Jornal Estado de Minas

ARTES VISUAIS

Esperança: o recado que a exposição de Marc Chagall manda ao Brasil


Mariana Peixoto

Deitada na mesa em uma das salas do terceiro andar do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), a pintura “O galo violeta” (1966-1972) aguarda, pacientemente, o momento em que será colocada em seu devido lugar. Não está sozinha. Caixas de madeiras são abertas por equipe especializada, enquanto conservadoras fotografam cada tela retirada dali. Qualquer alteração será anotada no laudo técnico da respectiva obra.





Na manhã de quinta-feira (6/10), o movimento é grande no CCBB. É o terceiro dia da chamada montagem fina, basicamente desembalagem e instalação dos quadros que compõem a exposição “Marc Chagall: sonho de amor”. O trabalho é imenso, pois a mostra que será aberta ao público na próxima quarta-feira (12/10) reúne 185 trabalhos – pinturas e gravuras – do artista russo naturalizado francês (1887-1985).

O quadro "Os noivos com trenó e galo vermelho" (1957) é vistoriado antes de ocupar seu espaço na exposição (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press )
 
Para a curadora espanhola Lola Durán Úcar, é justamente “O galo violeta”, uma das estrelas da mostra, que melhor resume a extensa obra de Chagall.

“Você tem uma arena de circo, um casal de namorados em primeiro plano, um buquê de flores, com o seu simbolismo, palhaços. O homem pode ser um pouco melancólico, mas a música e o movimento traduzem o espírito de Chagall, sobretudo seus momentos mais felizes.”





A exposição, que chega a Belo Horizonte depois de levar quase 300 mil pessoas às unidades do CCBB no Rio de Janeiro e em Brasília, é a segunda mostra monumental que a capital mineira recebe do artista neste século. Em 2009, a Casa Fiat, em celebração ao Ano do Brasil na França, apresentou a retrospectiva “O mundo mágico de Marc Chagall – O sonho e a vida”, que depois foi levada para o Museu Nacional de Belas Artes, no Rio, e ao Masp, em São Paulo.

No mundo e, principalmente, no Brasil de hoje, a obra de Chagall é um grito de esperança. “Do ponto de vista artístico, ele é um dos grandes inovadores do século 20”, afirma Lola Úcar, que se vale da trajetória do artista para falar sobre sua relevância nos dias atuais.

“Temos de pensar na vida que ele teve. Nasce na Rússia, sofre o primeiro exílio quando vai para Paris. Na Segunda Guerra, vai para os EUA, então sofre seu segundo exílio. Passa por três guerras (as duas mundiais e a Revolução Russa). Como judeu, passa a vida perseguido. Mas sua pintura, contrariamente a isso, nos leva a um mundo colorido, brilhante. É esta a mensagem que ele nos deixa agora: até nas piores situações, sempre existe esperança.”





Foi em 2019 que Cynthia Taboada, diretora da mostra brasileira, viu na Basilica di Santa Maria Maggiore alla Pietrasanta, em Nápoles, a exposição de Chagall que Lola havia concebido para a cidade italiana. Três anos de negociações depois, a mostra chegou ao Brasil com o mesmo conceito, mas vários acréscimos.


Painéis "flutuantes"

A começar pelo projeto expositivo, assinado por Stella Tennenbaum. Ela criou o percurso contínuo de painéis ondulares que, na opinião de Cynthia, buscam seguir “o espírito de flutuação que se tem com as pinturas de Chagall”.

Além dos museus e colecionadores particulares estrangeiros que cederam obras, “Sonho de amor” reúne trabalhos de instituições brasileiras, como “Os noivos com trenó e galo vermelho” (1957) e “Primavera” (1938-1939), dos acervos da Casa Museu Ema Klabin e do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), respectivamente.





A exposição ainda conta com a instalação “Air fountain”, do norte-americano Daniel Wurtzel. O trabalho, já exibido em diferentes espaços do mundo, ganhou versão com seis metros de diâmetro para a mostra brasileira. Aqui, a obra que exibe a “dança” de dois tecidos, traduzindo em arte contemporânea o encontro do amor que tanto marcou a obra de Chagall, vai ficar  no pátio do CCBB.

“Sonho de amor” traz quatro módulos, que acompanham a vida de Chagall por meio de seu trabalho. “Isso acontece com quase todos os artistas, mas com Chagall ainda mais: a pintura é muito marcada pelos diferentes momentos de sua vida”, explica Lola.

O módulo de abertura, o maior, é “Origens e tradições russas”. “Os primeiros anos, no vilarejo de Vitebsk, são definitivos. Nesta seção, temos a tradição, a cultura e a religião, algo que ele mantém por toda a vida. Construímos a seção com base no livro ‘Minha vida’, em que Chagall escreveu sobre seu nascimento até a saída da Rússia após a revolução”, diz Lola.





"Aldeia russa" (1929) retrata o vilarejo de Vitebsk, na atual Bielorrúsia, onde o pintor nasceu (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)

Aldeia ancestral e lugares santos

Uma das obras marcantes do período é a pintura “Aldeia russa” (1929). A série gráfica “Fábulas” (1927-1930-1952), inspirada em La Fontaine (1621-1695), está reunida em sua totalidade, com 102 águas-fortes.

O segundo módulo é dedicado à religião. “Mundo sagrado” se subdivide em “Bíblia” e “A história do Êxodo”. Há pinturas, como “Davi e Golias” (1981), e gravuras coloridas à mão, como “Moisés e Arão diante do faraó” e “Travessia no Mar Vermelho” (1956). Mas são as 24 litografias de 1966, que compõem o “Êxodo”, que traduzem um momento especial da vida do artista.

“Nos anos 1930, ele vai à Palestina e visita os lugares santos. Se imbui de luz e de espiritualidade e, de alguma forma, se conecta com suas raízes. Nos conta, nas memórias, ter sentido que passou a pertencer a um lugar. Então, começa a ilustrar com coloridos e luminosidade a história da Bíblia, que considerava a maior fonte de poesia que havia conhecido”, relata a curadora.





A terceira parte da mostra, “Um poeta com asas de pintor”, é dedicada principalmente a Paris, sua segunda cidade. “Ela foi importantíssima na vida dele, como na de outros tantos jovens. Chagall vai a Paris atraído pelas vanguardas. Depois, quando se muda para os EUA com a mulher (Bella Rosenfeld) e a filha (Ida), é com a ajuda de Guggenheim, que lhe facilita dinheiro para escapar da perseguição aos judeus. Ali, sofre o segundo exílio.”

No retorno à França, em 1945, mais um exílio, que a curadora chama de “exílio interior”. Bella, seu grande amor e maior musa, morreu em 1944. “Isso coloca Chagall em uma tristeza muito profunda. Mas Paris o recebe de braços abertos, é preparada uma grande exposição. E é ali que surge a faceta escritor dele. Chagall nunca se ligou a nenhum movimento artístico, fosse o cubismo ou o surrealismo. Era um pouco incompreendido. Mas os poetas surrealistas o acolhem.”

Além do já citado “O galo violeta”, a terceira seção destaca trabalhos que remetem ao mundo do circo, como “Músico e dançarina” (1975) e “Pintor e acrobata” (1961).






Amor: o motor da vida

Eis que finalmente, no quarto e último módulo, a exposição chega às vias de fato, por assim dizer. “O amor desafia a força da gravidade” destaca as várias formas de afeto que Chagall traduziu em sua obra.

“Para ele, o motor da vida é o amor. Falamos em um sentido mais amplo, do amor às flores, aos animais, aos semelhantes e à querida Bella”, continua Lola. “Apesar de Bella ter desaparecido fisicamente em 1944, ela permanece nos quadros dele, até em suas últimas obras. Quando a conhece, Chagall diz que viu a vida entrar, as luzes e as flores.”

O módulo é subdividido em três. Lá estão telas de buquês de flores (conjunto de cinco quadros, raramente reunidos em exposições dedicadas ao artista), outras com violinos em primeiro plano e uma terceira com casais (destacam-se “Os noivos com trenó e galo vermelho”, de 1957, e “O sonho”, de 1980).





Depois da morte de Bella, o pintor se relacionou com Virginia McNeil, com quem teve o segundo filho, David. Em suas últimas três décadas, foi casado com Valentina “Vava” Brodsky. “Na vida, como na paleta do artista, há apenas uma cor que dá sentido à vida e à arte: é a cor do amor”, afirmou Chagall.

Dança e palestra

No dia da abertura da exposição, haverá duas performances da bailarina Jacqueline Gimenes, às 11h e às 18h, na obra “Air fountain”, de Daniel Wurtzel, no pátio do CCBB. Não é necessário retirar ingressos. Na quinta-feira (13/10), às 20h, a curadora Lola Durán Úcar vai fazer palestra. Ingressos devem ser retirados na bilheteria ou no site bb.com.br/cultura.

“MARC CHAGALL: SONHO DE AMOR”

Exposição no Centro Cultural Banco do Brasil Belo Horizonte. Praça da Liberdade, 450, Funcionários. Abertura na quarta-feira (12/10). Visitação diária, das 10h às 22h, exceto às terças-feiras. Entrada franca. Ingressos devem ser retirados na bilheteria ou no site bb.com.br/cultura. Até 16 de janeiro.