Foi no final da década de 1990. Então procuradora do Estado de Minas Gerais, a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia falou em Hipólita, mulher que teve participação política na Conjuração Mineira (1789). Era a primeira vez que Heloisa Starling ouvia falar dela. E aquilo a incomodou. “Como é que ela, da área do direito, soube disso antes de uma historiadora?”
Nos anos posteriores, Hipólita Jacinta Teixeira de Melo voltaria a aparecer, ainda que discretamente, em leituras de Heloisa por meio de pesquisas de outros autores. “Comecei a me dar conta de que ela tinha caído na força do esquecimento sobre as mulheres, que era muito grande. Aí comecei a pesquisar”, diz Heloisa.
Integrante da elite colonial da época, Hipólita foi casada com Francisco de Oliveira Lopes. Ambos se envolveram com a Inconfidência – ela, inclusive, escreveu três mensagens aos líderes do movimento.
Sete protagonistas da história
Ao lado de Bárbara de Alencar, Urânia Vanério, Maria Felipa de Oliveira, Maria Quitéria de Jesus, Maria Leopoldina da Áustria e Ana Lins, a mineira fez parte do grupo que participou das lutas de Independência do Brasil desde o final do século 18. Todas entraram para a história, se muito, pela porta dos fundos.
Essas sete mulheres têm as trajetórias recuperadas por outras sete, entre historiadoras, jornalistas e escritoras, no livro “Independência do Brasil – As mulheres que estavam lá” (Bazar do Tempo).
Organizado por Heloisa e Antonia Pellegrino, o livro reúne os perfis das personagens. O lançamento será neste sábado (3/9), a partir das 11h, na Rua Fernandes Tourinho, na Savassi, no quarteirão em frente às livrarias Jenipapo e Quixote, parceiras no evento.Além de Heloisa, participarão do lançamento três coautoras: Cidinha da Silva, que escreveu sobre Maria Felipa de Oliveira, pescadora negra que atuou na proteção contra os ataques de barcos portugueses na Bahia; Marcela Telles, que se debruçou sobre a trajetória de Maria Quitéria de Jesus, que combateu no front baiano na guerra da Independência, disfarçada “à moda masculina”; e Virginia Starling, que lançou novo olhar sobre D. Leopoldina, a primeira mulher de D. Pedro I, mostrando como ela articulou a permanência do marido no Brasil, contra o que queria Portugal.
Mobilização no STF
Os perfis dessas personagens vêm à tona em livro depois da pesquisa que envolveu outras iniciativas. Em 7 de setembro de 2020, Heloisa participou do podcast “Novo normal”, criado por Antonia Pellegrino, falando sobre as mulheres na Independência. No final de 2021, houve novo convite, agora das três ministras do STF – Cármen Lúcia, Rosa Weber e Ellen Gracie, para participar do seminário “Por estas e por outras”, no Dia Internacional dos Direitos Humanos.
Entre as mulheres que Heloisa destacou em sua fala no STF estava uma menina de 10 anos. Ela escreveu, em versos, o panfleto “Lamentos de uma baiana”, que foi a público em Salvador, em fevereiro de 1822, denunciando a tirania e a opressão da Coroa portuguesa. “Não sabemos nada sobre ela, nem mesmo o nome. Sobre a autora, pesa um silêncio profundo”, disse a historiadora no seminário, em dezembro do ano passado.
Era Urânia Vanério (no livro, seu perfil ficou a cargo de Patrícia Valim) a menina de Salvador. E seu nome só foi descoberto após a pesquisa que Heloisa e sua equipe fizeram para o podcast “Mulheres na Independência”, que ela apresenta com Antonia Pellegrino. Quando estavam concebendo o projeto, lançado no Globoplay, em agosto, houve o convite da editora Ana Cecilia Impellizieri, da Bazar do Tempo, para o livro.
“É interessante que o projeto, que trata da repressão que as mulheres sofreram através do esquecimento, vai se desdobrando em vários suportes”, diz Heloisa Starling, lembrando-se ainda da presença de algumas dessas personagens na exposição “Itinerários da Independência”. O caminhão-museu, iniciativa do Projeto República, que Heloisa coordena na UFMG, passou por vários lugares.
Em julho, foi levado a Prados, no Campo das Vertentes, onde Hipólita nasceu. Da abertura da mostra participaram, além de Heloisa, Antonio Pellegrino, Cármen Lúcia (que assina o posfácio de “As mulheres que estavam lá”) e a cantora Zélia Duncan, que compôs uma canção sobre Hipólita (“Insólita sua coragem/ da margem da história de ontem/ pro centro da liberdade”).
A imaginação do possível
Autora de dezenas de livros e com extensa obra que prima pelo diálogo entre a história e a política, Heloisa admite que o perfil de Hipólita foi um desafio. “Uma coisa é falar sobre a Conjuração Mineira, outra é buscar um personagem sobre o qual não se tem fonte. O ficcionista resolve isso de outra forma. Como historiadora, eu não poderia inventar.”
Dessa maneira, para o texto, ela trabalhou com o recurso da “imaginação do possível”. “Isso dá muito trabalho, pois você tem que reconstituir um monte de episódios a partir de um detalhe”, explica. Heloisa exemplifica contando que, ao ler biografia de Tomás Antônio Gonzaga, descobriu que o marido de Hipólita integrou o Regimento de Cavalaria de Minas, o mesmo para o qual Tiradentes havia se alistado, em 1775.
“Cada uma de nós achou uma maneira de chegar perto das personagens”, conclui Heloisa Starling.
“INDEPENDÊNCIA DO BRASIL: AS MULHERES QUE ESTAVAM LÁ”
• Organização: Heloisa M. Starling e Antonia Pellegrino
• Bazar do Tempo
• 224 páginas
• R$ 62,90
• Lançamento neste sábado (3/9), em parceria entre as livrarias Quixote e Jenipapo, a partir das 11h, na Rua Fernandes Tourinho, 241, Savassi. Presença das autoras Heloisa Starling, Cidinha da Silva, Marcela Telles e Virginia Starling