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Estado de Minas ARTES CÊNICAS

No solo "Ela", Vina Amorim traduz em dança sua experiência do luto

Artista criou a coreografia a partir da perda da irmã e da avó e de suas reflexões sobre as consequências da pandemia, que chamou de 'dororidade'


19/09/2022 04:00 - atualizado 18/09/2022 18:39

Vestida de branco, a bailarina Vina executa trecho da coreografia de 'Ela', em imagem desfocada
A polaridade entre a ausência e a presença é um dos temas que impulsionaram Vina Amorim a conceber a coreografia em que desenvolve um gestual sobre a morte (foto: Noah Mancini/Divulgação)


Pesquisar as metáforas da doença, da morte e do luto dentro de episódios autobiográficos e da arte do butô, movimento japonês conhecido como a dança da escuridão, foi a linha de mestrado seguida pela artista Vina Amorim. O espetáculo "Ela", que será apresentado nesta terça-feira (21/9), no Teatro Espanca!, é resultado dessa pesquisa.
 
Todo o processo foi atravessado pelas perdas de sua irmã e de sua avó e também pela reação emocional da artista aos desdobramentos do período da pandemia, especialmente em relação a mulheres negras e travestis, promovendo um deslocamento do conceito de sororidade para “dororidade”.
 
"Se a metáfora é algo que diz de alguma outra coisa, a própria linguagem já é uma metáfora de um conceito, de uma ideia. O gesto, quando eu mexo minha mão, balançando e que dá a entender, mais ou menos, é um metáfora de algo que eu estou tentando dizer. Tentar expressar em dança, em imagem, é produzir a morte, produzir a doença, produzir o próprio luto como um gesto," afirma Vina.

Para ela, a possibilidade do gesto é sempre ser um significado aberto. Nesse sentido, ela dança sua irmã, dança diversas outras pessoas que lhe são próximas, dança sua própria transição de gênero, uma morte, mas não uma morte que se finda, que é esquecida, e sim uma morte que suporta uma outra vida.
 

"Quando a gente morre é muito grande, né? A morte. É muito interessante pensar que, quando a gente está doente, quando a gente está com febre, a gente vive a cada minuto aquela febre. Quando a gente está com dor de cabeça, a vida não passa sem a gente se perceber. A gente não está anestesiada da dor e, às vezes, nem dor é, é só uma sensação"

Vina Amorim, artista

 
 
"Metaforizar isso em gesto é se colocar em vida com a mesma magnitude que a gente vai estar quando morto. Quando a gente morre é muito grande, né? A morte. É muito interessante pensar que, quando a gente está doente, quando a gente está com febre, a gente vive a cada minuto aquela febre. Quando a gente está com dor de cabeça, a vida não passa sem a gente se perceber. A gente não está anestesiada da dor e, às vezes, nem dor é, é só uma sensação."

Transferir esses sentimentos, para ela, é dançar cada milésimo de vida, de carnalidade e musculatura, percebendo a morte com outros olhos que não só com a tristeza. Vina admite que o espetáculo é nitidamente melancólico e triste, mas com uma potência de fazer as pessoas serem tocadas. 
 
"Enquanto eu estou dançando, parece que todas essas coisas estão dançando na minha cabeça, e eu danço." Vina batiza seus movimentos como coreodramaturgia, um corpo-ação-escrita. Antes de dançar, ela repassa como o corpo irá se mover a partir de uma escrita aberta, mas que deverá chegar a lugares pre-estabelecidos para luz, som e projeção, a fim de a obra artística se fechar. No butô não há passos em si, mas imagens. Uma delas é a imagem da muçulmana.
 
"A imagem da muçulmana tem certos movimentos nos quais eu quero chegar, mas como eu chego até ali, como se dá o tensionamento, a carnalidade, a vivacidade, tem entremeios que mudam," conta. "Tem uma fala clássica do (Tatsumi) Hijikata (1928-1986), fundador do butô, que diz que a dança é uma secreção do corpo. Ao dançar uma imagem orgânica ou inorgânica, concreta ou abstrata, como a muçulmana, por exemplo, o corpo, ao dançar essa imagem, entra em colapso e secreta o movimento. É quase como se fosse um pus, que precisa sair. Ele chega até a pele, explode e dali sai o movimento."
 
O encontro da artista com o butô se deu a partir de trabalho realizado no coletivo Anticorpos – Investigações em Dança, grupo de pesquisa vinculado à Universidade Federal de Ouro Preto, e sua vontade de pesquisar sobre os movimentos do corpo. O nome do espetáculo surgiu no ano passado, no processo de inscrição para se apresentar na Itália.


Solo inspirado no butô

"Me veio à cabeça que 'Ela' é minha irmã. Tem uma coisa que o Hijikata conta e que me deu o insight para começar a criar, que a maior professora de dança dele foi sua irmã morta. Ele dizia que, se quisesse ficar de pé, a irmã queria sentar. Se ele quisesse caminhar, a irmã queria ficar parada. Se a irmã dele queria dançar, ele não sabia como dançar, e assim ia tentando se relacionar com ela. Quando eu vi minha irmã morrer, eu falei que ela não estava indo, que não tem essa coisa de ela ter ido embora ou que ela está em outro plano." 
 
Vina prefere pensar que sua irmã, a todo momento, está lhe ensinando a dançar e a estar presente no mundo, a lidar com o feminino e o masculino. 
 
"Quando a gente pensa em morte, a gente pensa em ausência, mas toda vez que algo está ausente, quando você vê uma estátua e falta um braço, aquela ausência te faz completar em presença. Você completa a presença daquela ausência. É presença, e ausência. São várias partes de um feminino. Foi assim que veio 'Ela'", afirma.


“ELA”

Espetáculo de dança com Vina Amorim. Direção e dramaturgia: Éden Peretta. Teatro Espanca. (Rua Aarão Reis, 542, Centro). Nesta terça 
(21/9), às 19h30 e às 21h. Ingressos: de  R$ 10 a R$ 30, à venda no site Sympla  

*Estagiário sob supervisão da editora Silvana Arantes


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