Um dos maiores nomes da nouvelle vague e sinônimo no Brasil de filme cabeçudo, tanto que a Legião Urbana colocou a Mônica para ver um filme dele, Jean-Luc Godard morreu nesta terça-feira (13/9), deixando uma obra monumental.
Os exemplos de filmes dele que ditaram novos rumos para o cinema são vários — e parte deles está disponível on-line, no streaming ou para aluguel nas plataformas digitais. Confira a seguir 10 opções para assistir a um filme do Godard.
“ACOSSADO”
É um dos principais títulos da lista —e de toda a nouvelle vague, formada por jovens franceses que, depois de passarem anos escrevendo sobre cinema na revista “Cahiers du Cinéma”, decidiram fazer seus próprios filmes. No longa, Michel Poiccard fura uma blitz e mata um policial. Em Paris, encontra a estudante americana Patricia Franchini. Com ritmo frenético, trilha sonora que dita o ritmo caótico e cenas feitas em Paris sem permissão oficial, o filme tem lugar garantido nas listas de melhores de todos os tempos.
França, 1960. Com: Jean-Paul Belmondo, Jean Seberg, Daniel Boulanger. Para aluguel no YouTube (R$ 9,90) e Apple TV (R$ 14,90).
“CARMEN DE GODARD”
Neste filme vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza, Godard apresenta uma Carmen às voltas com uma gangue de assaltantes e com desejo de roubar um banco e passar a perna num tio —que surge num hospital, interpretado pelo próprio Godard. Nessa época, já fazia duas décadas que o diretor havia sacudido o cinema com "Acossado" e começava a ganhar ares de cineasta da antiguidade. Inesperado, "Carmen" recoloca o nome de Godard como figura contestadora.
França, 1983. Com: Maruschka Detmers, Jacques Bonnaffé, Myriem Roussel. No Looke.
“DUAS OU TRÊS COISAS QUE EU SEI DELA”
Godard definiu o filme desta maneira: "É a ideia de que, para viver na sociedade parisiense de hoje, em qualquer nível, a pessoa é forçada a se prostituir de uma maneira ou de outra. Ou então viver de acordo com as condições que se assemelham às da prostituição". Na produção, Juliette é uma dona de casa, casada, mas que divide seu dia a dia entre a família e a prostituição.
França, 1967. Com: Marina Vlady, Anny Duperey, Roger Montsoret. No Belas Artes à la Carte e no Mubi.
“EU VOS SAÚDO, MARIA”
O filme foi um marco cultural na segunda metade dos anos 1980 ao atualizar a figura da Virgem Maria e mostrar uma garota que engravida nos dias atuais sem ter feito sexo, como ocorreu com a mãe de Jesus. No Brasil, o então presidente José Sarney censurou o longa em fevereiro de 1986 —no que foi um dos últimos casos de censura oficial praticados pelo Ministério da Justiça no país, que caminhava para a democracia.
França, Suíça, Reino Unido, 1985. Com: Myriem Roussel, Thierry Rode, Philippe Lacoste. No Telecine.
“IMAGEM E PALAVRA”
Foi o último longa de Godard. O documentário foi recebido de modo díspare pela crítica, mas ganha importância fundamental na filmografia do cineasta com sua morte. Como diz o título, ele parte de montagens e colagens de imagens para produzir reflexões sobre o cinema e o próprio mundo. Com certo pessimismo, a produção que ganhou ares de testamento, costura guerras, a natureza, catástrofes ambientais e uma certa crueldade recheada de bombas.
França, Suíça, 2018. Na Apple TV (R$ 4,90), no YouTube (R$ 14,90) e no Amazon Prime Video (na assinatura do Reserva Imovision, que custa R$ 24,90/mês).
“UMA MULHER CASADA”
Feito com fragmentos narrativos e de imagens, o filme acompanha um dia de Charlotte, casada com um piloto de avião. O seu caso com o vizinho é mostrado a partir de pedaços e de uma colagem que une planos abertos e fechados, com zoom no rosto e em partes do corpo das personagens, num grande questionamento das diferenças entre o amor e o sexo.
França, 1964. Com: Bernard Noël, Macha Méril, Philippe Leroy. No Telecine.
“UMA MULHER É UMA MULHER”
Neste clássico, Jean-Paul Belmondo, ator que é um dos rostos da filmografia de Godard e que morreu no ano passado, contracena com Anna Karina —uma das musas das produções do diretor e que foi premiada em Berlim como melhor atriz por este filme. Na trama, que tece uma homenagem às comédias musicais da era de ouro de Hollywood, o personagem se envolve com a namorada do amigo, que está determinada a engravidar.
França, Itália, 1961. Com: Anna Karina, Jean-Claude Brialy, Jean-Paul Belmondo. No Telecine.
“MASCULINO-FEMININO”
Nesta produção, Godard partiu de referências como Guy de Maupassant e Marquês de Sade para construir a história de Paul, que abandona o serviço militar e se engaja na luta contra a Guerra do Vietnã. Mas essa é só a sinopse de uma produção que começa a se afastar dos preceitos da nouvelle vague e faz um emaranhado de referências a figuras célebres como Charles de Gaulle, James Bond e Bob Dylan.
França, Suécia, 1966. Com: ean-Pierre Léaud, Chantal Goya, Marlène Jobert. No Mubi.
“SYMPATHY FOR THE DEVIL”
O filme é mais do que um registro dos Rolling Stones ensaiando "Sympathy for the Devil" —é um ensaio do cineasta sobre o caudaloso ano de 1968. Enquanto fãs da banda veem de perto Mick Jagger, Keith Richards e os Stones no auge da forma e da contestação da contracultura, o cineasta faz uma colagem com jovens pichando muros e figuras como Che Guevara, Richard Nixon, Mao Tsé-tung, Barbarella e os Panteras Negras. É uma janela para o tal ano que não terminou.
Reino Unido, 1968. No Belas Artes à la Carte.
“TUDO VAI BEM”
É um dos principais títulos dos anos 1970. Com Jane Fonda, que interpreta uma jornalista americana que vive na França, o longa joga luz sobre a relação dela com o marido, um cineasta que vive das glórias de seus filmes elogiados do passado. Até que eles vão a uma fábrica que entra em greve. E, com uma câmera na mão, o casal mergulha na própria relação e na política do país.
França, Itália, 1972. Com: Yves Montand, Jane Fonda, Vittorio Caprioli. No Telecine.
Godard foi censurado no Brasil
A ousadia de Jean-Luc Godard despertou a censura da política brasileira. Em 1986, "Eu vos saúdo, Maria", um dos principais filmes do diretor, foi proibido no Brasil, seguindo as ordens do então presidente, José Sarney.
O pedido de censura havia sido feito pela Igreja Católica, para "assegurar o direito de respeito à fé da maioria da população brasileira". A obra foi considerada uma blasfêmia, porque recontava a história de Maria, mãe de Jesus, transpondo o roteiro para o século 20.
No filme, Maria era uma estudante que trabalhava num posto de gasolina e namorava um taxista de nome José. O personagem Tio Gabriel anuncia que a jovem, mesmo virgem, ficaria grávida. Além do próprio roteiro, as cenas de sexo revoltaram os fiéis.
"Eu vos saúdo, Maria" havia sido lançado na França no ano anterior. Sarney afirmou, na época, que o veto à obra se daria com "base na Constituição". Segundo ele, a decisão levou em consideração as orientações do próprio papa João Paulo II e da CNBB. Assim como o Vaticano, a entidade condenava o filme por "afrontar temas fundamentais da fé cristã, deturpando e vilipendiando a figura sagrada da Virgem Maria".
A censura provocou manifestações de artistas e intelectuais da época, contrariando até mesmo o próprio ministro da Justiça, Fernando Lyra, e o diretor da Censura, Coriolano de Loiola de Cabral Fagundes. O filme acabou estreando em 1988, no Rio de Janeiro, reunindo menos de cem pessoas em quatro salas de cinema.