“Decifra-me ou te devoro.” A frase atribuída à esfinge de Tebas por Sófocles, na peça "Édipo Rei", antecede a um dos mais famosos enigmas do Ocidente: o que é que pela manhã tem quatro patas, à tarde tem duas e à noite, tem três? O homem. Foi a resposta adivinhada por Édipo.
Por séculos, os enigmas serviram como meio de comunicação de entidades e seres transcendentais nas mais diferentes culturas e religiões. E foi por meio deles que muitos disseram ter transcendido a lógica racional, a fim de compreender os ensinamentos passados.
Na filosofia budista, por sua vez, mais do que meio de comunicação com seres superiores, essas charadas, denominadas de koan, servem como recurso para atingir a expansão da consciência e auxílio para o autoconhecimento por meio da reflexão. Exatamente o que propõe a cantora e compositora Raquel Coutinho em seu mais novo disco, batizado justamente de “Koan”.
Com banda formada especialmente para este trabalho, o disco de Raquel conta com cinco músicas, compostas em parceria com Lenis Rino, que transitam entre as batidas dos tambores à la Maurício Tizumba e sonoridades eletrônicas.
''São profundas as marcas que o machismo deixou em nós. As mulheres foram roubadas de sua força e de si próprias. O que temos que fazer então é olhar para a história e dar a volta por cima''
Raquel Coutinho, cantora e compositora
Lançado nas plataformas digitais no último dia 27, “Koan” ganha show de lançamento nesta quinta-feira (8/9), às 20h, no Teatro do Centro Cultural Sesiminas. No palco, acompanham Raquel os músicos Richard Neves (teclado e synth), Marcílio Rosa (guitarra), Isabela Leite (percussões) e Estevan Cypriano (bateria).
“Eu chamo o ‘Koan’ de miniálbum”, brinca Raquel. “Ele nasceu de uma necessidade que eu tinha desde de 2017, quando me mudei do Rio de Janeiro para cá [Belo Horizonte]. Nesse período, eu estava reestruturando minha vida. Aí, não consegui gravar. Mas, com a chegada da pandemia, tudo parou. Decidi, então, ir para minha fazenda, em São José do Almeida, para me conectar com a natureza e conseguir compor”, complementa.
Como companhia para a quarentena, convidou Lenis Rino, que prontamente aceitou. E, em 10 dias, compuseram nove músicas, das quais cinco entraram no novo álbum.
''Levantamos esse show com a ideia de fazer um repertório mântrico, de sensações e imagens, como se fosse minha história de vida e a história da minha carreira''
Raquel Coutinho, cantora e compositora
Taça de vinho
“A sensação que tenho é que o disco não é meu. Sinto que tem vida própria, porque ele foi acontecendo de maneira natural. Quando eu e Lenis nos reuníamos para compor, as músicas iam surgindo, como se já existissem. Sem contar as que foram feitas despretensiosamente, como ‘Taça de vinho’, quando eu e o Lenis estávamos tomando um vinho à noite e, ao pedir mais uma taça, falei com ele: ‘Isso dá uma música’”, revela Raquel Coutinho.Penúltima faixa do disco, “Taça de vinho” tem versos que, de fato, depois da revelação da autora, podem ser interpretados de maneira literal, como “Me dê outra taça de vinho, por favor/Me conte outra história/Arruma um trago/Já passou da minha hora”.
Contudo, quando vai se desenvolvendo, a letra sai da situação pessoal e específica de compositores bebendo e jogando conversa fora para tratar de temáticas universais, como a vida e o amor em “Mergulha um pouco/menina não chora/a vida é breve e o amor já chegou agora/Me dê outra taça de vinho/ Um trago/ Acendo o fogo/ A vida parece uma flor da aurora”.
Diva, deusa e bruxa
Temática que também se destaca em “Koan” é a mulher. Cansada da cobrança da sociedade de que a mulher deve, a todo momento, ser sexy, descolada e legal, Raquel decidiu “chutar o balde” e mandar a real.
“Musa, diva, deusa, cavala, astra/Assa, devassa, bruxa, louca, vermelha/Vulva, carne, corte, sangue, segue/Forte, linda, doida ávida”; "Corta, morre, nasce, renasce" – canta em “Astra”, última faixa do disco, em referência às mulheres, mas, sobretudo, a si mesma, diva e deusa, mas também cavala e bruxa (sim, nesses termos, como gosta de destacar), longe dos padrões de beleza amplamente difundidos pela sociedade contemporânea.
“São profundas as marcas que o machismo deixou em nós. As mulheres foram roubadas de sua força e de si próprias. O que temos que fazer então é olhar para a história e dar a volta por cima”, afirma. Isso já está sendo feito, de acordo com a artista. Para ela, há hoje um processo evolutivo de reconhecimento dos valores e da essência da mulher na sociedade.
Disco 'fora da caixinha'
Contradições e abstracionismo também estão presentes em algumas – senão todas – as músicas de “Koan”. No entanto, é proposital, garante Raquel. “‘Koan’ é um disco diferente, fora da caixinha mesmo. Ele tem muita conexão com a natureza, tanto nas letras quanto na sonoridade. Por isso, ele deve ser sentido”, ressalta.Por isso, para a apresentação desta quinta-feira (8/9), ela preparou, além do repertório – que inclui as faixas de “Koan” e canções dos discos “Olho D'Água” (2010) e “Mineiral” (2014) –, imagens, projeções e fotografias produzidas pela diretora de arte Pri Garcia e pelo cineasta Qualq.
As músicas de “Koan”, que têm em média três minutos de duração, foram ampliadas, de modo que, ao vivo, terão o dobro do tempo da gravação para que se assemelhem a uma espécie de mantra, fazendo do espetáculo um ritual que leve o público a uma catarse coletiva.
Ao mesmo tempo, revela Raquel, a apresentação também foi concebida de forma que as músicas selecionadas representassem um relicário poético, com referências sensíveis que contassem a história da própria artista.
“Levantamos esse show com a ideia de fazer um repertório mântrico, de sensações e imagens, como se fosse minha história de vida e a história da minha carreira”, afirma.
Paralelamente, ela está desenvolvendo um curta-metragem inspirado em “Koan”. A ideia é aproveitar os trabalhos em audiovisual que integram o show para levar o público à reflexão.
"KOAN"
• Disco de Raquel Coutinho
• Produção independente
• 5 faixas
• Disponível nas plataformas digitais
• Show de lançamento nesta quinta-feira (8/9), às 20h, no Centro Cultural Sesiminas (Rua Padre Marinho, 60, Santa Efigênia), (31) 3241-7181. Ingressos à venda por R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia), no site do Sympla