"Não basta ter cinema aberto. Tem que ter algo para exibir. Não só não temos filmes grandes, mas também não temos médios e pequenos. A falta de produto e o atraso na oferta desse produto têm impedido as salas de funcionarem no mesmo ritmo de 2019"
Caio Silva, diretor-executivo da Associação Brasileira das Empresas de Multiplex (Abraplex)
Com a melhora nos números da pandemia, as restrições impostas aos cinemas foram flexibilizadas, mas a volta do público à sala escura ocorre a passos lentos e ainda não alcançou o patamar registrado antes da crise sanitária.
Pesquisa feita pelo Datafolha, a pedido do Itaú Cultural, mostra que 90% dos entrevistados reduziram a frequência com que iam ao cinema. A pesquisa ouviu 2.240 pessoas das cinco regiões do Brasil e de todas as classes econômicas.
Para Tiago Mafra, diretor da Agência Nacional de Cinema (Ancine), uma das explicações para esse cenário é a baixa oferta de filmes, sobretudo de blockbusters, que arrastam milhões de pessoas aos cinemas.
Mafra explica que, durante a pandemia, os estúdios se viram obrigados a adiar o lançamento de filmes ou a colocá-los em serviços de streaming. Filmagens também precisaram ser suspensas em razão da crise. Com isso, houve uma redução na oferta de longas nos cinemas quando eles reabriram.
"Como há poucos filmes, isso gera um impacto grande para as exibidoras em relação ao público e à bilheteria. O represamento e o adiamento são fatores que explicam por que não retornamos aos números pré-pandêmicos."
Embora estejam se recuperando, os cinemas do país ainda não conseguiram repetir os resultados de antes da pandemia.
"O mercado está em franca recuperação. São níveis que ainda estão aquém dos de 2019, mas acreditamos que, no curto prazo, voltaremos ao patamar pré-pandêmico"
Juliano Russo, diretor comercial e de marketing da Cinépolis
PROPORÇÃO
Segundo dados da Ancine, até julho deste ano, os cinemas receberam um público 12% maior do que o registrado em todo o ano passado, mas 50% menor em comparação aos sete primeiros meses de 2019. Até julho daquele ano, o total de espectadores foi de 114 milhões, ante 58 milhões neste ano.
"Não basta ter cinema aberto. Tem que ter algo para exibir", diz Caio Silva, diretor-executivo da Abraplex, associação que reúne exibidoras como Cinemark, Cinépolis e UCI Cinemas. De acordo com ele, o número atual de espectadores é proporcional à oferta de filmes em cartaz.
"Não só não temos filmes grandes, mas também não temos médios e pequenos. A falta de produto e o atraso na oferta desse produto têm impedido as salas de funcionarem no mesmo ritmo de 2019."
O volume de filmes não voltou aos índices registrados antes da pandemia. Em 2019, foram 452 títulos lançados no país, número que caiu para 174 em 2020. A previsão para este ano é que sejam lançados 347 longas até dezembro, segundo dados da Ancine.
"O nosso desafio é trazer o público que tem mais de 50 anos. Essas pessoas criaram o hábito de ficar muito dentro de casa, deixando de ir ao cinema ou a restaurantes"
Patricia Cotta, gerente de marketing da Kinoplex
De acordo com Caio Silva, as exibidoras acabam sentindo no bolso a falta de grandes títulos. "Estão com o fluxo de caixa negativo, porém administrável. Hoje, é possível suportar as despesas", diz ele, acrescentando que um ponto que preocupa é a relação com os shoppings, centros que abrigam boa parte das salas de cinema do país.
"Muitos deles quiseram recuperar o valor do aluguel, como se o movimento tivesse voltado ao normal. Isso tem gerado um certo debate entre as redes [exibidoras] e os shoppings", diz.
Para ajudar o audiovisual durante a pandemia, o Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual, órgão vinculado ao Ministério do Turismo, disponibilizou uma linha de crédito de R$ 400 milhões e lançou um programa de ajuda ao pequeno exibidor no valor de R$ 8,5 milhões.
Além da queda na oferta de lançamentos, mudanças de hábito provocadas pela pandemia desafiam o setor. É isso o que afirma Patricia Cotta, gerente de marketing da Kinoplex, rede que tem mais de 200 salas de cinema espalhadas pelo Brasil.
"Como há poucos filmes, isso gera um impacto grande para as exibidoras em relação ao público e à bilheteria. O represamento e o adiamento são fatores que explicam por que não retornamos aos números pré-pandêmicos"
Tiago Mafra, diretor da Agência Nacional de Cinema (Ancine)
HÁBITO
"O nosso desafio é trazer o público que tem mais de 50 anos. Essas pessoas criaram o hábito de ficar muito dentro de casa, deixando de ir ao cinema ou a restaurantes", diz ela, acrescentando que outro entrave é a crise econômica.
"A maior parte do nosso público é formada por jovens. Para eles, a crise é mais forte do que a pandemia em si. Eles se perguntam: 'Vai sobrar dinheiro para eu me divertir?'."
Para enfrentar esse problema, a executiva diz que a empresa apostou em promoções e que a procura tem sido tanta que até fez o espectador mudar hábitos.
Segundo ela, os dias promocionais, que acontecem entre segunda e quinta-feira, têm tido mais público do que o fim de semana, período em que tradicionalmente os cinemas costumavam lotar mais.
"O nosso exercício diário é levar cinema para todos, porque muitas pessoas tiveram salários suspensos ou perderam o emprego na pandemia. Com isso, sobrou pouco dinheiro para o lazer."
OFERTA
Para atrair o público, a empresa criou o Kinopass, oferta na qual o cliente compra cinco entradas de uma vez por um preço menor, e a Dobradinha Kinoplex, em que o espectador compra um ingresso e ganha mais um de graça.
Outra rede que apostou em promoções foi o Grupo Estação Net, empresa que tem 15 salas no Rio de Janeiro e se firmou no mercado por exibir filmes nacionais e independentes.
"É a primeira vez em 40 anos de existência que a gente percebe uma sensibilidade grande do público em relação a preços", diz Adriana Rattes, diretora-executiva do Estação. Segundo ela, os dias promocionais também costumam atrair um número maior de pessoas.
"Elas estão com pouco dinheiro. No final do mês, cai o público. Sempre foi assim, mas tenho notado uma queda mais aguda."
Uma questão que preocupa o mercado é a escassez de blockbusters nacionais, como o "Minha mãe é uma peça 3", do ator Paulo Gustavo, morto em 2021 por complicações da COVID-19.
O filme levou mais de 8 milhões de pessoas aos cinemas e representou cerca de 98% do público total dos filmes nacionais em 2020, ano em que os cinemas fecharam em razão da pandemia.
"O Paulo Gustavo foi uma perda gigantesca, porque levava milhões para os cinemas. A gente sente falta dos grandes filmes nacionais", diz Patricia Cotta, da Kinoplex.
Apesar disso, ela diz que o mercado enxerga 2023 como o ano da retomada, processo que deve começar com o lançamento de "Avatar 2", previsto para dezembro deste ano.
O longa promete ser um arrasa-quarteirões. "A gente tem uma expectativa boa para 2023, porque tem muito blockbuster. O ano que vem é promissor."
Quem também está esperançoso é Juliano Russo, diretor comercial e de marketing da Cinépolis, considerada a maior operadora de cinemas da América Latina, com mais de 400 salas no país. "O mercado está em franca recuperação. São níveis que ainda estão aquém dos de 2019, mas acreditamos que, no curto prazo, voltaremos ao patamar pré-pandêmico", afirma. (Folhapress)