Jornal Estado de Minas

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Mostra de cinema on-line convida a refletir sobre as eleições no Brasil

"Entre nós talvez estejam multidões" retrata o cotidiano de moradores da Ocupação Eliana Silva, em BH, em 2018 (foto: Embaúba Filmes/Divulgação )


Pensando no decisivo período eleitoral pelo qual estamos passando, a plataforma de streaming alternativa Embaúba Play realiza a Mostra Embaúba Cinema e Política, gratuitamente, até 30 de outubro. São sete filmes nacionais que tratam, sob ângulos variados, de aspectos do cenário político e social brasileiro, dialogando com questões em pauta desde que tiveram início as campanhas eleitorais para presidente e outros cargos federais.





Fundada em 2018 pelo diretor Daniel Queiroz e sediada em Belo Horizonte, a distribuidora cinematográfica Embaúba Filmes, especializada em produções nacionais, vem se destacando pela qualidade de seus projetos e pelo viés autoral e provocativo dos trabalhos distribuídos.

“Os filmes com os quais trabalhamos são, de forma geral, filmes nos quais as questões políticas estão muito presentes, de forma bem direta em alguns, e mais indireta em outros. Esse é um assunto extremamente pertinente na produção brasileira contemporânea. É impossível fazer um filme nacional fugindo de questões políticas”, defende Daniel Queiroz.

Diálogo com o Brasil contemporâneo

De acordo com o diretor e curador, a Mostra Embaúba Cinema e Política foi pensada e planejada para dialogar diretamente com o momento político atual da sociedade brasileira.




 
“É nossa primeira mostra com esse recorte, até porque preferimos trabalhar filme a filme. Mantemos na Embaúba Play alguns conjuntos de filmes reunidos que também são bem ligados à política”, revela Daniel.

O desejo de envolver um grande número de pessoas no debate e contribuir de forma acessível às discussões justifica a disponibilidade de forma gratuita das produções que compõem a mostra.

“Notamos grande dificuldade de as pessoas aderirem à forma como a Embaúba opera, de aluguel filme a filme. O mercado está se consolidando em plataformas de assinatura, como Netflix, HBO, Disney etc. Nossa vontade era de que esses filmes circulassem ao máximo. Não foi uma mostra feita com a intenção de obter retorno financeiro”, explica Daniel.





Ele conta que já foi cogitada a ideia de transformar a plataforma em um serviço de streaming por assinatura, o que seria viável levando-se apenas em conta o enorme tamanho do acervo de filmes da distribuidora, com mais de 40 títulos.

As expectativas do público de renovações constantes do catálogo de serviços por assinatura, bem como o tamanho da concorrência, foram citadas por Daniel como empecilhos para tal empreitada no momento.
 
“A Embaúba é uma pequena locadora na internet. No passado, seria uma pequena lojinha especializada em filmes de arte com um bom acervo”, compara.
 
 

Os sete filmes da mostra cumprem de formas diversas o objetivo de conversar com o momento político, que norteou a escolha de cada um para o acervo. Todos são inéditos (com exceção de “Lutar lutar lutar”), distribuídos pela própria Embaúba.





“Estamos vivendo um momento muito delicado da nossa história. A Embaúba, enquanto distribuidora, não procura defender nenhum candidato, mas precisamos lutar contra o projeto bolsonarista, que é um retrocesso gigantesco e uma opção nada democrática. Um projeto neofascista que está sendo normatizado na população brasileira”, afirma Daniel.

PROGRAMAÇÃO 

“Brizolão” (Jéferson, 2021) se trata de um documentário histórico que traz a história e o impacto dos CIEPs (Centros Integrados de Educação Pública), implantados no Rio de Janeiro durante os governos de Leonel Brizola (1983-1987 / 1991-1994), que contavam com o sociólogo Darcy Ribeiro encabeçando o projeto educacional e Oscar Niemeyer, a arquitetura das escolas.

“Entre nós talvez estejam multidões” (Aiano Bemfica e Pedro Maia de Brito) se debruça sobre o cotidiano dos moradores da Ocupação Eliana Silva, na região de Belo Horizonte, à época das campanhas eleitorais de 2018, marcada por tensões e possíveis confronto com forças oficiais.





“Estamos te esperando em casa” (Cecília da Fonte e Marcelo Pedroso, 2021) retrata o cotidiano de Poliana, terapeuta ocupacional em um hospital de Recife que, no ápice de internações ocasionadas pela COVID-19, busca conectar pessoas isoladas em UTIs a seus entes queridos impossibilitados de visitação através de videochamadas pelo celular. “É um assunto muito recente e importante, que coloca em xeque a atuação do governo federal ao longo da pandemia”, conta Daniel.

“Lutar lutar lutar” (Sérgio Borges e Helvécio Marins Jr, 2021) aborda um momento importante para a história do esporte nacional no qual Reinaldo, craque do Atlético-MG nos anos 1970, ergue o punho direito ao empatar o jogo contra a Suécia na Copa do Mundo de 1978, desafiando a ditadura militar e as várias formas de opressão do século 20.

“Pode parecer estranho: o que tem de político na história do Galo? O Reinaldo, ao comemorar seu gol com o gesto característico do movimento dos Panteras Negras, denunciava a violência promovida por um governo autoritário durante décadas”, explica Daniel.





“Pão e gente” (Renan Rovida, 2021), baseado nos textos do dramaturgo alemão Bertolt Brecht (1848-1956), lida com a questão da fome, do desemprego, da desigualdade social e da disputa de classes em território brasileiro.

“Os grandes vulcões” (Fernando Kinas e Thiago B. Mendonça, 2022) é uma adaptação do texto do dramaturgo inglês Harold Pinter (1930-2008), que mescla teatro e cinema, em um monólogo da atriz Fernanda Azevedo, do grupo Coletivo Comum. Fernanda retrata a ingerência dos EUA na geopolítica mundial ao longo do século 20 e os embates promovidos pelo imperialismo estadunidense em diversas partes do planeta.

“Quem tem medo?” (Ricardo Alves Jr, Henrique Zanoni e Dellani Lima, 2022) é um documentário que aborda os inúmeros casos de censura a artistas brasileiros em anos recentes, ampliada pela represália da extrema direita – cada vez mais presente no cenário político e social – sobre manifestações culturais que consideram passíveis de proibição.




 

 

Além da mostra disponível no catálogo do Embaúba Play, o diretor ressalta que a distribuidora também se faz presente no audiovisual nacional no momento com o longa “Fé e fúria” (Marcos Pimentel, 2019), em cartaz no Una Cine Belas Artes. O filme aborda a perseguição às religiões de matriz africana em favelas e subúrbios do Rio de Janeiro e de Belo Horizonte.
 
“É um filme que dialoga diretamente com a mostra e só não está na internet porque está disponível no cinema”, finaliza Daniel.

"MOSTRA EMBAÚBA CINEMA E POLÍTICA”

Filmes disponíveis gratuitamente no serviço de streaming Embaúba Play até o próximo domingo (30/10).
 

"FÉ E FÚRIA"

Brasil, 2019. 103min. De Marcos Pimentel. Em cartaz no Una Cine Belas Artes. Sessões às 17h e às 19h. Informações: (31) 3252-7232.
 
*Estagiário sob supervisão da editora Ellen Cristie