Jornal Estado de Minas

ARTES CÊNICAS

Olavo Romano comanda o sarau 'Causos médicos' neste fim de semana em BH

Daniel Barbosa

Pesquisador da literatura oral e de casos da cultura de Minas Gerais, o escritor Olavo Romano diz gostar muito do formato sarau. Neste sábado (15/10) e no domingo (16/10), ele propõe mais um, criado a partir de conversas com o médico e teatrólogo Jair Raso, que coordena e é curador do Teatro Feluma – local que vai abrigar as apresentações, batizadas como “Causos médicos”.





O foco são causos que tratam da relação entre médicos e pacientes. A ideia é que profissionais da saúde especialmente convidados revirem seus baús da memória e façam uma abordagem bem-humorada de experiências que vivenciaram. Romano explica que vai atuar como um mestre de cerimônias, acompanhado da dupla Celinha e Lu Braga, que apresentará números musicais entre um e outro causo.

O sarau musical foi pensado para celebrar a Semana do Médico, que neste ano ocorre a partir da próxima terça (18/10), com uma série de atividades programadas para os profissionais da área. A Unimed-BH é patrocinadora do evento e vai distribuir gratuitamente 200 ingressos, em cada dia de apresentação, para médicos interessados em participar.

Animador do sarau

Romano destaca que participar, no caso, é uma palavra bem mais adequada do que simplesmente comparecer. “A fonte dos causos que serão contados são os próprios médicos que estiverem presentes. Eu vou atuar como o animador do sarau. Tenho a minha própria coleção de causos médicos, assim como tenho de advogados, de engenheiros e de outras profissões, mas não vamos nos ater a eles; meu papel é animar a plateia a participar”, diz.




Ele observa que o fato de Jair Raso ser da área médica vai contribuir para uma presença expressiva desses profissionais. “Essa ideia nasceu de uma conversa com ele, e nosso desejo é mobilizar a categoria, fazer um grande congraçamento em duas noites muito animadas. Estou ali presente, mas não quero ser o centro das atenções”, diz. Ele pontua que o sarau não é exclusivo para médicos; qualquer pessoa que queira acompanhar a apresentação e contribuir com seu próprio causo é bem-vinda.

A presença de Lu Braga e Celinha soma no sentido de tornar o encontro mais festivo. Romano ressalta que as cantoras são suas amigas há mais de 20 anos e que já se apresentaram nesse formato em diversas outras ocasiões. “É sempre um prazer estar com elas. Nos intervalos entre um convidado e outro, elas levam uma alegria enorme à plateia com seu canto”, comenta.
 
 

Publicação de livro

Ele acredita que muitas histórias saborosas podem vir à tona e revela que seu desejo, a partir deste sarau, é publicar em livro uma coleção de causos médicos. A ideia é seguir recebendo contribuições desses profissionais, mesmo depois de passado o evento. “Acho que os médicos têm um lugar privilegiado, porque entram na casa das pessoas, têm a confiança delas, testemunham muitas coisas ricas”, afirma.




Sobre o formato da apresentação, ele brinca com a designação dada por Jair Raso. “Ele fala em espetáculo e eu digo que isso é muito otimismo, porque você só sabe se foi um espetáculo depois de ter acontecido. Mas se eu conseguir animar as pessoas com isso que estou chamando de um sarau musical, que subentende a reunião de pessoas amigas, que se soltam e se divertem, vou achar que a missão foi muito bem cumprida. Nesses tempos sombrios que a gente vive, acho muito bonito poder ter duas noites de congraçamento”, salienta.

O humor é um elemento presente em praticamente toda a obra de Romano, que contabiliza 20 títulos – boa parte com foco nos costumes da mineiridade. Seu primeiro livro publicado, “Casos de Minas”, de 1982, e outros títulos, como “Minas e seus casos” (1984), “Dedo de prosa” (1986) e “Os mundos daquele tempo” (1988), têm esse viés. Falar em causos médicos, no entanto, implica falar de doenças. Como aplicar o verniz do humor ao tema, sobretudo após um longo período de pandemia?
 
“Essa ideia de falar com humor da morte é antiga. Eu tinha, com o Ronaldo Simões Coelho e mais um grupo grande de escritores, essa prática de sair por aí contando causos. Fizemos o livro ‘Nas últimas’, só falando de morte. É um assunto que rende coisas interessantes, curiosas e até mesmo divertidas”, aponta.

Ele acredita que falar de morte é, também, uma forma de celebrar a vida. “Estamos saindo da pandemia, pondo a cara à luz do dia novamente, reaprendendo a conviver. Até anteontem, estávamos saindo às ruas sem máscara e achando esquisito. É um privilégio respirar o mesmo ar sem medo. A ideia desse sarau é mais falar das relações entre médicos e pacientes do que falar de doença”, sublinha.





O sarau musical deste fim de semana é, no entendimento de Romano, praticamente uma “ação entre amigos”, posto que é fruto de uma rede de colaborações. Ele conta que, a partir da proposta feita por Jair Raso, a Unimed-BH imediatamente abraçou o projeto. A cooperativa médica é também apoiadora do Teatro Feluma e da Academia Mineira de Letras, da qual o escritor já foi presidente, e que também entra como parceira na realização do evento.

Médicos escritores

“É um movimento de conclamação, porque vale a pena. Essa distribuição gratuita de ingressos corresponde à metade da lotação do teatro em cada noite. Tem os meus convidados pessoais e também os do Jair, que é para garantir uma participação mínima. A quantidade de médicos escritores é muito grande, vários estão sendo chamados. Tenho amigos da área que têm oito livros escritos. Queremos que esse estímulo para buscar na memória casos curiosos se espalhe pela plateia”, ressalta.

O livro resultante dessa coleção de causos médicos que Romano projeta já tem pelo menos um canal de publicação garantido: a Caravana Grupo Editorial, na qual ele tem atuado como editor sênior ao longo dos últimos anos. O escritor destaca que, apesar de não ter uma sede própria em Belo Horizonte, a editora tem feito um intenso trabalho no sentido de trazer à luz novas obras de autores iniciantes e veteranos.





“A Caravana é um projeto que parece um pouco com ‘A casa’ do Vinicius de Moraes, não tem parede, não tem teto, não tem nada”, diz, explicando que cada colaborador atua do seu próprio local de trabalho. “Começamos a trabalhar antes da chegada da pandemia e já lançamos 500 autores, entre nomes conhecidos, que já ganharam premiações prestigiosas, e gente que está começando a escrever agora. É uma coisa bastante expressiva”, diz.

Convite para editora

Ele conta que chegou à Caravana por meio de um convite de Leonardo Costaneto, que é professor da rede pública em Contagem e Betim, licenciado em letras pela Uemg e mestre em educação pela UFMG, membro da Academia Itaunense de Letras e editor-chefe da Caravana Grupo Editorial, além de sócio da Caburé Libros, em Buenos Aires.

“Leonardo se divide entre o Brasil e a Argentina. Ele encontrou uma prensa velha em Buenos Aires, que dava para fazer uns livros interessantes a baixo custo, começou a publicar pequenas tiragens e disso aí surgiu a Caravana”, conta. Romano observa que, entre outros desdobramentos, sua entrada para a editora possibilitou a republicação de alguns de seus títulos, inclusive sua obra inaugural, que está completando 40 anos. 





Ele recorda que começou a publicar seus textos no Estado de Minas, no final dos anos 1970 e, no início da década seguinte, procurou Fernando Gasparian, da Editora Paz e Terra, para mostrar sua produção. “Ele gostou e começou a me cobrar um livro que ainda não existia. Antes de ‘Causos de Minas’, eu nunca tinha publicado nada”, diz.

Obras dispersas

Com o lançamento e a boa repercussão daquele seu primeiro trabalho, Romano seguiu publicando outras obras, por diferentes editoras. Ele sublinha que todas elas cuidaram muito bem de sua produção, mas, com o tempo, a dispersão acabou se tornando um problema – que foi sanado a partir de sua chegada à Caravana.

“Meus livros foram ficando meio abandonados. Com a Caravana, resolvi trazê-los de volta à tona. Reeditei seis deles durante a pandemia e lancei um novo, o ‘Café com prosa’. Essa foi uma das funções que a Caravana cumpriu na minha vida”, aponta. Outra, conforme aponta, foi a reativação de uma empresa de produção cultural criada há mais de 20 anos e que andava em estado de hibernação.





“Essa empresa cuida da distribuição dos títulos da Caravana de todas as formas possíveis. Além de comercializar, também contrata a edição, a editoração e a produção. Estamos botando essas publicações da editora no mundo, queremos circular pelas escolas trabalhando com elas. É um projeto que me deixa bem animado.”

Cenário político

Do alto de seus 84 anos, Romano diz que é um privilégio estar vivo, saudável, ativo e animado. Focalizar no que lhe dá alegria, no convívio com a família, com os amigos, viajar e cuidar do seu legado literário é o objetivo. Apesar de dizer que não pretende gastar suas energias com outros assuntos, ele não deixa de se preocupar com o atual cenário político e social do país.

“Tenho a memória de duas ditaduras, a do Estado Novo e a que se instaurou após o golpe militar de 1964, durante a qual perdi muitos amigos queridos. Ando preocupado de ver o Brasil dividido desse jeito, com essa cisão dentro das casas, das famílias. Não consigo ficar em paz com essa situação que estamos vivendo, com essas ameaças a toda hora, com esse ódio todo. Espero muito que a gente consiga suplantar tudo isso e atravessar esse desfiladeiro de modo que as instituições permaneçam e os corações sosseguem”, afirma.





Ele também não poupa críticas ao atual governo. “Quando ouço o lema ‘Brasil acima de tudo’, penso que é uma tradução literal do dístico de Hitler, que dizia ‘Deutschland über alles’. A impressão digital está aí. E quando se fala em armar a população, isso é um modelo que segue Mussolini. Há uma tendência forte para o autoritarismo nos dias de hoje”, aponta.

“CAUSOS MÉDICOS”

Sarau musical com Olavo Romano e convidados. Neste sábado (15/10), às 20h, e no domingo (16/10), às 19h, no Teatro Feluma (Alameda Ezequiel Dias, 275, 31.3248-7250). Ingressos a R$ 80 (inteira) e R$ 40 (meia), à venda pelo site Sympla