Ao longo da história, a narrativa sobre a Independência do Brasil foi sequestrada três vezes, afirma Lilia Schwarcz, historiadora e professora titular no Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo (USP).
A primeira durante a monarquia, quando o papel central da ruptura foi totalmente colocado sobre D. Pedro I. A segunda, em 1922, quando modernistas quiseram dar a São Paulo papel importante para a história do país. E a terceira, em 1972, quando o governo ditatorial sequestrou a narrativa no intuito de dar um verniz militar para o acontecimento.
Tudo isso está explicado no recém-lançado livro “O sequestro da Independência: Uma história da construção do mito do Sete de Setembro”, parceria de Lilia com os historiadores Lúcia Stumpf e Carlos Lima Jr.
Os três são os convidados do Sempre um Papo desta quinta-feira (8/9), no Memorial Minas Gerais Vale, para comentar a obra e o contexto político e social do Brasil atual. O bate-papo também será transmitido pelas redes sociais do Sempre um Papo no Facebook e no YouTube.
Os três são os convidados do Sempre um Papo desta quinta-feira (8/9), no Memorial Minas Gerais Vale, para comentar a obra e o contexto político e social do Brasil atual. O bate-papo também será transmitido pelas redes sociais do Sempre um Papo no Facebook e no YouTube.
“Nós falamos que durante a monarquia ocorreu o primeiro sequestro da Independência, porque na época não se fazia nenhuma menção ao Grito do Ipiranga. O que era relevante para as pessoas daquela época era a consagração de D. Pedro I como imperador. Portanto, num período delicado, de baixa popularidade de D. Pedro II, ele começou a fazer menções ao grito do pai, citando-o como ‘o glorioso 7 de Setembro’, a fim de alavancar sua popularidade e consequentemente a da monarquia”, explica Lilia.
O que muita gente não sabe, no entanto, é que Pedro Américo chegou a fazer uma primeira versão desse quadro ("Independência ou morte!"), que foi vetada por D. Pedro II
Lilia Schwarcz, historiadora
Pedro Américo é alvo de polêmica
Ela conta ainda que a ideia de escrever o livro nasceu da necessidade que os historiadores têm de sempre questionar os fatos históricos e revisitar os documentos na tentativa de encontrar respostas para novas perguntas que vão surgindo com o passar do tempo. Para a obra recém-lançada, portanto, o objeto de análise foram as telas de Pedro Américo (1843-1905), mais especificamente “O brado do Ipiranga”, mais conhecida como “Independência ou morte!”.“O que muita gente não sabe, no entanto, é que Pedro Américo chegou a fazer uma primeira versão desse quadro que foi vetada por D. Pedro II. Isso porque a tela tinha a representação do povo na frente, o que não agradou ao imperador”, revela.
“Em nome da nação, eu sacrifico a geografia” e “a realidade inspira e não escraviza o pintor”. Essas foram as frases ditas por Américo como que para tentar explicar a falta de verossimilhança da tela com a realidade.
No entanto, conforme explica o livro, “Independência ou morte!” não foi concebido para ser um documento histórico. A ideia inicial era criar uma tela com o objetivo de unificar os sentimentos da população, negar as divisões, dissolver os conflitos e, sobretudo, amplificar uma cena mundana transformando-a em triunfal.
A representação de Pedro Américo, entretanto, ganhou outra interpretação e, com o passar dos anos, acabou se tornando um documento histórico.
Rivalidade Rio-SP
A reinterpretação também ocorreu de maneira importante para a história do Brasil em 1922, de acordo com Lilia. Ela explica que, inflamados pelo espírito nacionalista e pela rivalidade entre Rio de Janeiro e São Paulo, os artistas modernistas revisitaram a obra de Américo a fim de sublinhar ali a importância da cidade na Independência. “Afinal, o Rio Ipiranga fica em São Paulo, não é?”, comenta a historiadora em tom um tanto quanto irônico.
Outra reinterpretação que a tela de Américo ganhou foi nas comemorações dos 150 anos da ruptura entre colônia e metrópole. Na ocasião, o Brasil vivia um dos momentos mais repressivos da ditadura militar e a obra do pintor foi revisitada a fim de associar a imagem de D. Pedro I a um militar bravo, corajoso e guerreiro, tal qual os que estavam governando o Brasil em 1972.
“É lamentável que hoje o governo, flertando com os militares da época da ditadura, esteja querendo sequestrar novamente a Independência. Ele já conseguiu fazer isso com símbolos nacionais, como a bandeira e o hino. Agora, vem tentando fazer com a Independência também, de modo que muitos museus e instituições que estavam para reabrir nas comemorações do bicentenário preferiram antecipar ou adiar a reabertura para não serem assimiladas a esse governo”, afirma a historiadora em referência ao Museu do Ipiranga, que antecipou sua reabertura para 6 de setembro, em vez de voltar às atividades no feriado, como havia anunciado anteriormente.
“O SEQUESTRO DA INDEPENDÊNCIA”
Uma história da construção do mito do Sete de Setembro
• De Lilia Schwarcz, Lúcia Stumpf e Carlos Lima Junior
• Companhia das Letras
• 375 páginas
• R$ 99,90 (livro físico)
• R$ 44,90 (e-book)
• Lilia Schwarcz, Lúcia Stumpf e Carlos Lima Junior participam do projeto Sempre um Papo, nesta quinta-feira (8/9), às 19h, no Memorial Minas Gerais Vale (Praça daLiberdade, 640, Funcionários), (31) 3308-4000. Entrada franca, mediante retirada de ingressos no local. A conversa será transmitida pelas redes sociais do Sempre um Papo no Facebook e YouTube