A data de 7 de setembro, para a qual se voltam todas as atenções hoje, devido ao bicentenário da Independência, não é apenas o marco do grito que separou o Brasil de Portugal. Foi também nesse dia que um outro som entrou para a história: há 100 anos, em 1922, acontecia a primeira transmissão de rádio no Brasil. Foi no Rio de Janeiro, exatamente durante a exposição internacional em comemoração ao centenário da proclamação feita por Dom Pedro I. Mas, sem aparelhos de rádio, a reprodução ocorreu por alto-falantes, com baixíssima qualidade.
Naquele ano do centenário da Independência, por iniciativa do presidente Epitácio Pessoa, uma feira de negócios foi realizada na Praça Marechal Âncora, na Praia Vermelha, no Centro do Rio. Pavilhões foram abertos a indústrias do mundo para apresentarem ao povo brasileiro seus produtos. Era uma forma, também, de trazer o investimento para o Brasil.
O evento acabou por atrair o interesse da Academia Brasileira de Ciências, através de um de seus integrantes, o médico Edgar Roquette Pinto. Também jornalista, ele declarou na época: “Quero tirar a ciência do domínio exclusivo dos sábios para entregá-la ao povo”.
A transmissão pioneira de rádio tem origem na proposta de Roquette Pinto. Mas o primeiro problema seria como fazer isso, já que praticamente não existiam receptores de rádio no Brasil. O governo brasileiro providenciou, então, junto a interessados em participar da mostra, 80 aparelhos, que foram repassados a autoridades e políticos.
Mas Roquette Pinto queria que o povo tivesse acesso às transmissões e que a partir da primeira, o aparelho se popularizasse. Foi quando surgiu a ideia de espalhar alto-falantes pela feira. Porém, para que tudo acontecesse, era necessária ainda uma estação de rádio. No alto do Corcovado foi então montada uma, com 500 watts de potência.
Planejamento executado, no momento de abertura da feira, um pronunciamento do presidente Epitácio Pessoa foi transmitido ao vivo. Logo em seguida, houve a transmissão da ópera “O Guarani”, de Carlos Gomes, com um grupo teatral e de cantores. O resultado, porém, não agradou a todos, devido à qualidade do som.
Rádio Sociedade do Rio de Janeiro
Somente no ano seguinte, em 26 de abril de 1923, nasceria o rádio como se conhece hoje, com a fundação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, prefixo PRA-2. Na verdade, a emissora só passaria a funcionar quatro dias depois, usando um transmissor doado por uma empresa argentina, a Casa Pekan. A rádio foi instalada na Escola Politécnica do Rio, então capital federal.
Logo surgiriam outras emissoras pelo país: em Salvador, também Rádio Sociedade: em Recife, a Rádio Clube Pernambuco; em São Paulo, a Rádio Educadora Paulista; em Fortaleza, a Rádio Clube do Brasil, que foi, inclusive, a primeira do país a pedir e conseguir autorização do Ministério das Comunicações para a veiculação de anúncios.
Até 1924 já eram muitas as emissoras em operação: em Minas Gerais, a Rádio Clube Belo Horizonte, com um potente transmissor de 500 watts; no Rio Grande do Sul, a Sociedade Rádio Pelotense, de Pelotas, e em Porto Alegre, a Rádio Sociedade Gaúcha, que até hoje se proclama a pioneira na região; em Curitiba, a Rádio Clube Paranaense; mais uma em São Paulo, a Rádio Clube São Paulo e a primeira emissora do interior, a Rádio Clube Ribeirão Preto. Eram os passos iniciais para a disseminação de emissoras em todos os pontos do país.
Legislação para dar conta do fenômeno
O anúncio do início da radiodifusão no Brasil foi feito pelo presidente Epitácio Pessoa, em seu pronunciamento no dia 7 de setembro de 1922. No entanto, para que isso se tornasse realidade, era preciso formular a legislação. Foi designada para isso a Repartição Geral dos Correios e Telégrafos, responsável pelas transmissões de radiotelegrafia e da radiotelefonia. Foram necessários mais seis meses para a homologação do regulamento dos serviços.
Em 1931, já no governo de Getúlio Vargas, o então presidente publicou, em 27 de maio, o Decreto 20.047, que revogava o regulamento de 1923 e adotava integralmente o modelo de radiodifusão norte-americano, que tinha como pontos principais a concessão de canais a particulares e a legalização da propaganda comercial. Em 1º março de 1932, o Decreto 21.111 definiu a alteração de regras.
A regulamentação permitiu que as emissoras conseguissem recursos, o que possibilitou a contratação de artistas e dava início à fase de profissionalização. Surgia na época um fenômeno da comunicação: Henrique Foreis Domingues, o Almirante, criador de programas que depois se tornaram de auditório e lançou grandes nomes da música, como Araci de Almeida, Noel Rosa, Linda Batista, Márcio Reis, Marília Barbosa, Aurora Miranda, Paulo Roberto e Renato Murce.
Surgiam as inserções comerciais, então chamadas de reclames, que divulgavam padarias, armazéns, remédios e até professores de música. Vêm dessa época os anúncios cantados ao vivo, que tinham como atrações cantores famosos da época.
Um dos nomes que se tornaram importantes para a expansão do rádio foi o de Ademar Casé, pai de Geraldo Casé e avô da atriz Regina Casé. Vendendo aparelhos de porta em porta, sua tática era deixar o rádio numa casa, por uma semana, para que as pessoas o experimentassem. Caso não gostassem, poderiam devolver. Se quisessem ficar com ele, negociavam como pagar. Logo ele se tornaria produtor e apresentador.
Progresso
Almirante foi também o primeiro a criar um programa com roteiro e produção. Nascia, assim, o rádio espetáculo, que tinha cantores, orquestra, coro, conjuntos, musicais e radioatores. O formato atraiu grandes anunciantes, como lojas e indústrias. Mais artistas de nome chegavam para o novo veículo, como Lamartine Babo, Francisco Alves, Pixinguinha, Donga e Zezé Fonseca.
Os rádios, então, já não são mais vendidos por ambulantes, mas em lojas. A RCA Vitor lança seus produtos no Brasil. Perfumes, sabonetes, carros, laboratórios e a Coca-Cola são agora os principais anunciantes. Outras empresas norte-americanas também veiculam reclames, como Thompson, McCann, Erickson. A seguir vêm a Antarctica, Lacta, geladeiras... todo um novo estilo de vida vendido pelo rádio.
Com Carmen Miranda alcançando o posto de estrela maior, o segmento cresce. As emissoras se tornam, ainda na década de 30, poucos anos após a transmissão inaugural, grandes empresas.
Minas entra na programação
A primeira emissora de rádio em Minas Gerais foi a Rádio Sociedade de Juiz de Fora, fundada em 1° de janeiro de 1926. Em Belo Horizonte, a pioneira foi a Rádio Mineira, criada em fevereiro de 1927. A iniciativa partiu de idealistas: Josafá Florêncio, Henrique Silva, Jacy Penaforte, José Teodoro da Silva e Marques Lisboa, que usaram as antenas do serviço radiotelegráfico da Rede Mineira de Viação.
Essa rádio seguiu como única até 1936, quando, em 10 de agosto, surgiria a Rádio Guarani. A seguir, em 3 de setembro, a Inconfidência. Posteriormente surgiram as rádios Itatiaia, Jornal de Minas (hoje Rádio América), Minas (cassada em 1974), Pampulha (hoje Capital), Tiradentes (hoje Globo) e Atalaia.
A primeira rádio FM de Minas Gerais foi a Rádio Del Rey, fundada em 1970, com programação alternativa voltada para a juventude. Dois anos antes, em 5 de setembro de 1968, era fundada por Januário Carneiro a Associação Mineira de Rádio e Televisão (Amirt), entidade que representa os interesses das emissoras em Minas, congregando centenas de emissoras AM, FM e de TV.
História narrada
Em setembro de 1934 foi outorgada uma nova Constituição, concluída sob forte influência do governo de Getúlio Vargas, que instituiu o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que impunha controle de conteúdo nas transmissões. O novo departamento era diretamente vinculado ao presidente da República.
Em 1932, explodiu em São Paulo a Revolução Constitucionalista, com o rádio com importante papel de veículo de integração da sociedade. Em 30 de janeiro de 1933, Adolf Hitler assumia o poder na Alemanha, que tinha a economia arruinada, e com auxílio de com Goebbels, ministro da propaganda, dominou o rádio, fundamental para a comunicação com os alemães e com o resto do mundo.
Já era então o maior veículo de comunicação mundial. Em 10 de novembro de 1937, em plena campanha para eleição do paulista Armando Sales de Oliveira e do paraibano José Américo de Almeida, seu candidato e ministro, Vargas surpreendeu o país com uma nova Carta Política, dissolveu o Congresso e implantou o Estado Novo. A data marca o início das vendas de receptores de ondas curtas que, no exterior, se tornaram veículo da propaganda ideológica e cultural.
Em 1938, o país parou por causa das transmissões dos jogos do Brasil, na Copa do Mundo da França. Era a primeira vez que o evento era irradiado. No mesmo ano, os brasileiros se renderam às transmissões de jornalismo, que informavam sobre os temores de uma guerra na Europa. E foi também através do rádio que o brasileiro soube do fim da 2ª Grande Guerra Mundial.
Ondas curtas
O precursor
3 O físico italiano Guglielmo Marconi (1874-1937), responsável por descobertas no campo da transmissão e recepção de sinais sem fios, é considerado o inventor do rádio. Além de pai da radiodifusão é tido como descobridor da telegrafia sem fios, por ter coordenado os esforços dos principais investigadores da época. Condecorado inúmeras vezes, foi presidente da Academia Real Italiana, tendo recebido o prêmio Nobel de Física em 1909. Em 1896, recebe na Inglaterra patente sobre “aparelho de transmissão de impulsos eléctricos e de sinais”, registrando também a forma de difusão.
No Brasil
3 Em 10 de junho de 1900, o “Jornal do Comércio”, do Rio de Janeiro, relatou a experiência, em 1893, do padre gaúcho Roberto Landell de Moura, com vários aparelhos de sua invenção. No Alto de Santana, em São Paulo, o jovem sacerdote e promissor cientista, em meio a seus estudos, fizera importantes descobertas sobre a propagação do som, da luz e da eletricidade através do espaço, da terra e dos mares. Sem recursos e sem apoio, Landell de Moura não patenteou seus inventos.
Bastidores
3 O Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), marco que consolidou a regulamentação acerca da radiodifusão e das telecomunicações, foi promulgado apenas em 1962, quase 40 anos depois da primeira transmissão de rádio e 12 anos depois da primeira transmissão de TV no país. O documento final é fruto de pressão por parte do empresariado, que, por meio de ação junto ao Poder Legislativo, conseguiu derrubar cada um dos 52 vetos ao documento impostos pelo então presidente da República João Goulart.
Deu Ibope?
3 O início da fase industrial do rádio remonta a 1942, quando Auricélio Penteado, proprietário da Rádio Kosmos, de São Paulo, decide aplicar técnicas de pesquisa de audiência inspiradas em levantamentos semelhantes realizados por George Gallup nos Estados Unidos. A constatação estatística de que sua estação apresenta sérios problemas de público vai levar o empresário a liderar um grupo que se cotiza na fundação, ainda naquele ano, do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope), que se tornaria referência fundamental para aferir resultados nas indústrias de comunicação de massa.