Na década de 1980, aos 15 anos, a cantora e compositora Fernanda Porto era considerada na escola a “diferentona” da sala. Convicta de que queria fazer faculdade de música, estava à época estudando piano para entrar na graduação. Para isso, desenhou em papel as teclas do piano e, durante a aula, dispunha aquelas folhas sobre a carteira e ficava batendo o dedo naquela simulação de teclado, enquanto professores falavam de ligações químicas, leis de Newton, funções da linguagem.
Na cabeça de Fernanda, no entanto, o que saía daquele piano improvisado eram peças de Bach e Chopin, que seriam apresentadas e avaliadas pela banca julgadora da universidade que ela pretendia entrar – e que, de fato, entrou. Os professores não se importavam com a falta de atenção da menina com as matérias. Talvez até previam o futuro promissor que a garota teria na música.
Não demorou muito para que o talento da jovem musicista fosse descoberto. Já nos anos 1990, Fernanda figurava em jornais e revistas por fazer algo diferente para época: mesclar, no palco, banda e sequenciadores.
DRUM 'N' BOSSA
Ela foi além, contudo. Passou a colocar os beats dos sintetizadores em canções famosas da MPB, criando um estilo que passou a ser chamado de drum 'n' bossa e, por muito tempo, ficou reconhecida somente por esse trabalho.
Agora, ela decidiu mostrar outra faceta, deixando completamente de lado as batidas e os clássicos da MPB para voltar ao piano a fim de interpretar músicas de compositores da nova geração do pop brasileiro. Em “Contemporâne@”, seu recém-lançado disco cuja direção artística é do amigo DJ Zé Pedro, Fernanda interpreta canções de Rubel, Jão, Chico Chico e Mallu Magalhães, entre outros.
“Há alguns anos, acho que em 2011, eu tinha entrado em contato com o Zé e a gente foi amadurecendo essa ideia. Eu gravava algumas músicas e mandava para ele ver o que achava. Mas, com o tempo, esse contato acabou esfriando e nunca mais voltamos a falar sobre isso”, conta Fernanda.
O assunto só foi retomado depois que Zé Pedro viu que Fernanda tinha gravado algumas faixas e postado em suas redes sociais. Contando todas as etapas de produção, o álbum levou quatro meses para ficar pronto, mas, se contar só o tempo de gravação das músicas, foi tudo feito em dois dias, segundo a artista.
“Pensamos em fazer algo como se fosse ao vivo para que cada música seja única”, afirma Fernanda. “Eu sei que quando for tocar cada uma dessas canções nos shows não vou conseguir reproduzir o que foi feito no disco, da mesma forma como não consigo fazer uma apresentação igual a outra. No entanto, essa é a ideia do álbum.”
CONEXÕES
Embora o nome do novo disco tenha se mostrado uma escolha acertada por possibilitar ao público interpretações diferentes – sem saber se contemporânea é a nova fase da cantora, a música que ela canta ou os dois –, ele não foi pensado para este projeto especificamente.
“Eu tinha outro projeto para ser desenvolvido nas redes sociais e plataformas digitais que funcionaria da seguinte forma: eu convidaria um músico da nova geração para conversar com ele a respeito de artistas consagrados da nossa música. Esse projeto tinha o nome de ‘Contemporâneos’, mas acabou que não foi pra frente”, relembra.
Assim, quando Zé Pedro procurou Fernanda para fazer o novo disco, ela lembrou do “Contemporâneos” e decidiu apenas adaptar o nome. Afinal, agora era apenas ela, com sua voz e piano.
A seleção das músicas que seriam interpretadas no novo álbum também não foi difícil. Enquanto esboçava a ideia de "Contemporâneos", Fernanda já tinha selecionado alguns nomes que pretendia chamar.
FÊNIX
As faixas que compõem “Contemporâne@” combinam com a roupagem dada por Fernanda, mais intimista e melancólica. Destacam-se canções como “O amor se acabou”, de Bárbara Eugênia; “A vida não é bela”, de Arthur Nogueira; e “Olhos vermelhos”, de Jão.
Contudo, talvez seja “Pomares”, de Chico Chico, a que mais representa Fernanda nessa sua nova fase. “Aos pés desses pomares/Recolho pelo chão/A podre lição/Das frutas/Rendo-me ao tempo/Ciente que pereço”, canta a artista para, em seguida, complementar: “Surgirei feito a fênix/Mais são, não só/Mais seguro dos mergulhos/Livre de respostas/Mas com a força do aço/Nas mãos sem medo de vilão/Da dor vã/Serei sol sob a tez da manhã/Sem medo”.