora chegou a vez de exibir o seu lado autoral.

“Ensaio VII – O canto da boca”, explica a atriz, é um convite à desobediência. Com texto de Anderson Feliciano e atuação de Michele Bernardino, parte da passagem bíblica que narra a transformação da mulher de Ló em sal após desobedecer a Deus para olhar Sodoma incendiando.





“A ideia é levar ao público uma provocação, ao criticarmos a obediência cega a líderes religiosos e o quanto essas lideranças reproduzem atitudes machistas, tais como a 'Bíblia'”, diz. “Você vê que a mulher que se transforma em estátua de sal não tem nem sequer nome. É tratada apenas como a mulher de Ló. Então, estamos trazendo para o palco essa questão também”, afirma Amora.
 
Jonata Vieira na cena "Boi Bíblia Bala" (foto: Pablo Bernardo/divulgação )

Artistas trans estrelam "Ekè"

“Ekè”, por sua vez, é uma construção coletiva de Amora com artistas trans. Dividem o palco com Amora: Eli Nunes, Hadá Amaral, Dyanà, Lázara dos Anjos, Lui Rodrigues, Sol Markes e Wanatta. “Costumo dizer que esta é uma apresentação transcentrada (risos)”, brinca Amora.

“É uma cena multilinguística em que a gente joga com a atuação, performance e música a fim de criar situações e narrativas para além do cisgênero”, adianta.




 

Esta edição do Cenas Curtas marca a retomada das apresentações presenciais. Nos últimos dois anos, em decorrência da pandemia de COVID-19, todas as atividades foram adaptadas para o ambiente virtual.

 

A mudança para o digital rendeu ao Galpão novas possibilidades de realizar o festival presencial. Neste ano, por exemplo, uma das cenas mescla cinema e teatro, algo inédito nas edições passadas.


“O formato virtual que fizemos nos últimos anos nos possibilitou trazer artistas de outras cidades e até mesmo de outros países. Assim, mantivemos a possibilidade de o festival atingir mais gente”, destaca Pelúcio.
 
As apresentações virtuais são as “Cenas on-line” e “Cenas históricas”, que poderão ser acompanhadas pelo canal do Galpão Cine Horto no YouTube. Já as apresentações presenciais serão realizadas no Teatro Wanda Fernandes e em locais parceiros do grupo, como o espaço cultural Gruta! e o Teatro 171.





A escolha dos locais não foi feita ao acaso, ressalta o diretor-geral do Galpão. “Um dos objetivos do festival é reforçar a região Leste de Belo Horizonte como corredor cultural da cidade. Ali existem diversos bares, restaurantes e espaços culturais que precisam ganhar mais visibilidade”, afirma Chico Pelúcio.

FESTIVAL DE CENAS CURTAS

Desta terça-feira (30/8) a domingo (4/9), a partir das 20h. Hoje: “Primeira comunhão” (2004), de Fernando Arrabal, adaptação de Eduardo Moreira, com Simone Ordones, Laura Castro, Luis Filizola, Margareth Serra, Chico Aníbal, Mauro Maya e Epaminondas Reis; “Acontecia em 1950” (2011), com Lucas Araújo, Bruna Betito, Juliana Codri e Fábio Dias. Ambas em cartaz no canal do Galpão no Youtube. A programação ocorrerá no Galpão Cine Horto, Rua Pitangui, 3.613, Horto, e espaços da Região Leste de BH. Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia-entrada), por dia. À venda no site Sympla. Programação completa: galpaocinehorto.com.br.


CENAS DE PALCO

No Teatro Wanda Fernandes do Galpão Cine Horto

> Quarta-feira (31/8), às 20h

. “E se?”, por Arthur Barbosa (BH)
. “ Indetectável: Uma pílula dramática de escracho didática”, por Danilo Mata (BH)
. “Expedição reversa”, por Fanchecléticas Coletiva (Sabará)
. “Varal, por 5só” (BH)

> Quinta (1º/9), às 20h

. “Parda – Capítulo 1: Onde todas as coisas são iguais”, por Rafael Barbosa Leão (Contagem)
. “Ligados em uma nota Sol”, por Trupe Garnizé (BH)
. “Boi Bíblia Bala”, por Jonata Vieira (Contagem)
. “Ensaio VII: O canto da boca”, por Michele Bernardino (BH)

> Sexta (2/9), às 20h

. “Tudo que é vivo enferruja sem deixar de florescer”, por Luciana Lanza, Paulo César Bicalho e Papoula Bicalho (Brumadinho)
. “Eumano”, por Coletivo Viravoltear (Itabira)
. “Carne y osso, Meu olho é máquina y meu sangue, microplástico: Qual é o corpo original?”, por Morgs Rodriguez (BH)
. “Las choronas”, por Las Choronas Companheiras Teatrais (BH)

> Sábado (3/9), às 20h

. “Aquilombamento digital”, por Companhia Negra de Teatro (BH)
. “Oral”, por Cecilia Ripoll (RJ)
. “Ekè”, por Amora Tito, Eli Nunes, Hadá Amaral, humcorpo-Dyanà, Lázara dos Anjos, Lui Rodrigues, Sol Markes e Wanatta (BH)
. “Pulmões”, por Cia Mineira (São João del-Rei)