Ernesto Nazareth (1863-1964) batizou de “tango brasileiro”. Chiquinha Gonzaga (1847-1935) preferiu chamar de “polca”. Villa-Lobos (1887-1959), mais hermético, limitava-se a dizer que era “a alma musical brasileira”. Tantas denominações diferentes para se referir única e exclusivamente ao choro (ou chorinho), gênero essencialmente brasileiro, cuja origem remonta ao século 19, mais especificamente à chegada da corte ao Brasil, em 1808.
À época, não existia um gênero musical específico na então colônia. Tocavam-se por aqui músicas sacras, modinhas e lundus. A chegada dos portugueses e a transformação repentina do Brasil em capital do Reino Unido do Brasil, Portugal e Algarves fizeram os músicos daqui ter contato com gêneros que desconheciam e imprimir neles outras características, dando origem a diferentes estilos musicais.
“Quando a corte chegou, realizou uma apresentação de polca, muito comum na Europa. Os brasileiros, que até então não conheciam o gênero, resolveram reproduzi-lo, mas da maneira deles. E aí surgiu o choro”, explica Marcos Flávio, trombonista do grupo Flor de Abacate.
“Quando surgiu, não havia ainda uma unidade em torno do choro. Cada artista dava o nome que queria para aquele tipo de música. Foi, portanto, Pixinguinha o responsável por consolidar o estilo”, complementa o trombonista do Flor de Abacate.
Patrimônio brasileiro
Criado em 1989, o grupo que se dedica a estudar e divulgar o choro e leva o nome da canção de Jacob do Bandolim, apresenta nesta terça-feira (13/9) o show “O choro como patrimônio”, que integra a programação do projeto Especial 2022: Retratos do Brasil, do Conservatório UFMG.
Até novembro, serão apresentados três vezes por mês shows de artistas que transitam por diferentes estilos, como as músicas afro mineira, erudita, hip-hop, infantil, samba e, claro, o choro.
Para a apresentação desta terça-feira, o Flor de Abacate terá como convidados Silvério Pontes e Ausier Vinícius, duas referências do gênero no Brasil. O primeiro é o atual parceiro de música de Zé da Velha, único músico do grupo de Pixinguinha que ainda está vivo.
Já Ausier Vinícius é mais conhecido entre os belo-horizontinos. Além de músico, Ausier era o dono do bar Pedacinho do Céu, dedicado exclusivamente às apresentações de grupos de choro, em todos os dias da semana, mas que fechou as portas devido à pandemia de COVID-19.
Noite de dobradinhas
A apresentação no Conservatório terá inicialmente cinco músicas do repertório do Flor de Abacate executadas pelo grupo. Em seguida, Silvério Pontes toca quatro músicas com o grupo. Na sequência, Ausier toca outras quatro composições com o Flor de Abacate. Por fim, Silvério e Ausier retornam para o palco e fecham a apresentação juntamente com o grupo.
No repertório estão garantidas obras autorais do Flor de Abacate e clássicos de Ernesto Nazareth, Jacob do Bandolim e Pixinguinha, além de músicas de Tom Jobim, Edu Lobo e Astor Piazzolla. Todas com uma roupagem de choro.
“Sempre digo que é possível tocar qualquer música na levada do choro. Ele é um gênero precursor da música brasileira. Se você observar, o samba, a bossa nova e o que nós chamamos de MPB têm algum tipo de ligação com o choro”, afirma Marcos.
Ainda que figure como peça relevante na construção identitária da música brasileira, o choro foi relegado aos festivais e eventos dedicados exclusivamente a ele por muito tempo, sendo uma espécie de música de nicho.
“Há décadas, o choro era muito popular, mas ele foi se transformando no samba. O que é o samba, afinal? É o choro com melodia simplificada para que se possa colocar letra”, diz Marcos. “Com a popularização do samba, surgiu a bossa nova. Até aí, podemos dizer que o choro ainda era tocado nas rádios brasileiras. Mas, com o surgimento do rock, as rádios passaram a tocar somente Elvis Presley e Beatles, deixando o choro de lado”, diz.
O estilo, no entanto, nunca morreu. Inclusive, é extremamente valorizado em países como a França e os EUA, que contam com apresentações de choro em festivais e eventos de música local. O próprio Flor de Abacate foi convidado para tocar para a família real espanhola em 2013, na abertura da 11ª edição do festival Madrid Fusion,
Homenagem à Independência
A ideia de levar o choro para a programação do Especial 2022: Retratos do Brasil é justamente para realçar a importância do gênero como patrimônio brasileiro, conforme afirma o diretor do Conservatório UFMG e curador do evento, Fernando Rocha.
“É uma forma de homenagear os 200 anos da Independência do Brasil”, afirma. “Quando estávamos pensando na programação, partimos daquela pergunta: quantos Brasis tem no Brasil? Assim, procuramos ser o mais plural possível a fim de retratar nossa identidade pela música.”
Também integram a programação os artistas Babadan Banda de Rua, com música instrumental afro mineira, Roger Deff, com apresentação de rap, e Marlui Miranda, com canções populares do povo Juruna, do Xingu. A programação completa pode ser conferida nas redes sociais do conservatório.
FLOR DE ABACATE CONVIDA SILVÉRIO PONTES E AUSIER VINÍCIUS
Nesta terça-feira (13/9), às 19h30, no Conservatório UFMG (Av. Afonso Pena, 1.534, Centro), (31) 3409-8300. Entrada franca. Instagram: @conservatorioufmg.