Jornal Estado de Minas

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Rock in Rio acabou, mas o 'folclore' sobre megafestival nunca sai de cena



Axl Rose perambula de cueca e roupão pelo palco do Maracanã já com o estádio vazio, depois do show do Guns N' Roses na segunda edição do Rock In Rio, em 1991. Procura a jaqueta de couro branco com a qual havia entrado em cena. Quando volta para o camarim, sua banda já havia ido embora.





Ao ouvir de Amin Khader, coordenador de backstage, se queria que a farta macarronada encomendada por ele fosse enviada ao hotel, decide convidar para jantar ali mesmo os funcionários que ainda trabalhavam até aquela hora. Faxineiros, camareiras, garçons e seguranças se juntam ao rockstar para o banquete, assim como Roberto Medina, que chega e vê a cena sem entender nada.
 
A história é uma das saborosas curiosidades que se espalham pelas quase 500 páginas de “Rock in Rio: A história – Bastidores, segredos, shows e loucuras que marcaram o maior festival do mundo”, publicado pela Globo Livros, do jornalista Luiz Felipe Carneiro.

Lançado em 2011, dando conta das três primeiras edições do festival (1985, 1991, 2001), o livro foi reeditado e ampliado para cobrir também as outras cinco realizadas no Brasil, em 2011, 2013, 2015, 2017 e 2019.




Bruce tocou Raul em 2013

A edição original vendeu 20 mil exemplares e estava esgotada. “A editora me convidou para fazer essa ampliação, e imaginei a princípio que a história de 2011 para cá fosse menor. Mas vi que não era assim”, diz o autor. “A passagem de Bruce Springsteen em 2013 por aqui, por exemplo, está entre as mais folclóricas e incríveis do festival.”

Como lembra o livro, o cantor em sua temporada carioca tocou violão no calçadão de Copacabana, passou uma noitada na Lapa, abriu o show com “Sociedade Alternativa”, sucesso de Raul Seixas. Quando beirava três horas de apresentação, foi praticamente expulso do palco pelos fogos de artifício detonados pela produção enquanto ainda cantava. Depois do espetáculo pirotécnico, ainda voltaria para um derradeiro bis de voz e violão.

Carneiro teve o auxílio do pesquisador Tito Guedes, com quem assina “Lado C”, sobre a chamada Trilogia Cê de Caetano Veloso.

Bojn Jovi fez questão de solicitar um rodo para seu camarim no Rock in Rio (foto: Mauro Pimentel/AFP/23/9/17)


Além de levantar os dados sobre o festival de 2011 para cá, Guedes organizou e incrementou a pesquisa que ele havia feito para a primeira edição. “Com as informações novas, reescrevi a parte referente ao Rock in Rio de 1985, 1991 e 2001”, conta o autor.





O jornalista procurou ver e comentar todas as apresentações do festival, recorrendo ao YouTube (para as edições mais recentes) e a colecionadores. “Vi shows na íntegra que nem sabia que haviam sido registrados, como Gilberto Gil, Rita Lee e Lulu Santos em 1985. Os que tive mais dificuldade de encontrar foram os de 1991.”

Para a primeira edição do livro, foram entrevistados muitos artistas, inclusive estrangeiros, como Brian May e Neil Young. “Encontrei-o na rua em Nova York e fiquei conversando sobre seu show no Rock in Rio”, conta Carneiro.

Sai uísque, entra suco natural

Para a nova versão, foram importantes as entrevistas com pessoas que participaram da produção do festival. Além do idealizador Roberto Medina, o autor conversou com Ingrid Berger, que cuida dos camarins desde 2001, e relatou a mudança de postura das grandes estrelas.





“Ela lembrou que antes enchia carrinhos de supermercado com caixas de uísque, mas na última edição foram só duas caixas. Os artistas hoje pedem sucos naturais.”
 
Elton John exigiu buquês de rosas milimetricamente medidas para seu camarim (foto: Tasso Marcelo/AFP/20/9/15)


Mas as exigências folclóricas também estão lá. “O arranjo de rosas de Elton John tem que ter exatamente tantos centímetros, por exemplo”, diz o autor.
 
“Jon Bon Jovi exigiu um rodo. Janelle Monáe quis dezenas de línguas-de-sogra, de soprar em festas de aniversário. E James Taylor deu uma dor de cabeça ao pedir o jornal de Boston do dia. Isso em 1985, quando algo assim exigia uma enorme operação!”.

Drake deu piti em 2019

A história da produção de um evento da dimensão do Rock in Rio é uma história de dores de cabeça. Drake, em 2019, fez funcionários chorarem nos bastidores porque minutos antes do show ameaçou não entrar no palco. “Primeiro reclamou do som, depois da luz e, finalmente, não autorizou que seu show fosse transmitido pela televisão”, afirma Carneiro.




 
A tensão vinha desde a passagem de som, no dia anterior, quando ele demitiu seu designer de luz, recontratado pouco antes da apresentação.

Outro perrengue histórico foi com o sino de duas toneladas que compunha o cenário do AC/DC, em 1985. Era exigência contratual da banda que ele fosse pendurado no palco. Ou seja, sem sino, sem show.
 
O sino foi trazido de navio, “mas a produção percebeu que a estrutura do palco não suportaria o peso”, diz Carneiro.

“Então, sem contar a ninguém, o cenógrafo Mário Monteiro fez uma réplica em gesso, que foi usada sem que a banda percebesse.” A substituição só foi informada ao AC/DC depois das apresentações da banda no festival. A reação? Eles pediram para levar a réplica, porque não era a primeira vez que tinham problemas do tipo com a peça.

Palco político 

Além das curiosidades de bastidores, o livro procura contextualizar historicamente o evento, levando em conta o cenário político brasileiro. Aparecem ali a disputa de Medina e o então governador Leonel Brizola, que ameaçou impedir a realização do festival às vésperas da estreia.




 
A eleição indireta de Tancredo Neves, primeiro presidente civil desde o início da ditadura militar em 1964, foi transmitida nos telões do festival e lembrada no palco por atrações como Lulu Santos e Barão Vermelho.

O Plano Collor e seus efeitos na economia em 1990 também aparecem lá. Da mesma forma, a indignação recente com os rumos do país estão registradas, como nota o autor. “O título de um dos últimos capítulos do livro é 'Ei, Bolsonaro, vai tomar no c*', grito recorrente na plateia em 2019.”

(foto: Globo Livros)

ROCK IN RIO A HISTÓRIA

Bastidores, segredos, shows e loucuras que marcaram o maior festival do mundo

• De Luiz Felipe Carneiro
• Globo Livros
• 504 páginas
• R$ 69,90
• R$ 39,90 (ebook)