Jornal Estado de Minas

DISCO

Chico César mistura a música africana e a nordestina em 'Vestido de amor'



Um disco gravado em Paris, com um produtor franco-belga e convidados especiais do Mali e do Congo, que reúne músicas compostas no Brasil e no Uruguai e que evidencia o quanto de África tem na música nordestina. Essa costura geográfica é o que caracteriza “Vestido de amor”, novo trabalho de Chico César, que acaba de vir à luz.





O embrião do projeto, segundo o cantor e compositor paraibano, foi um convite da gravadora Zamora, que tem sede na capital francesa. “Eles me propuseram fazer um disco com músicos de diferentes nacionalidades que vivem na Europa, com um produtor também europeu (Jean Lamoot), para que soasse uma coisa diferente mesmo, com novos componentes somados à minha música. Foi um desejo de me provocar, de me colocar numa situação nova”, diz Chico. 

Cercado por uma banda multiétnica e multicultural, ele contou com as participações de Salif Keita e Ray Lema, dois expoentes da música africana. Viver essa experiência de deslocamento em sua rotina de trabalho, depois do período de isolamento imposto pela pandemia, lhe trouxe muita satisfação e, conforme aponta, resultou em algo efetivamente diferente.

“Vestido de amor” traz 11 faixas inéditas – algumas delas apresentadas pelo músico em vídeos durante a pandemia – e abarca uma gama variada de ritmos, passando por coco, rock, forró, reggae e rumba, entre outros. Chico pontua que essa diversidade é intrínseca ao seu trabalho e se faz presente desde o primeiro álbum, “Aos vivos” (1995).




Gênese do trabalho 

“Ali você já tinha aboio, reggae, música em compasso seis por oito, que é o caso de ‘Benazir’. A gênese do meu trabalho é a composição, é a voz e o violão, e o que vem se somar apenas dá corpo à obra. A diversidade sempre esteve presente”, afirma. Ele destaca, em “Vestido de amor”, a ênfase na relação entre as musicalidades africana e nordestina.

Chico diz que foi uma conversa com o pianista, guitarrista, cantor e compositor congolês Ray Lema – que participa na faixa “Xangô forró e aí” – que o despertou para essa conexão. “Ele apontou que a música nordestina deriva diretamente da africana. O forró tem a ver com a rumba congolesa. Ele considera Luiz Gonzaga um dos grandes artistas africanos fora da África; toca tudo dele, ‘Asa Branca’, ‘Juazeiro’, ‘Assum Preto’, ‘Sabiá’. E essa coisa das músicas nordestinas falarem dos rios, das árvores, dos pássaros, tudo isso é muito africano”, diz.
 
O artista pontua, ainda, que todos os seus ídolos do forró são negros: Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, João do Vale, Trio Nordestino, Azulão, Os Três do Nordeste, entre outros. “A música nordestina é negra, o forró é negro. Eu não tinha essa sacada, até que Ray me deu esse toque numa conversa que tivemos já há bastante tempo. E ele disse que, depois de Gonzaga, o músico mais africano fora da África que ele conhecia era eu.”




Recepção na Europa 

Em plena turnê europeia – com apresentações agendadas em Londres, Marselha e Paris nos próximos dias –, Chico diz que o show de “Vestido de amor” tem sido muito bem recebido do outro lado do Atlântico. “O público tem comparecido e a crítica percebeu e acentuou essa coisa de ser um trabalho afrodiaspórico nordestino; houve por parte dela a atenção a esse detalhe”, diz.

O repertório do show contempla oito músicas do novo trabalho, que se somam a temas mais antigos, como “Mama África” e “À primeira vista”, do disco de estreia de Chico, e também alguns mais recentes, como “Pedrada”, registrada no álbum “O amor é um ato revolucionário”, de 2019. Trata-se de um roteiro revelador de uma coerência musical, segundo o cantor e compositor.

“São 25 anos de carreira fonográfica, com 10 álbuns de estúdio e outros trabalhos conexos, então as pessoas já conseguem perceber qual é a expressão do artista. Não é algo que busca o hit – ainda que às vezes ele possa acontecer –, é um trabalho de cauda longa mesmo”, destaca. O primeiro show da turnê no Brasil será em Belo Horizonte, no próximo dia 28, na casa de shows A Autêntica.




Cenário político 

Por falar em Brasil, Chico, um artista politicamente engajado e sabidamente alinhado com a esquerda, diz que ficou muito contente com o resultado do primeiro turno das eleições presidenciais. “Não ganhamos no primeiro turno, mas ganhamos o primeiro turno, e com uma margem de votos muito boa. Torço para que os outros candidatos e os eleitores que votaram nesses outros candidatos apoiem o candidato da democracia, que se posiciona contra a barbárie, que é Lula. É preciso dizer um basta a essa situação atual”, afirma.

Ele considera que a vantagem do candidato petista no primeiro turno evidencia as fragilidades do governo de Jair Bolsonaro, que tenta a reeleição. “Você tem um candidato que tem a máquina do governo, que tem a manipulação evangélica, que tem um caráter intimidador e que, ainda assim, perdeu por uma margem expressiva de votos. Lula foi o candidato mais votado no primeiro turno porque representa a negação do fascismo. O Brasil não é um país que tem a tradição do fascismo.”

“VESTIDO DE AMOR”

Chico César
Zamora Label (11 faixas)
Disponível nas principais plataformas