Jornal Estado de Minas

CINEMA

Filme 'Sorria' prefere o susto à engenhosidade dos clássicos do terror


No panteão de monstros do cinema, a menina com cabelos pretos que cobrem o rosto figura entre criaturas como Frankenstein e Jason Voorhees. Sadako (ou Samara, na versão americana) assombra desde o sucesso de “Ringu – O chamado”, propulsor do terror japonês nos anos 2000, e da ótima refilmagem de Gore Verbinski, vinte anos atrás.





Em “O chamado”, logo após assistir a uma fita VHS com imagens bizarras, o telefone tocava e uma voz sinistra decretava “sete dias”. Caso a maldição não fosse passada adiante nesse período, Samara aparecia e fazia mais uma vítima. Em “Sorria”, do estreante Parker Finn, o mecanismo é praticamente o mesmo, mas sem envolver tecnologias obsoletas.

Sosie Bacon vive Rose Cotter, médica de um hospital de emergências psiquiátricas. Certo dia, ela recebe uma jovem que, em aparente surto psicótico, diz que está sendo perseguida por uma entidade maligna. Diferentemente de Samara, a entidade não tem aparência física definida – ela toma a forma de pessoas sorridentes.

Durante a consulta, a moça se descontrola e se suicida de maneira brutal, sorrindo enquanto corta o próprio pescoço com um caco afiado. Rose logo descobre que a paciente não estava alucinando.

Perturbada pelas mesmas aparições, a protagonista começa a investigar o caso com o auxílio de um ex-namorado, o policial Joel, vivido por Kyle Gallner.




 

 

Sob medida para o streaming

A Paramount planejava lançar “Sorria” diretamente no streaming, mas mudou de ideia depois que o público respondeu bem ao filme durante os testes. Fazer terror é relativamente barato e, quase sempre, gera bom retorno.

“Sorria” tem bons momentos de tensão, sobretudo no começo. O diretor não faz escolhas genéricas, a trilha sonora é interessante e, às vezes, a câmera parece atravessar cenários e personagens. Com quase duas horas, no entanto, Finn não cria a mesma sensação de perigo iminente de “O chamado”.

Em “Sorria”, o verdadeiro monstro é o trauma. Desde “O Babadook” e “Hereditário”, a maioria dos filmes de terror se sente obrigada a falar do assunto.

De repente, até “Halloween” virou um filme sobre trauma, com a atriz Jamie Lee Curtis repetindo a palavra em todas as entrevistas que deu durante a divulgação da trilogia que, graças a Deus, já está para acabar.





Para o gênero ser levado a sério, parece que o terror tem de tratar de distúrbios mentais como depressão pós-parto ou transtorno do estresse pós-traumático. Não basta criar um bom monstro, um mal encarnado – que não se dissipa nem mesmo quando a protagonista busca corrigir os erros do passado –, é preciso ancorar o sobrenatural em fenômenos reais.

“Sorria” é só mais um exemplo da nossa profunda escassez de imaginação.

“SORRIA”

EUA, 2022. De Parker Finn. Com Sosie Bacon, Kyle Gallner e Rob Morgan. Em cartaz em salas das redes Cinemark e Cineart em BH, Contagem e Betim.