Nesta época em que é cada vez maior a contestação da ciência e a queda da cobertura vacinal ameaça o retorno de doenças já erradicadas no país, como poliomielite e sarampo, o psiquiatra Renato Diniz Silveira se aventura no mundo do romance para contar como conviveu com as sequelas da pólio ao longo da infância e adolescência.
De maneira bem-humorada, ele narra a luta travada por sua família em busca de tratamentos convencionais e alternativos para a doença que o acometeu aos quatro meses de vida. No livro “Dias demais”, que será lançado neste sábado (3/9), em BH, o professor do curso de medicina da PUC Minas migrou – feliz – da escrita técnica para a literária.
O projeto começou em 2008. Vítima de acidente doméstico, Silveira fraturou o fêmur e teve de se submeter a uma cirurgia. Paralisado pelo medo da anestesia geral, voltou à infância. Com a ajuda da psicanálise, relembrou visitas a médicos e hospitais, até se lembrar do motivo de tanto medo: no primário, ouviu a professora contar sobre uma conhecida que morreu na mesa de cirurgia por causa da anestesia geral.
“O que percebi, reescrevendo minha vida, é que as crianças sabem mais do que as pessoas imaginam. Às vezes, a gente vê uma criança com a cara absolutamente comum, mas ela está pensando coisas muito maravilhosas ou muito ruins”, comenta o autor.
O desafio da vacinação
O romance de Renato traz o ponto de vista de um garoto perspicaz na Belo Horizonte das décadas de 1970 e 1980.
“O livro conta minha história, mas poderia ser a de várias crianças vítimas de poliomielite naquela época, quando houve um surto. Já havia vacina, mas a pólio não estava erradicada, como conseguimos em 1996. Infelizmente, com a baixa de vacinação atual, é muito preocupante a possibilidade de a doença voltar. Pólio não tem cura”, adverte o médico.
Silveira espera que o livro possa conscientizar pais e mães de uma forma diferente das campanhas comuns no século 20, em que vídeos exibiam sequelas da doença e a necessidade de máquinas de respiração em leitos de hospitais infantis. Em casos mais graves, como a forma bulbar, o vírus atinge os pulmões e pode matar.
“É uma história com muito peso, mas também com muito contrapeso, que é a leveza e o bom humor. Há personagens reais, como a minha mãe. O livro traz um pouco da história dela, como pensava a mulher de classe média na década de 1970”.
“Minha mãe já tinha três filhas, a mais nova com quase 10 anos, quando nasci, o primeiro homem. E depois, pólio! Ela não tinha noção do que era isso, estudou só até o primário. Então, teve de se reinventar como mulher, mãe e esposa.”
Entretanto, Silveira contesta a ideia de superação. “É um conceito muito exigente. As pessoas, às vezes, querem a superação antes mesmo de viver o luto das coisas. Tem coisas na vida que são insuperáveis. E acho muito legal deixar algumas coisas como 'insuperadas', para viver outras”, afirma.
Suco de laranja do Arapiara
A vivência com a doença o levou a escolher a medicina. O trabalho dos profissionais para aliviar, esclarecer e consolar pacientes e familiares fez com que Renato se apaixonasse pela profissão, além da vontade de experimentar o suco de laranja dos médicos do Hospital Arapiara, que ele via passar num carrinho que chegava a suar, de tão gelado.
O enredo do livro vai até os 15 anos do autor. Silveira comenta que a visita à infância o fez descobrir coisas que levaram ao gosto pela escrita.
“De vez em quando, ficava doido para terminar o trabalho e ir para casa escrever o livro. A escrita não acadêmica é muito bacana. Ela faz muito bem para a vida, porque é um jeito de expressar o mundo. Quando a gente escreve a própria história, pode ser muito difícil, mas também ilumina a gente”, garante.
“DIAS DEMAIS”
• De Renato Diniz Silveira
• Selo Adelante/Gulliver
• 230 páginas
l R$ 50
• Lançamento neste sábado (3/9), às 11h, na Vila 211 – Rua Professor Estêvão Pinto, 211, Serra
* Estagiário sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria