Jornal Estado de Minas

MEMÓRIA

Pharoah Sanders deixa legado singular para o universo do jazz


No fim de semana, o jazz perdeu uma de suas lendas. O saxofonista Pharoah Sanders, de 81 anos, morreu em sua casa, em Los Angeles, no sábado (24/9). De acordo com a gravadora Luaka Bop, ele faleceu “em paz, ao lado da família e dos amigos”.





Discípulo de John Coltrane, Sanders levou o free jazz a novos patamares. Praticamente atacava o saxofone, soprando excessivamente a boquilha, mordendo a palheta e até mesmo gritando na campana do instrumento.

Eram dele os solos agressivos no último álbum de Coltrane, “Live in Japan”. Aliás, Pharoah Sanders foi apontado muitas vezes como o sucessor de seu mestre, que morreu subitamente em 1967.

“Provavelmente o melhor saxofonista tenor do mundo”. Assim o definiu Ornette Coleman, possivelmente o mais importante pioneiro do free jazz.

Sanders, que também tocava sax-soprano e sax-alto, não conseguiu conquistar a unanimidade do público e jamais desfrutou do sucesso comercial de Coltrane e Coleman, entre outros inovadores históricos do jazz.





Entre suas obras mais conhecidas está “The creator has a master plan”, faixa de quase 33 minutos do álbum “Karma”, na qual parece exorcizar demônios antes de retornar a um estado celestial.

“Não é que eu esteja tentando gritar com minha trompa, estou apenas tentando colocar todos os meus sentimentos”, explicou ele, certa vez.

Nascido Farrell Sanders, mudou a grafia do nome de batismo a pedido do compositor de jazz futurista Sun Ra. Criado na segregada Little Rock, no Arkansas, tocava clarinete em uma banda da escola e explorava o jazz com artistas em turnê.

Posteriormente, mudou-se para a Califórnia, onde teve o primeiro encontro com John Coltrane. Mais tarde, foi para Nova York. Ficou na miséria, trabalhando como cozinheiro e até vendendo o próprio sangue para sobreviver.





Conheceu Sun Ra quando cozinhava em um clube em Greenwich Village. Sun Ra e Coltrane o recrutaram para sua banda.

“Tenho um som escuro. Muitos jovens têm um som brilhante, mas gosto do som escuro com mais redondeza, mais profundidade e sentimento”, disse Sanders, em 1996, ao jornal San Francisco Chronicle. “Quero levar o público a uma jornada espiritual. Quero sacudi-lo, excitá-lo. Então, o trago de volta com uma sensação de calma.”

Novo olhar sobre a música da Índia e da África

Pharoah Sanders foi responsável por releituras inovadoras das músicas indiana e africana. Em “Jewels of thought” (1969), explorou o misticismo da África, abrindo o álbum com meditação sufi pela paz. Décadas depois, em “The trance of seven colors”, colaborou com Mahmoud Guinia, o mestre marroquino da música espiritual gnawa e do alaúde.

Ele explorou sonoridades indianas em suas colaborações com Alice Coltrane, a segunda mulher do mestre do jazz. Sanders também admirava o indiano Bismillah Khan, que introduziu o shehnai, um tipo de oboé frequentemente tocado em procissões, e Ravi Shankar, que internacionalizou a cítara.