Exibida no Brasil pelo canal de streaming Star+ desde 25 de agosto, quando os dois primeiros episódios entraram no ar sem nenhum alarde, "Mike: Além de Tyson", produção original do canal americano Hulu, desagradou ao seu protagonista antes mesmo da estreia.
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A ver o que ele dirá quando sair a outra minissérie baseada em sua vida que está sendo produzida, com Jamie Foxx no papel principal e Martin Scorsese na produção, ainda sem data de lançamento.
Mas, no caso de "Mike: Além de Tyson", pelo menos um aspecto realmente provoca es- tranhamento. A minissérie tem como espinha dorsal um monólogo que o ex-lutador apresentou de verdade na Broadway e em Las Vegas, em 2012, chamado "Undisputed truth", ou “verdade indiscutível”, que virou um especial da HBO no ano seguinte, produzido por Spike Lee.
Ou seja, esta é uma minissérie não autorizada feita a partir de um monólogo autoral, em que o sujeito/objeto de análise fala diretamente com a plateia, e diz a verdade, toda a verdade, e nada mais que a verdade, em uma hora e meia.
Para transformar esse material em oito episódios de meia hora cada um, ou seja, em mais ou menos quatro horas de TV, é preciso de muito material de apoio. Se fosse um documentário, seria fácil entender. Não sendo, fica mesmo no ar o que aconteceu realmente e o que foi inventado para conquistar o público dos nossos tempos, mais disperso e mil vezes mais escolado que em qualquer outra época em cenas de violência, fama, dinheiro, mulheres, prisão, golpes e todos os altos e baixos por que passou o lutador de boxe.
Mike Tyson
Ainda assim, para quem viveu – ou ouviu falar de – o final dos anos 1980 e 1990, pelo menos até 1997, quando Mike Tyson arrancou com os dentes um pedaço da orelha de Evander Holyfield no terceiro round de uma revanche, é quase impossível resistir a essa minissérie, que pretende esmiuçar da infância pobre até o auge, a decadência, a volta por cima e a tragédia pessoal, não necessariamente nessa ordem.
As lutas de Mike Tyson costumavam ser um tipo de espetáculo que juntava na frente da TV – e ao vivo, nos ringues em que se apresentava para quem pagava milhares de dólares pelos ingressos, sempre disputados – gente de todas as idades, mesmo quem não dava a mínima para o esporte. Eram confrontos imperdíveis, como um eclipse ou uma chuva de meteoros.
Ele era imbatível, feroz, veloz, temido, implacável. Era comum que se organizassem festas para assistir àqueles shows animalescos, que às vezes duravam poucos segundos. Mike Tyson nocauteava a maioria dos seus oponentes nos primeiros rounds. Ninguém jamais havia visto um lutador como ele.
Por outro lado, bastava ouvir sua voz fina e observar seus gestos desengonçados e estranhamente delicados para perceber que por trás – ou por dentro – daquela imensa camada de músculos havia uma pessoa frágil e escangalhada pela vida.
Precoce
Interpretado com empenho pelo ex-atleta de 22 anos Trevante Rhodes, de "Moonlight", vencedor do Oscar de melhor filme em 2017, Tyson foi precoce em tudo. Começou a roubar casas aos 8 anos no Brooklyn, bairro de Nova York onde nasceu e foi criado. Até completar 12 anos, foi preso 38 vezes.
Foi na prisão que conheceu o boxe, aos 11 anos. Aos 15, já era peso-pesado, categoria dos lutadores com mais de 100 quilos. Aos 20, virou campeão mundial. Aos 25, milionário e famoso, foi acusado de estupro pela candidata a miss pelo estado de Rhode Island Desiree Washington, de 18 anos.
Condenado a seis anos de prisão, cumpriu metade da pe- na. Foi libertado por bom comportamento em 1995. Conheceu e se converteu ao islamismo nesse período, que lembra como um dos melhores de sua vida.
Seu nome poderia estar no dicionário como a definição de um anti-herói. Um demônio em forma de homem, por quem é inexplicavelmente impossível não torcer. (Teté Ribeiro/Folhapress)