Martha Alves/FOLHAPRESS
Uma conexão do Nordeste com a África. É isso que Chico César, 58, tenta mostrar nas 11 faixas que compõem seu novo álbum, "Vestido de Amor", já disponível nas plataformas digitais. Dez das 11 músicas foram compostas pelo cantor e falam de amor e política -apesar de alguns fãs desavisados reclamarem vez ou outra de ele misturar os dois temas.
Chico diz que colocar esses dois lados em uma música é uma escolha política e que faz isso para tirar as pessoas do seu lugar de espectador. "As minhas canções de amor têm cunho político e as politizadas são muito amorosas", afirma o artista, umas das vozes mais críticas ao bolsonarismo no Brasil.
Gravado e mixado na França, o novo disco tem a participação de dois importantes artistas africanos, o cantor malinês Salif Keita e o pianista congolês Ray Lema, que Chico César chama de "mestre" e com quem já excursionou pelo mundo fazendo shows. "Ter esses dois [artistas] nesse disco define muito o momento da minha música hoje", afirma o brasileiro.
Segundo Chico, muitas das canções deste álbum foram compostas antes e durante a pandemia de Covid-19. Ele explica que as músicas não falam necessariamente da pandemia, mas algumas das faixas levam as pessoas a esse lugar, como a canção "Sobre-humano", que ele canta com Keita -o mesmo artista citado em 1995 no trecho de um dos seus maiores hits, "À Primeira Vista": "Quando vi Salif Keita dancei".
O cantor conta que compôs "Sobre-humano" após assistir a um discurso da ex-chanceler alemã Angela Merkel para a população durante a pandemia. Ele revela que se pegou chorando sem entender o porquê. "Depois entendi que [chorava] porque quem deveria estar fazendo isso para nós estava dizendo que era uma gripezinha e para deixarem de mimi", falou sobre o presidente Jair Bolsonaro (PL).
A faixa "Xangô e Forró e aí", composição em parceria com Ray Lema, é a canção que deixa mais em evidência a conexão do Nordeste com a África. Não por acaso, foi o congolês que disse a Chico César que Luiz Gonzaga -um dos seus ídolos- é o mais africano dos artistas brasileiros. "Ele falou que depois de Luiz Gonzaga o mais africano de todos sou eu", disse Chico, orgulhoso.
Já com o reggae "Bolsominions", o cantor manda um recado direto a Bolsonaro e seus apoiadores sobre o mau uso da fé cristã. Mostrada pela primeira vez em agosto de 2020, a música foi alvo de crítica de evangélicos alinhados com o presidente, como a vereadora Eliza Virgínia (Progressistas), que propôs censura na Câmara Municipal de João Pessoa devido ao trecho que chama os "bolsominions" de "demônios".
"Ela faz parte desse grupo que quer usar os evangélicos como escudo humano. Essa cafajestagem que é a política da extrema-direita no Brasil. E para mim é uma canção como pedrada, é um reggae de protesto, de denúncia social", diz Chico. "E eu acho que é importante às vezes os artistas, as pessoas, darem nome aos bois, usarem as palavras fortes."
Apoiador de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o cantor diz acreditar na vitória do candidato no segundo turno das eleições para presidente. Mas alerta os eleitores do petista que eles vão precisar ter paciência porque o Lula que vem agora é o pacificador que o país precisa -não o transformador de 2003. "Ele vem para restaurar o estado democrático de direito e questões preciosas da República que foram jogadas na lama."
Chico, que já foi Secretário da Cultura da Paraíba, afirma que a cultura é importante, mas neste momento ele está muito preocupado com justiça social após o Brasil entrar no mapa da fome das Nações Unidas. "Nós temos que trabalhar muito para tirar 33 milhões de pessoas que estão nessa linha da pobreza e abaixo [dela]."
Sobre os ataques xenofóbicos contra nordestinos após eles colocarem de Lula na liderança no 1º turno das eleições, Chico afirma que tem um parcela da sociedade que é muito equivocada e que mede o mundo com uma régua muito curta. "O Nordeste é um lugar muito avançado, culto e de muita luta política e consciência de classe. A independência do Brasil e a abolição da escravatura começaram na Bahia."
O artista diz que vivemos em um país continental e que ama esse Brasil complexo, que muita gente não entende. "Quem quiser dividir o Brasil não está entendendo o que é o Brasil, seja de que lado esteja. Eu amo o Nordeste, mas eu tenho muito orgulho de ser brasileiro e levar meu canto para onde quer que eu vá. Essa contradição é que nos torna tão interessante."