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Thomas Piketty: crise do clima vai provocar mudança histórica mundial

Em seu novo livro, economista aponta a tensão gerada pelo desequilíbrio ecológico como importante indutor de transformações político-sociais


27/09/2022 04:00 - atualizado 27/09/2022 01:36

Imagem de Londres sob a poluição
Londres sob poluição. Cerca de 80% das emissões desde o início da Revolução Industrial vêm da Europa, EUA, Canadá, Rússia e Japão (foto: Ben Fathers/AFP)

Nunca foi por empatia ou senso de justiça social. A lenta redução das desigualdades depende da força – de revoluções, crises e leis impostas nos momentos em que se cria espaço para um Estado de direito. O mais novo livro do economista francês Thomas Piketty, “Uma breve história da igualdade”, repete esse princípio como um mantra.

Em pouco mais de 200 páginas e capítulos enxutos, o autor entrega o que promete. Faz um relato condensado, mas ilustrativo e bem-organizado, de como as diferenças entre base e topo da pirâmide social foram se estreitando nos últimos 300 anos.
 
A profusão de números comprova a redução das desigualdades de renda e propriedade, especialmente de 1914 a 1980, graças ao avanço do estado de bem-estar social e à aplicação do imposto progressivo, que passou a cobrar mais tributos dos mais ricos. Há até um capítulo para o tema, no qual Piketty reafirma que esse foi o momento da “grande distribuição”.

Elites querem distância do pobre

Mas o pequeno compêndio traz um truque. Na sua essência, impele o leitor ao sentido oposto – tatear para onde as desigualdades renitentes podem nos levar. Piketty pincela avisos, sempre com gritantes exemplos, sobre como os detentores de poderes político e econômico reinventam alternativas para se preservar o mais distante possível da maioria menos abastada.

Destaca o autor: “A resistência das elites é uma realidade incontornável nos tempos atuais (com seus bilionários transacionais mais ricos do que Estados), no mínimo tanto quanto na época da Revolução Francesa. Tal resistência só pode ser vencida por meio de poderosas mobilizações coletivas, e em momentos de crises e tensões. Ainda assim, a ideia de que um consenso espontâneo em relação às instituições justas e emancipadoras e que para colocá-las em prática bastaria quebrar a resistências das elites é uma perigosa ilusão”.

O economista elabora a percepção de que o mundo caminha para uma nova etapa em sua busca pela redução das desigualdades, e pontua lacunas, em diferentes áreas, que podem servir de ponto de partida para as tensões propulsoras de mudanças.

Racismo é uma delas. Um exemplo: tornou-se ilegal, nas escolas dos Estados Unidos, país que ainda nos anos de 1960 separava brancos e negros em lugares tão triviais quanto banheiros públicos e ônibus. No entanto, a segregação ainda é realidade cultural no cotidiano das salas de aulas de estados sulistas.
 
Há outros muros, étnicos e religiosos. Em 2015, pesquisadores franceses enviaram milhares de currículos para vagas de emprego com a intenção de medir o nível de preconceito a sobrenomes. A taxa de resposta foi quatro vezes menor para candidatos árabes e muçulmanos.

A questão de gênero está longe de ser pacificada. Estudos realizados na Índia com ocupantes de cargos públicos mostraram que a defesa de um mesmo argumento, como para construir uma escola, era considerada mais crível quando proferida por um homem do que por uma mulher.

São também profundos os abismos entre as nações, que refletem, afirma o autor, os efeitos do colonialismo e da desconexão entre Ocidente e Oriente, cada vez mais tensa.

Piketty destaca as disparidades fiscais. De 1970 a 2020, as receitas tributárias dos países mais pobres estagnaram na casa de 15% do Produto Interno Bruto (PIB). Em países africanos, como Nigéria e Chade, representam algo entre 6% e 8% do PIB. 

As dos países mais ricos, porém, subiram de 20% para 30% no mesmo período.

Haiti: independente e espoliado

O economista também relata as dívidas históricas entre ex-dominadores e ex-dominados. O Haiti é um dos exemplos.

O pagamento à França por sua independência é tratado no livro como espoliação. O reinado de Carlos X pediu 150 milhões de francos-ouro a título de compensar as perdas de proprietários de terras e de escravos.

O valor equivalia, à época (1825), a 300% da renda nacional do Haiti. O pagamento dessa dívida, encerrado apenas em 1950, inviabilizou qualquer chance de desenvolvimento da ilha, ainda hoje um dos lugares mais miseráveis do planeta.

No conjunto dessas antigas disparidades não solucionadas e potencialmente explosivas, Piketty acrescenta novos componentes com desfechos ainda imprevisíveis.

O maior deles é a mudança climática. A herança poluidora está ao norte. Estados Unidos, Canadá, Europa, Rússia e Japão têm 15% da população mundial, mas representam 80% das emissões acumuladas desde o início da Revolução Industrial.

"A atenuação dos efeitos do aquecimento global e o financiamento de medidas de adaptação para os países mais afetados (em particular no Sul) demandam a transformação total do sistema econômico e da distribuição das riquezas, o que passa pelo desenvolvimento de novas coalizões políticas e sociais em escala mundial"

Thomas Piketty, escritor e economista


EUA: o maior poluidor

Hoje, a maior parcela das emissões sai dos Estados Unidos, e a menor, da África Subsaariana e do Sul da Ásia. No entanto, quem já sofre os impactos do aquecimento global está no segundo grupo. Piketty teoriza que os cataclismas têm potencial, ainda que não mensurável no atual estágio, de alterar a ordem do mundo que conhecemos.

“A atenuação dos efeitos do aquecimento global e o financiamento de medidas de adaptação para os países mais afetados (em particular no Sul) demandam a transformação total do sistema econômico e da distribuição das riquezas, o que passa pelo desenvolvimento de novas coalizões políticas e sociais em escala mundial. A ideia de que todos sairiam ganhando é uma perigosa e anestesiante ilusão, que precisamos abandonar o mais rápido possível.”

Outro fator de mudança, já dado como certo pelo autor, ainda que igualmente insondável, é a ascensão da China ao posto de potência número um do planeta.

A China não faz parte da lista dos 50% de países mais pobres desde 2010. Seu PIB supera o dos Estados Unidos desde 2013. A renda nacional, porém, ainda está abaixo, cerca de 15 mil euros (R$ 76 mil), contra 40 mil euros (R$ 203 mil) na Europa e 50 mil euros (R$ 254 mil) nos Estados Unidos. Mantido o crescimento atual, as diferenças serão superadas entre 2040 e 2050.

Piketty acredita que o regime chinês verá na mudança climática uma brecha para firmar força política.

“Em geral, a China não se priva de lembrar que se industrializou sem recorrer à escravidão e ao colonialismo, do qual ela mesma pagou o preço. Isso lhe permite marcar pontos sobre o que é percebido pelo mundo como a eterna arrogância dos países ocidentais, sempre prontos a dar lições a todos no plano da Justiça e da democracia, mesmo se mostrando incapazes de enfrentar as desigualdades e discriminações que os corroem, e pactuando por conveniência com todos os potentados e as oligarquias que os beneficiam.”

Dica: Não deixe de ler as notas. São como capítulos adicionais.

Capa do livro Uma breve história da igualdade
(foto: Intrinseca/reprodução)
“UMA BREVE HISTÓRIA DA IGUALDADE”

.De Thomas Piketty
.Editora Intrínseca
.304 páginas
.R$ 69,90 (impresso)
.R$ 49,90 (e-book)








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