Jornal Estado de Minas

MÚSICA

Mônica Salmaso divide o palco com Chico Buarque em Belo Horizonte



“O que é o revés do parto?” Essa foi uma das primeiras perguntas que vieram à cabeça de Mônica Salmaso, ainda criança, depois de escutar “milhares de vezes” o LP que Chico Buarque lançou em 1978 com “Feijoada completa”, “Cálice” e a dilacerante “Pedaço de mim”, do verso que virou indagação na cabeça da menina de 7 anos. “Furei de tanto ouvir aquele disco, que passou a fazer parte da minha formação emocional: tinha o desejo de ficar nesse lugar.”





O primeiro contato da intérprete paulistana com a obra do compositor carioca, porém, é ainda mais antigo. Vem do berço. Literalmente. Uma prima mais velha, a jornalista Renata Lo Prete, lembra-se de Mônica, ainda no berço, admirando a capa do LP “Construção”, lançado em 1971, mesmo ano do nascimento da cantora. “É a obra que eu mais sei. Chico mora em mim”, resume Mônica Salmaso, em entrevista ao Estado de Minas.

A “moradia” foi ampliada em 2006 após uma ligação telefônica de Chico a Mônica. “Me deu vontade de fechar o meu novo disco (“Carioca”) com uma música que não sei se você conhece...”, disse o cantor. “E eu sabia a música de cor e salteado, faz parte da trilha de ‘Pra viver um grande amor’, que ouvi até furar”, revela a cantora. Os dois dividiram, então, os microfones em “Imagina”: “Imagina hoje à noite a gente se perder e a lua se apagar...”

Na noite de hoje, contudo, não há risco de eles se perderem nem de a lua se apagar. Muito pelo contrário: no show “Que tal um samba?”, que terá quatro apresentações desta quinta-feira (6/10) até domingo (9/10) em Belo Horizonte, Mônica abrirá a porta e Chico vai passar em revista um repertório de cinco décadas.




 
“Minha missão é preparar o palco para a chegada dele com uma sequência de canções lindamente amarradas por afinidade ou contraposição”, conta a intérprete.

Mônica escolheu canções

Chico deu liberdade para Mônica escolher as músicas que gostaria de cantar na primeira parte do show. Ela decidiu iniciar com uma canção que ouvia quando criança, “Todos juntos”, do musical “Os saltimbancos” (que ganha dramaticidade na interpretação de versos como “Ao meu lado há um amigo que é preciso proteger”) e ir aquecendo até chegar a uma parceria de Chico com Edu Lobo que ela chama de “catedral”: “Faço um aquecimento especial para cantar ‘Beatriz’”, revela. “E mesmo assim ainda dá um medo danado: é uma música de extremos, ainda mais por ter nascido com a voz do Milton (Nascimento)”, lembra.

Foram sete semanas de ensaios “como uma peça de teatro”, antes do início da turnê, no mês passado, em João Pessoa, e que passou por outras duas capitais, Natal e Curitiba, antes de chegar a Belo Horizonte.
 
No roteiro traçado pelo compositor, com sugestões cênicas da atriz Marieta Severo (ex-mulher de Chico), os cantores se encontram pela primeira vez no palco para dividir a interpretação de “Paratodos”. 





Quando Mônica sai de cena, fica na coxia observando a reação dos fãs ao (re)ver o ídolo, o último grande nome da MPB a voltar a fazer shows após o controle da pandemia. “Chico atravessa muitos lugares: ele consegue se colocar no lugar de mulheres de todas as idades, o eu feminino é de uma sensibilidade absurda”, comenta.

O fato de ter sido escolhida para dividir o palco com um de seus heróis é, para a cantora, um sinal de que as escolhas da carreira foram acertadas.
 
“Me sinto como a protagonista de ‘A rosa púrpura do Cairo’, de Woody Allen, que saía da poltrona do cinema e entrava na tela. Agora sou eu que estou dentro de um filme, dentro do show”, compara.

"A música do Chico tem o poder de trazer a gente de volta para casa"

Para Mônica Salmaso, a volta de Chico Buarque aos palcos após o controle da pandemia tem função terapêutica. “É como uma necessidade medicinal”, compara. Dois anos atrás, quando ainda não havia vacina contra o coronavírus, a cantora fez uma série de lives e gravações com outros artistas que logo tiveram milhares de visualizações. “Era um pão quentinho, um presente, um carinho para tempos difíceis”, conta. 





Em um dos vídeos, ela divide a tela com Chico na regravação de “João e Maria”. Foi uma chance para os fãs matarem as saudades do cantor, que aproveitou o tempo de reclusão para escrever mais um livro, a coletânea de contos “Anos de chumbo”.
 
Mônica Salmaso diz que o novo show de Chico Buarque tem a função unir brasileiros em torno de sua própria identidade (foto: Leo Aversa/divulgação)
 
 
 

Em junho último, Chico Buarque lançou pela gravadora Biscoito Fino o single que batiza a nova turnê. Em tom de desabafo, mas com o verniz da esperança, “Que tal um samba?” convida a “espantar o tempo feio, remediar o estrago, desmantelar a força bruta” em mais um comentário do autor de “Apesar de você” e “Vai passar” sobre a situação política do país. 

"Essa música é uma resposta imediata aos tempos que vivemos: o momento dela é agora", afirma Mônica Salmaso, que também dá o seu recado ao enfatizar os versos finais (“Um dia ele vai embora, pra nunca mais voltar”) de “Maninha”, dedicada por Chico à irmã, Miúcha (1937-2018). 





“A gente tem que fazer tudo que puder fazer honestamente para assegurar aquilo que a gente acredita: democracia e um Brasil amoroso”, comentou, após a divulgação do resultado das eleições de domingo, a eleitora de Luiz Inácio Lula da Silva.
 
CONFIRA a letra de "Que tal um samba?":

 

Mais do que a questão política, Mônica acredita que a turnê “Que tal um samba?” representa uma chance preciosa de reencontro dos fãs com o ídolo.
 
“Esse show tem a função de nos unir e ajuda a identificar o que somos. A música do Chico tem o poder de trazer a gente de volta para casa”, diz a cantora, que aproveitará os dias em Belo Horizonte para uma incursão no Mercado Central: “Não posso voltar para São Paulo sem queijo, goiabada e uma cachacinha.”  

“QUE TAL UM SAMBA?”

Show de Chico Buarque com Mônica Salmaso como convidada. Desta quinta (6/10) a domingo (9/10), no Minascentro (Avenida Augusto de Lima, 785). Ingressos esgotados.