A chegada da pandemia atrasou em um ano as comemorações pelos 30 anos de trajetória do grupo Armatrux, mas na noite deste sábado (17/9), finalmente, estreia, no Parque Municipal, “Nhoque”, espetáculo criado pela trupe para celebrar a efeméride. O musical marca a retomada da parceria com John Ulhoa, do Pato Fu, que rendeu o espetáculo-show “Armatrux, a banda”, em 2003.
Em cena, atores, uma banda de bonecos, projeções, dança e muita música. No repertório, que John assina juntamente com Richard Neves (também integrante do Pato Fu), estão clássicos de Tim Maia, Vander Lee, Sidney Magal e Evaldo Braga, além de composições autorais feitas pela dupla especialmente para o espetáculo. A direção geral é de Paula Manata, uma das fundadoras do Armatrux, que, pela primeira vez em 30 anos, assume essa função no grupo.
Ela considera que, por um lado, “Nhoque” é emblemático da história da trupe, por tratar-se de um espetáculo de rua, o que remonta às origens do Armatrux. Por outro, o musical funciona como uma espécie de síntese, na medida em que trabalha com as várias linguagens que o grupo experimentou e aprimorou ao longo dos anos: a dança, o teatro físico, a música, a manipulação de objetos e de bonecos.
“É um espetáculo que representa muito o Armatrux, primeiramente porque é de rua, e fazer na rua não é fácil, porque estamos sujeitos ao acaso; pode chover, por exemplo. A proteção que o palco italiano, o teatro, dá para o ator e para o espetáculo, a rua tira. Ela abre e, nesse sentido ela também quebra a quarta parede, rompe com as diferenças, é muito democrática e muito especial. Começamos na rua e, agora, depois da pandemia, a gente volta para a rua”, diz.
''Na rua não é fácil, porque estamos sujeitos ao acaso; pode chover, por exemplo. A proteção que o palco italiano dá para o ator, a rua tira. Ela abre e ela também quebra a quarta parede, rompe com as diferenças, é muito democrática e muito especial. Começamos na rua e, agora, depois da pandemia, a gente volta para a rua''
Paula Manata, integrante do Armatrux e diretora do espetáculo
Mote para a criação
Paula observa que “Armatrux, a banda” é um dos espetáculos do repertório do grupo que mais recorrentemente volta à baila, e diz que esse foi um dos motes para a criação de um musical para comemorar as três décadas de trajetória. Ela conta que já vinha conversando com John há mais tempo – “Porque não faria sentido fazer com outra pessoa”, conforme aponta –, mas que a agenda do músico estava sempre lotada.“No fim de 2019, ele disse que, em 2020, poderia se dedicar a isso. Escrevemos o projeto, aprovamos, conseguimos captar e, na hora de fazer, veio a pandemia. O lado bom é que John teve muito mais tempo para poder trabalhar. Começamos pela trilha, fazendo a distância, conversando muito”, relata.
Ela conta que, primeiro, vieram as composições autorais e depois, a partir delas, foi feita uma seleção da obra de outros autores. O espetáculo não tem propriamente uma história, segue mais a estrutura de um show, mas há uma dramaturgia contida nas músicas, tanto nas letras quanto na forma como estão encadeadas.
Situação do artista
“As músicas que John e Richard fizeram falam da situação do artista nesse contexto atual. A pandemia foi importante para essa reflexão sobre o porquê da arte. Qual é o nosso papel? Vai ter teatro? O teatro vai acabar? ‘Ah, mas você faz o quê além do teatro’? Me fiz essas perguntas várias vezes ao longo da pandemia. São questionamentos que nortearam as composições”, diz Paula.Ela destaca que os temas alheios, da lavra de outros autores – como “Escrito nas estrelas”, “Meu sangue ferve por você”, “Sossego”, “Sorria, sorria” –, costuram o roteiro embutido nas composições de John e Richard feitas para o espetáculo.
“As músicas carregam uma dramaturgia que passa por essas questões acerca do que o artista é, o que ele faz, qual seu papel”, diz, acrescentando que o musical também é pontuado por textos da atriz Raquel Pedras, que ajudam a construir poeticamente um panorama em torno dessas questões.
A trupe – formada por Tina Dias, Cristiano Araújo, Rogério Araújo, Paula Manata, Raquel Pedras e Eduardo Machado – é reconhecida nacionalmente por seu trabalho com os bonecos, muito em razão de “Armatrux, a banda”, que rodou o país. Em “Nhoque”, esse trabalho se desdobra e ganha outra dimensão, segundo a diretora do espetáculo.
''Criamos uma ilusão para o público, numa grande brincadeira, em que ora o boneco é o ator, ora o ator é o boneco. Tem também boneco tradicional de fio, de balcão, mas há nesse espetáculo uma presença maior do ator, que, além de manipulador, também está em cena cantando e dançando''
Paula Manata, integrante do Armatrux e diretora do espetáculo
Presença do ator
“Eventualmente, partes do corpo dos atores completam os bonecos e vice-versa. Criamos uma ilusão para o público, numa grande brincadeira, em que ora o boneco é o ator, ora o ator é o boneco. Tem também boneco tradicional de fio, de balcão, mas há nesse espetáculo uma presença maior do ator, que, além de manipulador, também está em cena cantando e dançando”, observa.Além de Tina Dias, Raquel Pedras, Cristiano e Rogério Araújo, “Nhoque” conta com a adesão de outros atores – Diony Moreira, Y.umi e Pablo Xavier, que também se desdobram em várias funções. O espetáculo traz, ainda, a participação especial da cantora Júlia Tizumba, no papel de Mafalda Jackson, uma das integrantes da banda de bonecos formada por DJ Montana (DJ, tecladista e vocal), Tenório Jackson (vocalista), Jão D’Jones (guitarra e vocal), Noel (baixo e vocal) e Cabeça e Mentalidade (cantores convidados).
Os bonecos foram criados pelo designer e desenhista Conrado Almada e confeccionados pelo bonequeiro Dudu Félix, do grupo Pigmalião Escultura que Mexe. Paula Manata divide a direção de arte com Rogério Araújo e Cristiano Araújo, que, por sua vez, também assina o desenho de luz. A concepção do cenário é de autoria de Camila Buzelin; os figurinos, de Rimenna Procópio e coreografias de Eliatrice Gischewski.
Gratidão e satisfação
Paula destaca que o sentimento de completar 30 anos de história com o Armatrux é de gratidão e de satisfação. Ela defendeu recentemente sua dissertação de mestrado sobre o teatro de imagens na trajetória do Armatrux, que demandou uma revisão de trabalhos antigos. A percepção que isso lhe deu foi a de ter contribuído não só para a construção da linguagem cênica, mas também para com a cidade.“É muito boa a sensação de ter feito algo que deu esperança para a pessoa, que a fez rir, chorar ou sentir nojo, como no caso de ‘No pirex’ (espetáculo de 2009). O teatro é a arte que é ao vivo, só acontece naquela hora, então acho muito bom”, diz, destacando também o prazer de trabalhar em grupo.
“A gente não tem um diretor, mas temos vários parceiros, como o Eid Ribeiro, que costumamos dizer que é nosso mestre, com quem trabalhamos de forma recorrente. E tem os novos artistas, bem jovens, que a gente convidou para participar, porque dá um oxigênio para a companhia. É um aprendizado diário”, sublinha.
A artista conta que um novo projeto com Eid paira no horizonte: trata-se de um filme, o primeiro do grupo, que parte de “No pirex”. “Já estamos com um roteiro pronto e temos entrado em editais para viabilizar a produção”, diz.
“NHOQUE”
Musical do Grupo Armatrux. Estreia neste sábado (17/9), às 19h, no Parque Municipal (Av. Afonso Pena, 1.377, Centro). Entrada gratuita, com abertura dos portões e retirada dos ingressos 1 hora antes do início do espetáculo