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Estado de Minas MÚSICA

Sandra Pêra convida bloco Volta, Belchior ao palco em BH

Cantora fará nesta quinta-feira (20/10) na capital mineira o show do disco em que gravou músicas do compositor cearense morto em 2017


19/10/2022 04:00 - atualizado 18/10/2022 22:54

Sandra Pêra posa para foto apoiando a cabeça nos dedos da mão direita e com a mão esquerda na cintura
A cantora e atriz lança nesta sexta (21/10) a versão digital de seu primeiro álbum, gravado em 1983 (foto: Jorge Bispo/Divulgação)
 

 

Helvécio Carlos

Um bate-papo com Sandra Pêra é certeza de conhecer um pouco mais da história da música e do teatro brasileiros. Cantora, atriz e diretora, trabalhou em produções que marcaram a história do teatro brasileiro ao lado da irmã, Marília Pêra. No final dos anos 1970, foi uma das Frenéticas, grupo criado por Nelson Motta. Gravou dois discos solo. O primeiro, autoral, completa 40 anos em 2023 e na próxima sexta-feira (21/10) chega às plataformas de streaming; o segundo, com repertório de Belchior (1946-2017), foi lançado há um ano e meio.
 
A conversa com Sandra, por telefone, começa por sua trajetória solo na música. As primeiras viagens foram, segundo ela, uma de suas piores experiências. “Era eu sozinha no palco, cantava sem músico, com playback. O empresário, que era qualquer nota, me colocava em buracos. Até o dia em que disse que iria para Marabá em voo de duas horas e meia de teco-teco sobre a Floresta Amazônica. Aí eu falei que não ia mesmo.” 
 
Quase 40 anos depois daqueles perrengues, Sandra está de volta às turnês. Nesta quinta-feira (20/10), ela apresenta em Belo Horizonte, no CineTheatro Brasil Vallourec, o show de seu segundo disco. As coisas nem de longe lembram as aventuras de início de carreira, principalmente pelo Norte e Nordeste do país. “Aquela época foi um lado ignorante meu que me levou a um empresário muito estranho”, diz ela, que hoje está cercada por profissionais reconhecidos no mercado.

Fora das Frenéticas

Há diferença nítida entre os dois discos. O LP lançado nos anos 1980 reunia 10 faixas, sete delas compostas com Guilherme Lamounier. “As letras foram escritas no auge de uma depressão enorme que vivi a partir do meu sexto mês de gravidez. Esse disco é resultado de um período fértil de barriga e de cabeça quando tive coragem de sair das Frenéticas”, recorda Sandra, a primeira a deixar o grupo, que acabou em 1983,  seis anos depois de sua formação.
 
O trabalho mais recente nasceu ao acaso, durante um jantar na casa de Kati Almeida Braga, da gravadora Biscoito Fino. Das canções que fizeram a trilha sonora daquela noite, “Mucuripe”, de Belchior e Fagner, ganhou elogios de Sandra e, a partir daí, veio o convite da anfitriã para que ela gravasse um CD com canções de Belchior. O disco tem 12 faixas. 
 
“As pessoas estão descobrindo Belchior”, comenta Sandra, que lembra que, no dia de sua estreia no Teatro Rival, no Rio de Janeiro, a poucos metros dali, no Teatro Dulcina, estava sendo encenado o musical “Belchior – Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”. 
 
Para a cantora, o cantor e compositor cearense e sua obra são ainda mais importantes nos dias de hoje. “Ele era uma pessoa tão profunda”, diz. Ela afirma, no entanto, que foi conhecer Belchior depois que começou a cantar suas canções. “Todo mundo conhece ele assim, por alto. Quando você vai cantar, conhece tudo.”
 
Sandra é apaixonada por todo o repertório, mas diz que “Divina comédia humana”, que está no disco, ela ama especialmente cantar nos shows. “Além da melodia, gosto da letra, do que estou cantando. Ele mistura uma coisa completamente romântica com uma loucura (“Ora direis, ouvir estrelas, certo perdeste o senso, eu vos direi no entanto”).  Pelas coisas que ele diz, as coisas que ele mistura, ‘Divina comédia humana’ é uma música boa de cantar. Vocalmente falando, aquelas palavras, amo, amo”, afirma.
 
Em cena, além de cantar faixas do disco, Sandra conta algumas passagens da vida de Belchior. A grande surpresa da noite é a confirmação de que a canção “Medo de avião” foi composta por Belchior para Sandra. Por anos, muita gente incluindo a própria cantora, não tinha garantias suficientes para acreditar na história.
 
O áudio com entrevista do cantor cearense chegou até Sandra por meio de um contato em rede social pela página Acervo Belchior. No final dos anos 1970, por uma dessas coincidências, As Frenéticas e Belchior embarcaram em um mesmo voo. Sandra e ele sentaram-se lado a lado. Em meio a uma turbulência, o músico segurou as mãos da cantora.
 
 

Releitura funk

“Medo de avião” não poderia faltar no roteiro, que, além de outros sucessos do cearense, reúne “cinco musiquinhas a mais” que Sandra selecionou por terem a ver com sua história. Incluiu, inclusive, uma faixa do primeiro disco solo, mas com novidade. “Se pode criar”, que abre o disco de 1983, é cantada em versão funk, seguindo sugestão de Amora Pêra, que dirige o show.
 
A mãe derrete-se pelo trabalho da filha. “Manda muito em mim e eu obedeço”, diz, bem-humorada, reconhecendo o talento de Amora. “Eu tenho um som no disco que, na estrada, não consigo fazer com quatro músicos. Amora imprimiu muito a parte musical, sobre a qual ela sabe muito. Ela também tem um lado de atriz, que vem da família, dirige não só a música, mas a letra, o olhar. É muito bom, e eu confio nela.”
 
Entre as lembranças da carreira apresentadas durante o show, Sandra conta que a canção foi censurada. Originalmente, o título era “Exercício” e o refrão dizia “quanto mais a gente faz, mais a gente faz, mais a gente gosta, melhor a gente faz”, em referência ao exercício de escrever. Para dobrar os censores, Liminha, produtor do disco, sugeriu que ela mudasse o título, buscando alguma frase na própria letra. Sandra escolheu “Se pode criar”, que ela não gosta, mas passou na Censura   
 
A turnê de “Sandra em Belchior”, que começou há quase um mês, no Teatro Rival, no Rio de Janeiro, chega a Belo Horizonte com uma novidade. Por sugestão do ator Maurício Canguçu, amigo de Sandra, que o dirigiu em “Acredite, um espírito baixou em mim”, a cantora entrou em contato com o bloco Volta, Belchior para uma participação especial. “Não vai dar para colocar todo mundo no palco”, diz ela, guardando segredo para o que vai apresentar com a agremiação carnavalesca.
 
Sobre o seu futuro na música, ela diz que ainda não sabe o que fará. “Tenho pensado muito nisso. Não quero passar a vida sendo lembrada pela pessoa que só regravou compositores”, afirma.
 
A ideia de levar o primeiro disco para o streaming não foi dela, que lembra com carinho as mensagens que recebeu, por rede social, do DJ Zé Pedro. Foi dele o primeiro empurrão que levou Sandra até a gravadora, que topou a empreitada. “Ele, o Zé Pedro, me conhecia tão bem que lembrou até do compacto que lancei e também estará disponível.”
 
A cantora lembra que o compacto lados só foi lançado meio de qualquer jeito, no ano seguinte ao LP. “Quando cheguei à gravadora por meio do Liminha, eles vieram com muita febre em cima de mim. Acharam que eu ia estourar, como As Frenéticas. Só o Heleno de Oliveira que me adorava, dizia que eu estava começando uma nova carreira, não esperava que estourasse como as Frenéticas, mas eles tinham pressa. Não foi o que pensaram e viraram a página.”
 

"Tudo o que a gente aprendeu na vida, que era bonito, bom, educado não é mais isso. Está tudo muito feio. Também não gosto desses linchamentos públicos. A democracia é isso: ouvir o outro e 'tá bom; paciência, o que vou fazer?' É preciso ter o aprendizado de respeitar a opinião do outro"

Sandra Pêra, cantora

 

Eleições, caretice e Afeganistão

A menos de duas semanas para o segundo turno que vai eleger o próximo Presidente da República, Sandra diz que a sensação que tem é de estar indo para um lugar que era de um jeito antes de ela nascer, uma caretice. “Me sinto quase chegando ao Afeganistão”, critica.
 
“Tudo o que a gente aprendeu na vida, que era bonito, bom, educado não é mais isso. Está tudo muito feio. Também não gosto desses linchamentos públicos. Uma amiga está inconformada com o fato de uma amiga querida que temos em comum pensar diferente da gente, por ser mais dura, mais ‘Pátria, Família’. A democracia é isso: ouvir o outro e ‘tá bom; paciência, o que vou fazer?’ É preciso ter o aprendizado de respeitar a opinião do outro, mesmo que seja um prejuízo para o país.”
 
Sandra tinha 12 anos quando a geração de sua irmã, Marília Pêra, abriu os horizontes de um país que vivia as dores da ditadura. “Era uma admiração por aquele mundo sendo descoberto. E agora parece que estamos indo para o que eu não conheci, lá atrás.” A cantora e atriz critica o que considera o descaramento dos políticos. “São muito canastrões, de maneira geral. Agora mesmo, vi um deles chorando na televisão, chorando ao falar da filhinha.”

“SANDRA EM BELCHIOR”

Show da cantora Sandra Pêra. Nesta quinta-feira (20/10), às 20h, no Cine Theatro Brasil Vallourec  (Praça Sete,Centro). Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia), à venda na bilheteria do teatro e no site Eventim. 


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