Mariana Peixoto
Em um domingo de 1988, apresentando o “Programa Silvio Santos”, o próprio fica mudo no ar. Nos bastidores do SBT, o estresse é grande – como o microfone não está funcionando? Ele é trocado e o apresentador continua sem emitir um som. O problema não é com o aparelho, é com o patrão. Silvio Santos, então com 58 anos, estava com um pólipo na garganta, exames logo detectaram.
O patrão começa a ter pesadelos com a alternativa e, no dia em que anuncia em rede nacional sua ausência, surpreende todos – incluindo o presidente do SBT e o próprio Gugu –, com outra decisão.
Hoje, aos 91 anos, ainda em atividade, sem anunciar sua aposentadoria, Silvio Santos é um caso único na televisão mundial. Com estreia nesta quarta (19/10), no Star+, “O rei da TV” acompanha, em oito episódios, a trajetória do apresentador e empresário – na frente e atrás das câmeras.
Série ficcional produzida pela Gullane e com direção-geral de Marcus Baldini, também diretor da cinebiografia de Bruna Surfistinha (2011), corre em dois tempos paralelos. O passado, a partir do evento retratado acima, e o passado ainda mais distante, quando Senor Abravanel, primogênito de um casal de imigrantes judeus (o pai, grego, e a mãe, turca), começa sua vida como camelô nas ruas do Rio de Janeiro, onde nasceu.
A ideia é percorrer boa parte de sua extensa trajetória – resta saber até que momento a série vai, já que o Estado de Minas teve acesso somente aos dois capítulos iniciais. Em “A geleia é minha”, a partir do episódio da afonia, a narrativa volta até 1945. Com pouco dinheiro – e o que sobrava era jogado fora pelo pai, Alberto, viciado em jogo –, os Abravanel, pai, mãe e cinco filhos, viviam como podiam.
Aprendizado nas ruas
Um dia, indo para a escola com o irmão mais novo, Senor conhece um camelô experiente. Perde aula e começa a aprender as manhas da rua. Não demora a virar ajudante do homem mais velho – e também a superá-lo. A história vai mostrar casos recorrentes – em que o jovem Silvio aprende muito com quem veio antes, mas tampouco se importa em usar de métodos pouco ortodoxos para chegar aonde quer.
No episódio 2, “Canta, Peru!”, o caso do camelô é reprisado, de certa forma, um pouco mais de uma década mais tarde. Nos anos 1950, Silvio havia provado quão bom comunicador poderia ser. Comandava, na época, “A caravana do peru que canta” (era ele o peru), uma espécie de circo itinerante.
No mesmo período, tinha começado a galgar os primeiros degraus no universo da comunicação. Trabalhava com o radialista Manoel da Nóbrega, que não queria saber de televisão e tampouco do Baú da Felicidade. É este negócio – basicamente, pagavam-se as mensalidades de um carnê que, no fim de cada ano, se tornava um baú cheio de presentes de Natal – que vai catapultar o lado empresário de Silvio.
Nóbrega, na série, pede a ele para se desvencilhar do negócio, que só dava prejuízos e nem sempre era correto com os compradores. Silvio, por conta própria e à revelia de seu mentor, decide comprar o negócio, que mais tarde, transformado, se tornaria um dos carros-chefes de suas empresas.
Como percorre diferentes momentos temporais, “O rei da TV” traz um elenco numeroso, capitaneado pelos dois atores que interpretam o protagonista: Mariano Mattos, que o encarna até os 45 anos, e José Rubens Chachá, que faz o personagem na maturidade. O ator Guilherme Reis faz uma participação na fase inicial da narrativa, interpretando o personagem na adolescência, ainda como o Senor camelô.
Veterano dos palcos paulistas, Chachá destaca-se por mostrar o homem público, o apresentador de TV (sua interpretação é calcada nos trejeitos do próprio Silvio, mas sem histrionismo) e o empresário que construiu um império da comunicação a partir do zero e controla tudo e todos com punhos de ferro.
O elenco traz outros nomes importantes do cinema e do teatro, como Cacá Carvalho, que interpreta Manoel da Nóbrega, e Leona Cavalli, que interpreta Iris Abravanel. A vida privada de Silvio vai sendo descortinada aos poucos. Iris, a companheira desde 1978 e mãe de suas quatro filhas caçulas, aparece na série como um braço direito, em casa e nos negócios.
Não deixa de ser irônico ver a família em pleno café da manhã com duas filhas se deleitando com o programa da Xuxa, campeão de audiência nas manhãs da Globo nos anos 1980. Uma delas pergunta ao pai por que não leva a apresentadora para o SBT. Silvio, mais do que prontamente, muda o canal para sua própria emissora.
Quando ele sai de casa, é a própria Iris quem retorna ao controle remoto para sintonizar na concorrente e voltar à “Rainha dos Baixinhos”.
Cidinha: a esposa escondida
A fase inicial da narrativa dá luz a uma personagem pouco citada na biografia de Silvio. Cidinha (interpretada por Roberta Guarda), ou Maria Aparecida Vieira, com quem ele foi casado por 15 anos, até a morte dela, em 1977.
Mãe de Cíntia (que é mãe de Tiago Abravanel) e de Silvia, adotada pelo casal, ela morreu de câncer em 1977 – longe dos holofotes, já que o apresentador mantinha segredo sobre a mulher e suas filhas.
Outro personagem que aparece em destaque na fase inicial de “O rei da TV” é Gugu Liberato, aqui interpretado por Paulo Nigro. Não dá para saber se a série vai tratar da sexualidade do apresentador, morto em 2019. Mas, em suas primeiras aparições, o personagem está bastante estereotipado: Gugu aparece na academia de sua casa usando roupas espalhafatosas, e na piscina, ao lado de dois jovens.
Está recebendo um convite para ir para a Globo – e não aceita porque acredita que vai substituir Silvio em sua convalescença. A vaidade de Silvio vai ser explorada neste episódio da série – como também sua recusa em abrir a guarda e olhar para o futuro.
A vitoriosa trajetória de Silvio é também recheada de polêmicas. Sua proximidade com o governo militar o fez criar o programete “Semana do Presidente”, exibido até o final dos anos 1990.
Rombo bancário
Em 2010, o Grupo Silvio Santos entrou em crise por causa de fraude no Banco Panamericano, criado pelo próprio apresentador – em 2018, sete ex-diretores foram acusados de fraude contábil por terem escondido um rombo milionário. Há também acusações de racismo, machismo e censura.
Resta saber como a série vai (e se vai) a fundo nessas passagens. “O rei da TV” promete ser apenas a primeira produção a tratar da trajetória de Silvio Santos, que chega aos 92 em 12 de dezembro próximo.
Está em produção o filme “Sequestro”, com direção de Marcelo Antunez (“Até que a morte nos separe 3”). O longa vai abordar as sete horas em que Silvio foi mantido refém, por Fernando Dutra Pinto, em sua casa, no Morumbi.
O caso ocorreu dias após a libertação de Patrícia Abravanel, filha do apresentador, que ficou em cativeiro durante uma semana. Na época, o então governador de São Paulo Geraldo Alckmin foi até o local para negociar a libertação de Silvio, que será interpretado no longa por Rodrigo Faro. (Com Folhapress)
“O REI DA TV”
Série em oito episódios. Estreia nesta quarta (19/10), no Star