Entre 2001, quando editou seu primeiro livro, e 2010, quando ganhou visibilidade ao publicar "Meio intelectual, meio de esquerda", a coletânea de crônicas urbanas sobre a vida como ela é, o roteirista Antonio Prata olhava para a política com o viés de um bate-papo de botequim.
Sua especialidade era tratar de assuntos e personagens cotidianos que orbitavam ao redor de sua bolha e, talvez por isso, conquistando um número fiel de seguidores, que não só passaram a consumir seus livros, como sua coluna no jornal “Folha de S.Paulo”, e os trabalhos que fez para a TV Globo, a maioria como colaborador.
Entretanto, ao enxergar um movimento incomum nas manifestações de 2013, que culminariam, dois anos depois, no impeachment da presidente Dilma Rousseff, Prata decidiu se dedicar a lançar seu olhar irônico para a política brasileira, analisando desde a saída da petista da Presidência da República, até a eleição de Jair Bolsonaro e tudo o que define o movimento bolsonarista na sociedade e nas redes.
"Me causa uma indignação perpétua a realidade brasileira que se acentua de 2013 em diante", diz. "Eu não costumava escrever sobre política, era muito raro, mas ficou muito difícil não tocar no assunto."
Essa mesma indignação deu origem a "Por quem as panelas batem", coletânea que reúne as crônicas publicadas pelo autor no jornal entre 2013 e 2022. "Tem um arco narrativo de 2013 para cá, então eu peguei as crônicas mais evidentemente políticas, que falam de uma política institucional, e fui selecionando as que faziam mais sentido e as que estavam mais bem escritas retratando eventos importantes."
Indignação seletiva
O livro é composto por 60 textos, entre eles o que dá nome à publicação, que expõe uma radiografia da indignação seletiva do brasileiro, capaz de bater panelas para um pronunciamento de Dilma, mas não pelo desaparecimento e morte do pedreiro Amarildo, por exemplo."Eu estava muito pessimista uns anos atrás, porque aquele discurso que nasce com Gilberto Freyre, que transforma a miscigenação numa promessa e, de certa forma, é retomado pela antropofagia e atravessa todo o século 20, bateu num muro, né? Porque se revelou nesses últimos anos, com a eleição de Bolsonaro, que é mentira essa mistura harmônica, e que o discurso da democracia racial cabia muito mais para o Leblon do que para a favela da Maré."
O autor, entretanto, passou a enxergar uma redefinição do que chamou de "potência brasileira", e isso está retratado em "Por quem as panelas batem".
"Existe uma certa possibilidade de transformação da tragédia em beleza que a gente tem que ressignificar. Não adianta fazer essa transformação se não tem escola, se não tem educação para 90% da população, senão fica uma coisa que só faz sentido no apartamento da Nara Leão em Ipanema."
"Eu acredito que tem um combustível para a gente transformar o Brasil, e eu falo disso escrevendo porque é a voz que eu tenho. Não sei se tenho como furar a bolha, mas é sempre uma tentativa, e eu escrevo crônicas políticas pensando em convencer as pessoas, e não vai ser chamando quem votou no Bolsonaro de imbecil, de burro. Eu quero sempre trazer essas pessoas para o lado de cá."
"POR QUEM AS PANELAS BATEM”
• Antonio Prata
• Companhia das Letras (320 págs.)
• R$ 59,90