Foram muitos os acontecimentos que movimentaram o mundo nas últimas décadas e escancararam a condição desgraçada em que o ser humano vive. A Guerra do Iraque, o 11 de Setembro e os êxodos migratórios provocados pela miséria e as consequências da mudança climática são apenas alguns dos mais notórios exemplos. Tudo isso contribuiu, de alguma forma, para o poeta e professor visitante de Literaturas Africanas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Anelito de Oliveira escrever os textos que integram "O desgraçado Sr. Humano & Outros poemas anticínicos", seu sétimo livro, que será lançado nesta quarta-feira (5/10), na Academia Mineira de Letras.
A obra, que sai pela Editora Lobo Azul, reúne mais de 70 poemas, divididos em 11 partes. Todas, no entanto, trazem reflexões a respeito de temas como abandono, incompreensão, solidão, conflito, desilusão, violência, morte e a própria linguagem.
“Esse livro é uma coletânea de poemas e textos escritos nas últimas décadas com foco no humanismo pela via negativa. No entanto, não é uma coletânea de textos reunidos. São textos desunidos”, brinca o autor. “Trata-se do desgraçamento do ser humano, que ocorre de maneira incontestável, e, consequentemente, a ascensão da cultura do cinismo”, complementa.
Ele conta que, em 2019, o livro já estava pronto e seria lançado por outra editora. Contudo, a pandemia mudou todos os planos. Com a incerteza de um retorno à normalidade, acabou que o acordo com a editora foi desfeito.
A atual data do lançamento de "O desgraçado Sr. Humano & Outros poemas anticínicos", entretanto, ocorre em momento oportuno. Afinal, as consequências nefastas do novo coronavírus fizeram com que grande parte da população repensasse conceitos e valores em relação à vida e percebesse o quanto a essência humana vem se perdendo.
''Esse livro é uma coletânea de poemas e textos escritos nas últimas décadas com foco no humanismo pela via negativa. No entanto, não é uma coletânea de textos reunidos. São textos desunidos''
Anelito de Oliveira, escritor
Lixeira
Para exemplificar, Anelito cita o poema “A lixeira”, no qual o eu lírico reflete sobre sua condição no mundo e, por fim, conclui que sua existência muito se assemelha à de uma lata de lixo. Mas não qualquer uma, e sim “uma lixeira vazia”, destaca Anelito.Este vazio pode ser interpretado como a perda da essência humana, que, para o autor, ocorre em razão da força que o pensamento neoliberal vem ganhando nos últimos anos. Como consequência, vive-se hoje uma onda de consumismo exacerbado. “O ‘ter’ ocupou o lugar do ‘ser’. As pessoas estão cada vez mais preocupadas em consumir e acabaram se esquecendo de si mesmas”, diz Anelito.
Homenagens
Além de textos que exibem a degradação humana sem qualquer colorido ou eufemismos, "O desgraçado Sr. Humano & Outros poemas anticínicos" traz homenagens a escritores contemporâneos e amigos pessoais de Anelito.“Elegia para Wilson Bueno”, por exemplo, foi escrito após a morte do escritor paranaense, em 2010. A ousadia do colega ao escrever – Bueno não se prendia a convenções ou estatutos mercadológicos e chegou a mesclar português, espanhol, guarani e portunhol em uma de suas narrativas –, encantou Anelito. Os dois se conheceram quando o mineiro atuou como editor do “Suplemento Literário de Minas Gerais”.
Outro homenageado é o poeta e letrista Waly Salomão, morto em 2003, aos 59 anos. Nome importante da chamada Geração Mimeógrafo, que, na década de 1970, imprimia e vendia sua própria produção, desafiando o mercado editorial, Salomão foi mais uma amizade de Anitelo possibilitada pelo “Suplemento Literário”.
“Evidentemente, eu já conhecia a produção dos dois, mas, enquanto editor do 'Suplemento', tive um contato ainda maior. E ali pude ver as nuances de cada um, que muito me impressionaram e, de certa forma, serviram como uma espécie de referência”, comenta.
Influências
Tratando-se de referências, Anelito tem um extenso catálogo de poetas das mais distintas nacionalidades. Do russo Vladimir Maiakovski (1893-1930) ao angolano Agostinho Neto (1922-1979), passando, claro, por Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa e Mário de Andrade.O autor de “Macunaíma”, inclusive, será ponto central do bate-papo que Anelito fará com os presentes no lançamento de seu livro nesta quarta-feira. “Vou falar sobre o processo criativo do livro, a partir de uma referência do Mário de Andrade. Ele tratava muito dessa questão do esfacelamento do eu, temática que apresento nos textos deste livro.”
"O DESGRAÇADO SR. HUMANO & OUTROS POEMAS ANTICÍNICOS"
• Anelito de Oliveira
• Editora Lobo Azul (178 págs.)
• R$ 72
• Lançamento nesta quarta-feira (5/10), às 19h, na Academia Mineira de Letras, com palestra do autor. Rua da Bahia, 1.466, Lourdes. (31) 3222-5764. Entrada franca.