Com longa e premiada carreira no teatro, a diretora, atriz e dramaturga Isabel Teixeira estreou no universo das novelas há relativamente pouco tempo, em 2019, como a Thelma de “Amor de mãe” (Globo). Agora no papel de Maria Bruaca no remake de “Pantanal”, ela desfruta de popularidade sem precedentes, na esteira do sucesso da personagem.
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É complexo. Acho que sucesso é como o seu trabalho ressoa nas pessoas. Por que essa personagem mexeu tanto com tanta gente? Tem várias maneiras de responder, mas a que gosto mais é: porque é uma personagem que passa por uma transformação que é sublinhada. Não é uma transformação em aquarela, aguada; é uma transformação em cores fortes. Acho que isso movimenta as pessoas hoje em dia, essa vontade de mudar. A história, a narração, é exemplar, e isso é da cultura mesmo: conto uma história para você na roda de conversa da nossa aldeia, e essa história te faz pensar sobre você mesmo, sobre como você está vivendo, como funciona sua comunidade. E aí você constrói, com livre arbítrio, sua ideia sobre o que foi dito. A história deixa tudo meio em aberto, não é um panfleto, não diz o que é certo e o que é errado. Exemplarmente, é a história dessa mulher que vive a relação abusiva sem ter referência do que seja isso. A Guta é quem vai dizer para ela que aquilo não está certo, e daí alguma coisa começa a acontecer na cabeça da personagem. Depois, tem a falha trágica, descobrir que o marido tem outra família. E ela vai descobrindo a própria sexualidade, que estava ali abafada. A gente estava vendo aquela situação e querendo que ela reagisse; começou a ter uma torcida para isso.
Como o público feminino tem recebido a sua personagem? Maria Bruaca carrega um subtexto de empoderamento?
Poder é uma palavra muito perigosa, porque isso pode virar soberba, e acho que vira mesmo num determinado momento. No começo da novela, Maria Bruaca maltratava o Alcides. O sonho do oprimido é ser o opressor. O que acontece com ela é um restauro, é um caminho que ela encontra. A vida que você está vivendo é a que você queria ou a que disseram que é para você viver? A vida é uma só, e nunca é tarde para você pedir suas contas e começar seu próprio negócio. Isso é empoderamento: é você escutar o seu mais secreto coração, o que é silencioso e solitário. A Bruaca falava que o importante era estar casada. Mas quem disse que isso é importante? Se há um subtexto de empoderamento, é nesse sentido.
O assédio das pessoas na rua aumentou? Como você lida com a popularidade?
Costumo dizer que adoro quando a peça acaba e vou para o hall do teatro, encontro um amigo, encontro gente que não conheço, converso com um, com outro. Agora parece que a rua virou o hall de teatro, e eu adoro. Curioso é que as pessoas não me reconhecem muito não, sabe? Ou são muito tímidas. Mas às vezes reconhecem, e se me param na rua e vêm conversar comigo, dou corda, porque sou meio mineira também, adoro prosear. De repente, você está andando na rua, a pessoa troca um olhar com você e faz uma cara de “ah, que legal”, e aí eu também faço a cara de “ah, que legal”, porque vejo que a comunicação da personagem com o público acontece. Mas em relação ao teatro, esse reconhecimento só muda na proporção, porque agora estou falando para muita gente.
Você estreou em novelas com “Amor de mãe”, em 2019. O que tem achado da experiência da teledramaturgia?
Estou apaixonada, com a mesma paixão que senti quando entrei na Escola de Arte Dramática, com 19 anos. Estou apaixonada pela velocidade com que as coisas acontecem, pelo fazer junto, porque é muito coletivo. O teatro também é coletivo, mas aqui é uma aventura, é um programa do MacGyver onde todo mundo é o MacGyver. Estou muito apaixonada pelo jeito como a direção é conduzida, pela extensão da novela, por essa ideia de que não vou repetir, vou para a frente, e também pela forma como a relação entre os personagens vai mudando. A partir do momento em que entro pela portaria, já estou delirando de achar bom, e isso para mim é o sucesso. Quando você vive o dia como um dia belo e útil, não importando o que você faça – você pode ter um dia belo e útil na sua padaria, se é pão o que você ama fazer –, isso é o sucesso. Eu vivo o sucesso já há algum tempo na vida, e agora, de novo, estou vivendo o sucesso, apaixonada por um veículo e por um jeito de produzir que tem qualidade, tem excelência. Estou aprendendo muito. A dramaturgia de novela exige muito fôlego. Tenho repetido isso: acho que autor de novela tinha de estar na Academia Brasileira de Letras. Estou apaixonada pela teledramaturgia, sim, e quero estudar muito isso, que vem de longe, vem do melodrama. Balzac escrevia novela no jornal, Dostoievski também, quer dizer, tem tradição e é popular, é para todo mundo, então estou amando.
Você começou a atuar no teatro ainda criança. Já sabia ou intuía que seria atriz?
Não, inclusive não me considero atriz, porque essa denominação leva à ideia de um jeito de trabalhar no mercado. Em qualquer profissão você aprende o jeito de se inserir no mundo exercendo aquele ofício. Eu não me movimento a partir do mercado, me movimento a partir de dentro, do que chamo de ateliê íntimo. Minha relação sempre foi com a palavra, com o que me movimenta, me deixa viva, então isso não é só o teatro, isso foram as artes plásticas, isso é a escrita. Inventei muitas vezes um mercado para habitar. Quando fiz “Rainha(s), duas atrizes em busca de um coração”, com direção de Cibele Forjaz, fui ser produtora, porque não ia pedir para ninguém e nem ficar esperando para fazer a peça. Se o teatro acabar um dia, vou continuar trabalhando, porque ele é um veículo, como a TV é um veículo, como o livro é um veículo – tenho uma editora, inclusive. Tenho um monte projetos nas gavetas. Eu me pergunto o que quero fazer, não espero que me chamem.
Ao longo de mais de três décadas de teatro, há algum espetáculo ou momento particularmente marcante?
Todos. Não estou brincando. Todos, justamente pensando na resposta anterior, porque todos os trabalhos partem de uma coerência muito íntima minha. Eu sou porosa, escuto muito o acaso. Fiz umas 30 peças como atriz, diretora ou dramaturga, e todas tiveram importância dentro desse conjunto. Quando fiz “Rainha(s)”, tinha 34 anos, e foi muito importante para mim, em termos de descobertas, de escrita; são coisas que trago comigo até hoje. Descobri muita coisa nessa peça, mas aí também fiz “A gaivota”, de Tchekhov, com direção do Enrique Diaz. Com essa peça, que rodou o mundo, me dei conta de que nunca tinha saído do Brasil como turista, sempre foi a trabalho. Conheci o mundo pela plateia que vinha ver os espetáculos, e isso é lindo, é minha vida. Sou muito orgulhosa disso. Todas as peças que fiz são muito importantes para mim, mesmo as pequenas, como “Objeto-conferência para inventário inacabado”, também sob direção da Cibele Forjaz – fizemos em uma garagem, era só eu em cena.
Das funções que você exerce no teatro – dirigir, escrever, atuar –, alguma dá mais prazer?
É o texto. Faço a novela prestando atenção no texto. Meu lance é a palavra. Se me perguntar o que sou, respondo que sou uma escritora de diários, e o diário pode ir para várias plataformas.
Você vem de família de músicos e dirigiu alguns espetáculos musicais, com Zélia Duncan, por exemplo. Qual é a sua relação com a música?
Dirigir shows é uma coisa que amo fazer. E a Zélia também é escritora, é uma poeta incrível, acabou de lançar o livro “Benditas coisas que eu não sei”, então trabalhar com ela é trabalhar na dramaturgia do show. É a palavra que leva o show. O fato de ser filha de músico faz com que eu fique antenada nisso, a despeito de não ter convivido muito com minha família de músicos. Convivi mais com minha mãe, que era atriz, mas a música está na raiz. Toco violão, piano, flauta transversal, canto, mas não sou musicista, isso faz parte da minha vida. Villa-Lobos tinha a utopia de que a música fizesse parte da vida de todo mundo, que fosse ensinada nas escolas. Dirigir show é uma coisa que entendi que tinha facilidade para fazer. Sei a afinação do violão de ouvido, sei o som dos intervalos entre as cordas.
Você tem no currículo algumas atuações no cinema. Entre televisão, teatro e cinema, há uma preferência?
Cinema, considero que não fiz ainda. Esse sentimento aumentou a partir do convívio com Dira Paes; ela viveu o cinema, a escrita dela foi pelo cinema. Quero vivenciar isso também, essa imersão. É uma área que não explorei, mas gostaria muito.
Você vai interpretar Marília Mendonça no cinema?
Não. Isso sai direto na mídia, toda semana. Acho uma coisa tão interessante, porque nunca fui sondada para fazer, mas tem aí uma questão muito louca: Marília Mendonça morreu com 26 ou 27 anos, eu tenho 48, então seria o quê? A vida que ela não viveu? Como contar a história de uma pessoa real bem mais nova do que eu? Amaria fazer, mas como seria isso? Eu, mais velha, fazendo ela mais jovem e tudo bem? Acho instigante, mas não estou sabendo que vou fazer não. Só vejo as notícias por aí.