Lucas Lanna Resende e Ângela Faria
Às cinco e meia da manhã de quinta-feira (13/10), rapazes pararam a caminhonete na Avenida Afonso Pena, na altura da Praça Sete, Centro de BH. O trambolhão de cerca de 4m de altura desembarcou no quarteirão fechado da Rua Rio de Janeiro. E ficou lá. A “carga” era a réplica de um moinho de vento, com a seguinte pichação: “O dono do lugar!”.
No mínimo inusual, aquele moinho atraiu a curiosidade das pessoas. Intrigadas, elas paravam, olhavam com calma, tiravam fotos. O Estado de Minas publicou em suas redes sociais: “Viu o moinho na Praça Sete?”. O locutor de uma rádio anunciou: “Praça Sete amanhece com novo símbolo”.
O mistério acabou à tarde. Era uma ação do rapper Djonga para divulgar o lançamento de seu disco com 12 faixas inéditas, cujo nome é justamente “O dono do lugar”.
Horas depois, no início da noite, o álbum do belo-horizontino chegou às plataformas Spotify, Apple Music, Tidal e Deezer. O disco logo ficou entre os temas mais comentados do Twitter, como tem ocorrido com lançamentos de Djonga, desde 2017.
Nesses cinco anos, várias de suas canções viralizaram, entre elas "Olho de tigre" (aquela do refrão "fogo nos racista", sic) e "Leal". Djonga comemorou a boa recepção dos internautas e fãs no Twitter e no Spotify à sua "luta contra os moinhos de vento, inimigos maiores do que eu."
OUÇA o novo álbum de Djonga:
O rapper não se contentou apenas em levar a réplica do moinho para a Praça Sete. Criada por André Martins, do Grupo Giramundo, a instalação remete à capa do disco. Djonga foi para lá lá com a mãe, Rosângela, a mulher, Malu, e os filhos Jorge e Iolanda. Tirou fotos com fãs, bateu papo e até cortou cabelo em um salão nos arredores.
“A Praça Sete é um point de Belo Horizonte. É onde eu sempre vinha fazer rap e colar com o pessoal”, afirmou Djonga. “Teve uma época em que as batalhas de rimas eram aqui. Então, eu sempre colava”, emendou.
Dom Quixote
O moinho é referência ao célebre livro de Miguel de Cervantes (1547-1616), “Dom Quixote”. Apresentada ao público pela primeira vez durante o show do rapper no Planeta Brasil, no Mineirão, a réplica remete aos moinhos de Consuegra, na Espanha, inspiração para o escritor.
Na capa do álbum, Djonga está diante dos moinhos espanhóis, prestes a lançar um coquetel molotov, mas é retido por duas mulheres negras. Viajou para lá recentemente, aproveitando brecha na agenda de shows em Portugal.
No romance satírico, os moinhos assumem, na cabeça doentia de Dom Quixote, o formato de perigosos gigantes. No disco de Djonga, eles fazem analogia com a loucura que se instalou no Brasil.
Desde 2017, o músico lança discos no dia 13 de março. Mudou o roteiro para a véspera do segundo turno das eleições para presidente. Na Praça Sete, Djonga evitou falar da disputa Luiz Inácio Lula da Silva versus Jair Bolsonaro. Nas redes sociais, já manifestou voto em Lula. Recentemente, disse que o 13, antes de tudo, também é o número de seu querido Galo.
O rapper espera que o novo álbum traga reflexões sobre “o mundo que a gente está vivendo, os porquês que a gente está vivendo este mundo, este momento político”.
Um novo ciclo. Assim ele define a atual fase de sua vida e da carreira. Ficou para trás o clima “deprê” do último disco, “Nu”, lançado em plena pandemia. Djonga confessa que nem o ouve, por causa da tristeza daquele momento.
As novas letras falam não só da masculinidade do homem preto, ensinado desde pequeno a reagir com violência ao mundo e ao racismo, mas da força das mulheres e da opressão da indústria da cultura. O preconceito é tema da obra de Djonga desde sempre.
Esta semana, em coletiva realizada em São Paulo, o músico relacionou o machismo e a visão distorcida da masculinidade ao avanço do bolsonarismo. Comentou ter fãs que apoiam o presidente, na contramão de tudo o que dizem suas letras. Quer dialogar com eles sobre questões caras à sua geração.
Som do real
“Isso aqui não é o som de milhões, é o som do real”, manda Djonga já na primeira frase de “tôbem”, canção que abre o álbum. “Tu nasceu na nata, quer falar de luta/ A diferença é que aqui em casa é minha mina que fala”, emenda.
Na faixa seguinte, “dom quixote”, Djonga emula o espírito “cervantesco”, deixando claro que luta contra o poderoso sistema chamado indústria cultural.
“Essas rimas que não vendem mais me deram carro/ Essas rimas que não vendem mais me deram roupas”, canta. “Vê, nossos irmãos, o que fizeram com Nego do Borel/ De longe é bonito, maninha, igual aurora boreal/ É que insistência traz consistência nem exigência consigo mesmo”, continua.
Recentemente, ele afirmou que cantores podem ganhar fortunas, mas não passam de meros empregados dos donos dos “meios de produção”, das empresas que comandam o mercado mundial da música – sobretudo no complexo universo da internet –, que criam e derrubam ídolos com velocidade impressionante.
A meta é também ser o dono, afirma Djonga. Ele tem dito que não pretende ser refém da exigência de “quebrar a internet”. Se isso acontecer, ótimo. “Quero é fazer a minha música”, reforça, questionando a ditadura "dos trends".
As críticas seguem nas faixas “conversa com uma menina branca”, “a cor púrpura” e “em quase tudo”. Na primeira, ele faz paralelo entre agruras vividas por mulheres brancas e negras. “Em uma conversa com uma menina branca/ela diz que odeia as cantada no busão/ É nojento eles passam a mão (...)”, diz, observando que esta garota não anda mais de ônibus.
“E a moça da área que foi abusada no busão/ Enquanto o caso ainda tá em apuração/ ainda é cobradora no busão”, rima a seguir, mostrando a diferença que existe por causa da cor da pele.
Na faixa “em quase tudo”, ele aborda o comportamento machista dos homens. “Mais uma mulher que eu vou trair de novo/ alegando ter tido uma criação escrota/ Outra relação que estraguei tranquilo”, ironiza.
Masculinidade
“No disco, trago muito a questão da construção dessa masculinidade, o jeito como ela é construída. É masculinidade que, às vezes, eu mesmo compartilho em atos. Acho que não só eu, mas todos nós”, destaca.
Embora “O dono do lugar” seja recheado de críticas sociais, faixas tratam do amor – tema forte na carreira do mineiro. Em “contatin”, Djonga conta a história de um casal.
O novo álbum, mais melódico, é lançado pelo selo do rapper, A Quadrilha, empresa dele que funciona em BH e se propõe a lutar por espaço para jovens artistas.
As mulheres são “90% da firma”, diz. Orgulhoso, conta que é “cria” do matriarcado – mulheres comandam sua família. A começar da avó, dona Maria Eni, que ele costuma levar para o palco em alguns shows.
As mulheres são “90% da firma”, diz. Orgulhoso, conta que é “cria” do matriarcado – mulheres comandam sua família. A começar da avó, dona Maria Eni, que ele costuma levar para o palco em alguns shows.
O disco traz 12 faixas inéditas com participações de Oruam, Tasha e Tracie, Sarah Guedes, Vulgo FK, Doug Now, Rapaz do Dread, Filiph Neo, Dallass, Honaiser.
Com beats de Coyote Beatz, velho parceiro, o álbum tem forte presença do tecladista, guitarrista e baixista Thiago Braga.
"O dono do lugar" chega depois de “Heresia” (2017), “O menino que queria ser Deus” (2018), “Ladrão” (2019), “Histórias da minha área!” (2020) e “Nu” (2021), álbuns que colocaram o mineiro no topo do rap nacional.
“O DONO DO LUGAR”
“O DONO DO LUGAR”
. Álbum de Djonga
. 12 faixas
. A Quadrilha
. Disponível nas plataformas musicais.